Carta aberta ao próximo ocupante do Ministério da Educação
Caro futuro ministro, você terá nas mãos o ministério mais importante do Brasil. Aonde queremos chegar?
Publicado em 10 de julho de 2020 às, 14h44.
Última atualização em 10 de julho de 2020 às, 18h16.
Caro futuro ministro,
sua tarefa não será fácil. O bastão que você está prestes a receber passou por mãos atabalhoadas e vem sendo conduzido sem continuidade, método ou sentido. Nossos alunos têm um dos 10 piores desempenhos do mundo em matemática. Estamos atrás de 50 países em leitura. Segundo o IBGE, em 2018, ainda tínhamos mais de 11 milhões de analfabetos. Se todos morassem na mesma cidade do Brasil, ela só perderia para São Paulo em número de habitantes.
Não recito esses problemas para que você se desanime. Pelo contrário, o estado das coisas nos traz enormes oportunidades de avanço. Você tem todas as chances de entregar um ministério melhor do que o que herdará. Para que o avanço seja sustentável e coerente, o foco precisa estar em primeiro lugar em cuidar do básico. Literalmente.
É urgente que o Brasil acelere a expansão do horário integral, sobretudo para o ensino fundamental. Se a frase soa como um deja vu, não é por acaso. Há mais de uma década, o horário integral vem sendo apontado por especialistas como potencial divisor de águas na educação. Infelizmente, isso só fez o tema povoar as propagandas eleitorais, sem chegar efetivamente aos planos de governo, com algumas exceções.
A reforma do ensino médio, aprovada ainda no governo de Michel Temer, precisa sair do papel. O que temos hoje é uma política pública em que faltam diretrizes, previsão orçamentária, consistência e o necessário envolvimento de educadores e especialistas. Sem planejamento e articulação entre os três níveis de governo, o “novo” ensino médio segue estagnado, como uma obra pública abandonada em que a chuva arranca o asfalto sem conclusão e o capim já começa a tomar os canteiros.
Não é muito diferente da Política Nacional de Resíduos Sólidos, que previa o fechamento de todos os lixões do Brasil até 2014. Seis anos depois, quase 3 mil continuam em atividade. Leis, sozinhas, não transformam a realidade. Nem são capazes de evitar que ela se transforme, como é o caso do ensino à distância, implementado à força por esta pandemia. Não estávamos preparados e as crianças estão pagando o preço de nosso despreparo. Temos que tirar disso uma lição e pensar em formas organizadas e positivas de implementar o ensino à distância, ainda que parcial.
Há quem argumente que o ensino à distância é elitista porque desconsidera a situação dos jovens brasileiros sem internet. Elitismo é achar normal que um jovem nascido em nosso país não tenha acesso à rede até hoje. Que futuro pode almejar um analfabeto digital em 2020? A resposta não ser barrar o avanço tecnológico das aulas à distância mas, pelo contrário, trabalhar duro para aumentar a distribuição da internet para todo o território brasileiro o mais rápido possível.
Tudo isso poderia ter começado há um ano e meio. Infelizmente, o governo deu preferência a uma agenda retórica em vez de prática. Coloco assim porque é falsa a dicotomia estabelecida entre ideologia e técnica. Toda gestão é ideológica porque todo governo é ideológico, embora alguns consigam orientar sua ideologia por dados e evidências e colocar sua visão de mundo em prática. Outros são paralisados pela ideologia e se limitam à retórica. A equipe do MEC é boa, mas é impossível alcançar bons resultados sem um bom líder. Um ministro que perde tempo “lacrando” nas redes sociais nunca será capaz de extrair o melhor de seu time. Você, futuro(a) ministro(a), tem a missão de se preocupar mais com alunos e menos com ideólogos.
O Enem precisa ser repensado urgentemente. Como porta de entrada para as universidades, ele acaba moldando todo o ensino médio do país e deveria ter foco em conteúdos essenciais como português, matemática e futuramente o inglês. Neste momento, menos é mais.
O Fundeb é outra frente que carece de uma discussão qualificada e trabalho. Se vamos ampliar o investimento no professor, temos que reformular com urgência a carreira docente. Precisamos elevar a barra para o exercício da licenciatura. Afinal, não há como pensar numa educação avançada quando aqueles que escolhem ser professores não estão entre os melhores alunos. Sem essa mudança, estaremos invertendo causa e efeito.
Para efeito de comparação, trago o exemplo do RenovaBR. Fundei o Renova em 2017 com o objetivo de ajudar gente preparada a ocupar cargos eletivos no Brasil. Oferecemos cursos de qualificação e técnicas eleitorais para que essas pessoas sejam candidatos mais competitivos e atuem em alto nível caso sejam escolhidos. No primeiro ano, ajudamos 17 parlamentares a se elegerem. É um pequeno passo, considerando que só na Câmara Federal temos 513 deputados. Por outro lado, você concordaria em aumentar os salários de todos os congressistas na esperança de atrair candidatos melhores?
Caro futuro ministro, você terá nas mãos o ministério mais importante do Brasil. A educação é a chave para resolvermos nossos problemas históricos e construirmos um novo futuro. Defina o sonho. Aonde queremos chegar? Como nos mobilizamos para esse caminho? Sem vontade nem direcionamento claros, não é possível mobilizar equipes ou haver coordenação entre as secretarias.
As novas tecnologias que não param de surgir vão ampliar cada vez mais o abismo entre o Brasil e o mundo. Que chances tem um jovem semiletrado em um mundo ávido por cientistas de dados? Como será seu futuro diante da inteligência artificial que cresce exponencialmente? Como já disse o historiador Yuval Noah Harari, certos empregos não merecem ser salvos da automação. E não serão, por isso nossa única opção é investir nas pessoas.
Deixo por fim um alerta a todos aqueles que pensam que suas vidas e seus filhos não são impactados pela nossa educação pública precária, porque podem pagar por uma escola particular. O último resultado do Pisa, principal avaliação da educação básica no mundo, mostra que os estudantes brasileiros mais ricos têm capacidade de leitura inferior a de alunos pobres de países como China e Irlanda.
Quem cresce cercado de pessoas iletradas ou com dificuldade de realizar operações matemáticas básicas não passa incólume. Em 1624, o poeta inglês John Donne escreveu que “nenhum homem é uma ilha” em seu clássico Devoções em Ocasiões Emergentes: ”A morte de qualquer homem diminui-me, porque sou parte do gênero humano. E por isso não perguntes por quem os sinos dobram; eles dobram por ti”. Educação é esperança. Cada vez que matamos a esperança de um jovem pobre brasileiro, todos nós morremos um pouco.