A crise e os lucros recordes dos bancos
É curioso (e para alguns revoltante) notar a sequência de lucros recordes dos grandes bancos brasileiros exatamente no momento em que o país vive um dos piores momentos econômicos de sua história recente. Mais impressionante ainda, a meu ver, porém, é a passividade da população em relação ao fato. Muitos diriam ser fruto da falta […]
Publicado em 21 de abril de 2016 às, 12h24.
Última atualização em 22 de junho de 2017 às, 18h34.
É curioso (e para alguns revoltante) notar a sequência de lucros recordes dos grandes bancos brasileiros exatamente no momento em que o país vive um dos piores momentos econômicos de sua história recente. Mais impressionante ainda, a meu ver, porém, é a passividade da população em relação ao fato. Muitos diriam ser fruto da falta de opções de serviços bancários para o consumidor, afinal, os cinco maiores bancos do país concentram cerca de 80% dos ativos financeiros em circulação. Fica fácil para os bancos gerar uma demanda inelástica a preço para seus serviços e produtos, dado que todo cidadão precisa de uma estrutura financeira para tocar sua vida. Conformados com a situação, o cliente simplesmente aceita o que lhe é oferecido e perde o senso crítico.
No início desta semana recebi um e-mail de meu banco alertando para o aumento da tarifa mensal de minha conta. Os já absurdos, injustificáveis e afrontadores 64 reais foram corrigidos para 71 reais! Pela primeira vez resolvi fazer algumas contas e ver o tamanho do buraco onde estava me metendo, a curiosidade falou mais alto. A lógica foi a seguinte: os 71 reais mensais equivalem a um total anual de 852 reais. O que significa que, todo ano, saio devendo já 852 reais ao banco sem ter usado ainda absolutamente nada de seus serviços. De certa forma, porém, isso deveria ser compensado com o retorno de minhas aplicações, afinal, um dos principais motivos dos bancos é permitir que acumulemos patrimônio, certo? Bem, sigamos com as contas e vejamos.
Levando-se em consideração que os melhores fundos de renda fixa de perfil conservador desses bancos (normalmente disponíveis apenas para os grandes investidores) rendem em torno de 90% do CDI (cerca de 12,70% ao ano) e a inflação gira atualmente em torno de 10% ao ano, a diferença entre essas taxas (descontando-se o imposto de renda que incide sobre o fundo) deveria compensar meu gasto com as tarifas, de modo que, no final do ano, eu tivesse ganhado algum poder de compra. Fazendo cálculos simples, e considerando a menor alíquota de IR de 15%, chegamos à conclusão de que somente a partir de 105.000 reais aplicados no banco eu conseguiria terminar o ano com algo a mais do que comecei, em valores reais. Abaixo disso, valeria mais a pena ter meu dinheiro no bom e velho colchão! Como boa parte dos correntistas dos bancos tem valores aplicados abaixo de 105.000 reais, estão, na verdade, juntando para perder dinheiro. Não é incrível?
O problema é que quem deveria regular esse mercado, a saber o governo e os órgãos reguladores do sistema financeiro, vive um enorme conflito de interesses. Quanto maior o lucro dos bancos, maior a receita de impostos, que é já monumental devido às altas alíquotas cobradas ao setor. A solução seria forçar uma cobrança menor de tarifas e juros, e proibir os produtos vendidos como aplicações financeiras mas que, na verdade, são verdadeiros caça-níqueis dos clientes (plocs e plics da vida). E, eventualmente, até diminuir as alíquotas de impostos dessas instituições. Só que isso transferiria a renda que vai para o governo diretamente para o bolso dos poupadores, algo que soa como palavrão ao Erário. Depois falam que o brasileiro não poupa… Não poupa porque é inteligente, afinal, nesse cenário, vale muito mais a pena gastar do que poupar.
Uma maior regulação, mirando um ambiente mais favorável aos investidores e aos poupadores é necessário e urgente. Cortar o ganho dos bancos não na última linha, por meio de mais impostos. Mas nas primeiras, com menores cobranças. Os últimos anos têm mostrado que o cidadão comum sabe gastar bem melhor o dinheiro do que o governo.