Exame.com
Continua após a publicidade

Cometer erros é o jeito de aprender, diz presidente do iFood

A frase é de Fabrício Bloisi, que afirma que isso vale, sobretudo, para quando não sabemos as respostas

Fabrício Bloisi: Cometer erros é o jeito de aprender num segmento onde não se sabe as respostas
Fabrício Bloisi: Cometer erros é o jeito de aprender num segmento onde não se sabe as respostas

Todos nós conhecemos a empresa desta pessoa, porque com certeza, usamos todos os dias e fazemos compras com apenas um clique. Neste papo, trazemos o cara que fez tudo isso: Fabrício Bloisi, fundador do grupo Movile e presidente do iFood.

Quem é o Fabrício?

Sou um baiano de 46 anos que adora a Bahia, viajar, peregrinar, voar e que aos 17 anos saiu de lá, porque adorava tecnologia e inovação. Passei na Unicamp e no ITA, mudei para São Paulo sozinho, sem amigos e sem dinheiro, sempre sonhando em criar uma grande empresa como as do Vale do Silício. Quando terminei a faculdade, criei uma empresinha de duas pessoas, a Movile, que hoje é dona do iFood.

Nós começamos em duas pessoas, sem investimentos, sem produtos, crescemos e caminhamos muito. Acredito que tenhamos chegado aqui por conta de nossos valores e de como funcionamos: foco em pessoas, empreendedorismo, inovação, resultados. Hoje tenho uma empresa extremamente inovadora, com 50 milhões de clientes por ano no Brasil, que movimentou, em 2022, 97 bilhões de reais direta ou indiretamente. A empresa não só tem um grande alcance, mas uma cultura de startup: toma muito risco, inova, corre, muda tudo o tempo inteiro. Nós a reconstruímos todos os anos. Temos 6 mil funcionários diretos, aproximadamente 350 mil restaurantes vendendo para o iFood todo mês, cerca de 250 mil entregadores conectados com o iFood e por volta de 900 mil postos de trabalho diretos e indiretos, ligados ao iFood em tempo integral.

Adoro o que faço, trabalho muito, corro muito. A empresa cresceu um pouco nestes 20 anos, mas só estamos no início: a parte boa começa agora e estou animado para os próximos 20 anos. Vamos fazer muito mais e criar um impacto. Nós queremos alimentar o futuro do mundo, não só com comida, mas com educação e reduzindo desigualdades.

Voltando à questão de empregos, sua responsabilidade não e só essa: muitos restaurantes vivem e sobrevivem graças ao delivery e ao iFood.

Muitos restaurantes e entregadores, que vivem baseados no iFood e mudaram de vida, mais 50 milhões de clientes que usam o iFood muitas vezes por mês.

Somos uma empresa de donos: eu sou um dos fundadores, mas o que faz a empresa funcionar são as 6 mil pessoas que se comportam como donos o tempo inteiro, são apaixonadas pelo nosso propósito, por nossos valores, pelo que estamos construindo, para onde estamos indo e sabem que podemos ter muito impacto. São elas que fazem o iFood funcionar, junto com todos os demais parceiros pelo Brasil.

Você diz que o negócio está só começando: conte para a gente o que vem por aí.

Tem muito pela frente! As pessoas falam que a tecnologia está mudando tudo, as coisas estão mais rápidas. Vou dar uma notícia ruim para quem fala isso e uma boa para quem é empreendedor: vai ficar mais rápido. As inovações estão vindo em ciclos menores, as tecnologias que vão mudar o mundo inteiro estão só começando e assim temos muito mais oportunidades incríveis à frente. Basta pensar na Inteligência Artificial, que está mudando o funcionamento do mundo inteiro, na biologia sintética, no impacto da sustentabilidade e todo o ecossistema que vem por aí. Centenas de empresas serão substituídas por startups que começarão agora, irão inovar e criar negócios incríveis. Isso é bom para o empreendedor: as maiores e melhores ideias virão nos próximos 10 ou 20 anos e cada vez mais rápido, maiores e com mais oportunidade.

O iFood não foi só uma ideia boa, porque temos ideias todos os dias e a maioria pode dar errado. O que deu certo é que pensamos grande, testamos ideias muito rápido, melhoramos até começar a acertar e dar certo. O iFood começou há 10 anos e até quatro ou cinco anos atrás não tínhamos nenhum entregador – todas as entregas eram feitas pelos restaurantes. Daí começamos a conversar com eles e hoje em dia fazemos mais de 3 milhões de entregas por dia, com centenas de milhares de entregadores. Há 2 anos também começamos a fazer entregas de supermercado, que hoje representam meio bilhão de reais por mês. Ano passado lançamos o nosso vale-refeição, hoje com perto de um milhão de usuários.

A empresa se reinventa todos os semestres e vamos continuar a fazer isso. Temos oportunidades enormes na área de serviços financeiros para entregadores, restaurantes e clientes. Assim como o mundo mudou totalmente há 15 anos com a introdução do smartphone e há 20 ou 25 anos, quando surgiu a internet, tudo vai mudar nos próximos 10 anos com   a IA. Ou será em três ou quatro? A IA vai melhorar a capacidade das pessoas trabalharem e das empresas funcionarem.

O iFood mudou muito no último ano e vai mudar 10 vezes mais no próximo ano, só com IA, que começamos a usar há um ano e meio, e hoje representa 40% do atendimento ao cliente, da definição do que vamos oferecer a ele, dar dicas para o entregador, avaliar tempo de entrega, se o cliente é de verdade ou é fraude. Imagine como será daqui a um ano e meio, por exemplo. Provavelmente você dirá para seu relógio que quer um sushi para dois no seu escritório, ou mesmo o seu relógio irá perguntar se quer isso, porque sabe onde você está, se sempre pede a mesma coisa e qual o seu cartão de crédito, por exemplo.

Sabe o que eu incorporaria no iFood? Uma lista dos restaurantes que atendem mais rápido.

Acho que já temos, mas pelo jeito não estamos contando direito para os clientes e precisamos trabalhar mais nisso. O iFood sempre ouve as ideias das pessoas e lança várias coisas novas todos os meses: várias dão errado, mas estamos sempre melhorando, inovando, usando mais tecnologia. Acho que esse é o segredo de termos chegado aonde chegamos e também para onde iremos nos próximos cinco anos. Continuaremos a ser uma empresa ambidestra, focada em execução, em colocar metas e ter disciplina, ao mesmo tempo que é criativa, coloca 20 ideias novas, testa todas, 18 dão errado, mas duas têm chance de mudar o seu funcionamento. Preciso dessas duas capacidades para ser e continuar existindo como uma empresa grande. Inovar é fundamental. Por isso minha dica para quem está começando é: dar errado faz parte. O jeito é dormir, acordar todos os dias com ânimo e entender que é só ir de novo que vai dar certo.

Você tem outros negócios?

Já abri vários negócios, com vários sócios, alguns saíram, outros continuam. É algo dinâmico: as pessoas entram, contribuem e vendem, o que é muito saudável. No Vale do Silício, por exemplo, é comum esse ciclo de investir e, depois de alguns anos, sair do negócio.

Nós começamos no ano 2.000 com o grupo Movile, uma empresa pequenininha de duas pessoas. Esse grupo acabou criando pelo menos 10 empresas ao longo do tempo, e já teve 10, 50, 100 pessoas: hoje tem 6 mil e vai ter 20 mil.  Isso porque sempre pensamos grande, sonhamos em construir algo incrível, uma empresa com muito impacto. No início não tínhamos um centavo, tivemos de fazer financiamentos em bancos. Muitas coisas deram errado, quase quebrei várias vezes.

Nos primeiros cinco anos o Movile era uma empresa de tecnologia que desenvolvia conteúdo para celular; entre o sexto e o décimo anos começamos a acertar e a crescer. O componente mais importante nessa fase não foi a ideia: foi cultura, o modelo de gestão, o foco em pessoas, em inovar e ter disciplina.

Começamos a diversificar com vários negócios, como a Sympla, que vende ingressos pelo celular; a Zoop, de pagamentos pelo celular; PLAYKIDS, PK XD e Leiturinha, com conteúdo para crianças e que tem 50 milhões de usuários no mundo inteiro; empresas de logística e pagamentos, além do iFood, que tinha 15 pessoas quando compramos e fazia 20 mil pedidos por mês. Como acredito muito em sociedade, juntamos a capacidade de gestão, inovação e de pensar grande da Movile, com a ideia do mercado de restaurantes. O resultado foi que os 20 mil pedidos por mês passaram para mais de 75 milhões – por enquanto.

O Brasil está muito bem de unicórnios, tem muitas oportunidades. Você, por exemplo, vende atualmente para um quarto da população do Brasil. Imagine o quanto pode crescer.

Por isso eu digo a quem quer empreender: jogue fora seu complexo de vira-lata e não ache que os americanos ou os europeus são melhores. Eu passo muito tempo viajando para fora, conheço as melhores empresas europeias, do Vale do Silício, da China, da Ásia e sei que temos muita gente boa aqui. Obviamente temos problemas estruturais: o custo de capital é muito alto, é difícil levantar dinheiro, as regras mudam muito rápido, são muitos os desafios.

Mas o Brasil é um mercado grande e o ecossistema ligado ao mercado de tecnologia amadureceu de 2018 a 2022. Hoje vivemos um momento cíclico de contração: os juros subiram e os investimentos foram cortados. Mas o mundo da tecnologia vive em ciclos de expansão e contração, como a própria Economia desde sempre. Há fases de muito investimento e de contração quando muitas empresas morrem e as melhores de adaptam para crescer depois. Precisamos olhar o macro cenário: estamos em contração, mas daqui a alguns anos vai haver expansão, como já aconteceu uma centena de vezes.

Vamos criar muitas empresas de tecnologia no Brasil: o mercado está pronto e o ecossistema ficou mais maduro durante o momento de expansão que aconteceu de 2018 a 2021. Temos mais investidores, mais capital, mais empreendedores de sucesso, com experiência, um mercado mais desenvolvido com, por exemplo, o próprio iFood e outros como NuBank, Magalu ou o próprio Mercado Livre que nasceu na Argentina e se desenvolveu aqui. Uma boa parte do mercado dos Estados Unidos e da China é de empresas novas de tecnologia que nasceram nos últimos anos e já são bem grandes. Tenho certeza de que há espaço para o nascimento de grandes empresas no Brasil.

Eu acredito muito no Brasil. Nosso agro é incrível, as pessoas são incríveis, temos um mercado de consumo organizado, um parque industrial organizado, os gestores públicos vêm melhorando. É um país que tem tudo. Tem mercado e o consumo é bem visto.

Por isso quero reforçar o otimismo: o iFood não foi uma ideia que surgiu de repente e deu certo. Nós começamos há 20 anos, mantivemos determinação, sonho grande, gente muito boa, investimento em pessoas, em conhecimento, em desenvolvimento e criamos uma empresa muito boa. O Brasil tem condições de ter outras 10 iguais. Dar errado faz parte, ciclos fazem parte, mas temos espaço para criar grandes empresas e isso é muito bom para o País.

Qual erro te ensinou muito?

Eu erro muito, perco um monte de dinheiro, continuo trabalhando muito. As confusões são grandes: não imaginem que as coisas são tranquilas numa empresa grande. Não temos nenhuma vergonha de falar de erros: a cultura do iFood é que as pessoas são o mais importante: preciso de pessoas dedicadas, apaixonadas, que queiram aprender, que vão me ajudar a definir a direção que devemos dar e emponderá-las. Somos uma empresa obcecada com resultados, seja de dinheiro, seja de metas de meio ambiente e educação e por inovação: estamos sempre colocando coisas novas no ar. Nós temos 20 do que chamamos de jet skis, um tipo de startups dentro do iFood, que implementam ideias que muitas vezes dão errado, mas não prejudicam o todo, que seria o “navio”. Elas investem barato, rápido e sem hierarquia. Errar faz parte. Se passar um tempo e a ideia não der certo, eliminamos aquele jet ski e partimos para outro projeto.

Cometer erros é o jeito de aprender num segmento onde não se sabe as respostas. Basta fazer bem feita uma coisa que se faz há 100 anos para dar certo. Mas ninguém sabe como fazer em novas indústrias e tecnologias, nem no Brasil, nem nos Estados Unidos, nem na China, nem ninguém sabe como vai ser daqui a um ano em qualquer tipo de indústria. A melhor forma de aprender é testando e errando de forma rápida e barata. Não fazemos projetos que custem um milhão de dólares para entregar daqui a um ano. Toda semana testamos algo novo, verificamos se os clientes gostaram, se voltaram a comprar. Se não der certo, partimos para outro.

Por isso digo que erramos muito, fazemos vários projetos, produtos e inovações que dão errado. Aprendi que o iFood é muito bom em cultura, com pessoas conectadas, se comportando como empreendedores, planejando para onde devemos ir e o que temos que fazer.  Pode ser uma história bonita hoje, mas não era assim há 10 anos. Quando começamos a diversificar éramos péssimos em cultura; daí refundamos a empresa e criamos uma nova cultura, que passou a funcionar bem.

Hoje dou palestras quase todos os dias, mas eu era um péssimo palestrante. Entendi que, se queria ter uma empresa grande, teria que falar melhor: então me expus, falei muitas vezes. Na décima vez, continuava ruim. Na quinquagésima, fiquei médio. Mas na centésima, fiquei bom.

Outro exemplo:  o iFood levantou muito dinheiro. Começamos a ser lucrativos somente agora, porque perdemos uns 3 bilhões de reais nos últimos 4 anos. Eu tinha que investir para crescer, então levantei 3 bilhões de reais em dinheiro do mundo inteiro para investir aqui. Nas primeiras vezes em que tentei levantar dinheiro, há uns 15 anos, falhei redondamente, recebi uns 50 nãos. As pessoas pensam que temos acesso a muito dinheiro e que falo muito bem, por isso consigo o dinheiro e nossos produtos dão certo. É tudo falso.  O iFood só é grande agora porque erramos mil vezes antes de conseguir acertar.  Muita gente também acha que tive sorte. Sim, tive, mas estudei muito, trabalhei muito e sorte faz parte. É bom falar isso para as pessoas entenderem que elas também podem: mas precisam trabalhar e estudar muito, melhorar o tempo todo.

A gestão do tempo é importante. Estudar, por exemplo, leva muito tempo.

Por isso precisamos de disciplina. O iFood é uma empresa criativa, de tecnologia, que testa mil ideias. Mas também é disciplinada. Eu tenho metas e uma delas é estudar e me desenvolver, que é algo que está sob meu controle. Não podemos controlar taxa de juros, investimentos, planos do governo. Mas conseguimos estudar IA, por exemplo, e usá-la para criar um diferencial competitivo. Eu invisto muito nisso, fiz Ciência de Computação na graduação, mestrado em Administração de Empresas, alguns cursos em Stanford, durante três anos fiz um curso de um mês em Harvard. Estudo muito, sempre me atualizo para continuar crescendo.

Mas não sou só eu que faz isso no iFood: todo mundo tem que estudar muito, desde o presidente, aos diretores e até aqueles que acabaram de entrar. É isso que faz uma empresa viva, que aceita mudanças como oportunidades e não como risco. As coisas estão mudando cada vez mais rápido o que para mim é oportunidade de crescer, de criar novos negócios e investir.

Em todas as grandes crises, surgem novas dores que são oportunidades de negócios. Com toda essa tecnologia vão surgir milhares de empregos que nem imaginamos ainda.

Nós, como brasileiros, temos que aproveitar as grandes ondas tecnológicas. Na Revolução Industrial, o Brasil era um comprador de quem produzia na Europa.  Há 30 anos, na revolução da internet, o Brasil era um comprador dos Estados Unidos. Agora temos uma revolução de IA, de smartphones, não podemos ser o país que usa os aplicativos dos outros: temos que desenvolver tecnologias que vão criar as próximas grandes empresas brasileiras ou até mesmo globais. Dá trabalho, é preciso estudar muito, trabalhar muito, investir em pessoas e ter um pouco de sorte também. É isso que fazemos no iFood e, por isso, falo que estamos apenas começando.

Você tem vontade de verticalizar, criar empresas que têm a ver com o seu negócio?

Nós verticalizamos algumas coisas, mas eu gosto muito da palavra ecossistema, porque é uma palavra mais aberta, mais moderna. Tenho a minha empresa e vários parceiros que são fundamentais, desde entregadores de restaurantes até desenvolvedores de produtos de fintech, porque quem dá crédito não é o iFood, é um banco parceiro. Também temos parceiros que alugam ou vendem motos para os entregadores.

A vontade de entender a necessidade do outro, fazer uma parceria melhor, torna tudo melhor.

Por isso ecossistema é uma palavra que funciona bem: um precisa alimentar o outro e trabalhar junto como parceiros alinhados e conectados para crescerem juntos. Precisamos competir com empresas de todo o mundo que são nossas concorrentes aqui no Brasil, estamos entrando em novos segmentos que estamos aprendendo a fazer, temos milhões de clientes para servir, milhões de parceiros para melhorar. Se gastarmos nossa energia brigando com o fornecedor-parceiro, como vamos enfrentar esses enormes desafios? Vamos pensar no que podemos construir junto.

Mande uma mensagem importante para nossos tubarões, sobre as lições aprendidas.

Ser apaixonado pelo que faz, porque as coisas dão errado todos os dias. Precisamos gostar do que fazemos, estudar mais para crescer, não deixar nunca de valorizar as pessoas, porque elas são o mais importante. Ninguém trabalha para ninguém, todo mundo trabalha junto para construir algo. Por isso é preciso investir em educação: precisamos de pessoas melhores do que nós para agregar e fazer a empresa maior. Sonhar grande e ser ambidestro: ter disciplina e saber como a inovação é importante.