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Os 4 trabalhos de Xi JinPing

Desde Mao Tsé-Tung, nenhum líder chinês concentrou tanto poder quanto Xi detém hoje

Xi Jinping o também secretário geral do Partido Comunista Chinês ocupa a presidência da China desde 2013. (Naohiko Hatta/Pool/Reuters)
Xi Jinping o também secretário geral do Partido Comunista Chinês ocupa a presidência da China desde 2013. (Naohiko Hatta/Pool/Reuters)
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Diogo Castro e Silva

Publicado em 4 de fevereiro de 2020 às, 15h31.

Primeiro de Outubro de 2019. De túnica cinzenta igual à de Mao e exatamente do mesmo lugar que setenta anos antes, Mao tinha comemorado a marcha vitoriosa da revolução chinesa, XiJinPing não podia deixar de se sentir no apogeu. Rejeitado dez vezes na sua adesão ao Partido, tendo derrotado toda a oposição interna inclusive o delfim favorito para muitos, o carismático Bo Xilai, nenhum líder desde Mao tinha acumulado tanto poder.

O impressionante desfile de milhares de soldados e o de que mais avançado tem o exército chinês 180 anos depois do eclodir da primeira guerra do ópio representava o fim do longo período que todos os chineses aprendem na escola como o século da humilhação. Ilustrando a imensa evolução econômica dos últimos 70 anos, de terceiro mundo ao pináculo da economia mundial, bicicletas encheram a praça Tiananmen. Simultaneamente, invisível para todos , a pouco mais de 1100 km a sul, na cidade de Wuhan, o coronavírus começava a sua caminhada para a notoriedade.

2020 se inicia pois sob um signo de uma epidemia que terá consequências políticas, econômicas e geopolíticas. Para XiJinping, o coronavírus representa obviamente um problema imediato mas igualmente encapsula um conjunto de desafios a médio prazo de grande complexidade:

  • Meritocracia vs conformidade

Na resposta à epidemia do Coronavírus ficaram evidentes todas as qualidades e defeitos actuais da política pública chinesa. A lentidão inicial no reconhecimento da doença teve tudo a ver com as dificuldades de hoje em dia as “más notícias “ circularem no sistema dado, entre outros fatores, a sua crescente centralização. Ao contrário do que muitos pensam, a grande qualidade da política pública chinesa no pós Mao não tem a ver com o debate democracia/ ditadura muito usado no Ocidente, mas com a extrema meritocracia do aparelho de estado Chinês. Esta meritocracia assegurou que a todos os níveis do Governo, os mais competentes eram selecionados e mesmo formas de escolha democrática foram implementados a níveis locais de Governo. Ao contrário também do que muitos pensam, a população chinesa tem uma grande tradição de protesto contra incompetência administrativa a nível local e é hoje, à semelhança de tantos outros países, muito mais exigente sobre a política pública em áreas como saúde, educação, corrupção e ambiente entre outras. Como continuar a manter esta meritocracia quando a conformidade política parece ter ganho em importância é o grande desafio, não só no debelar da crise do coronavírus mas no que for o juízo da população sobre as responsabilidades da mesma.

  • Cavalgando o Tigre

Os dois grandes pilares da legitimidade do regime na China nos últimos 40 anos foram a capacidade de entregar crescimento e prosperidade à população e, em particular, depois de 1989, uma visão nacionalista da China. O primeiro fator dissociou a sobrevivência do Partido Comunista Chinês do destino do seu congênere da URSS. E o segundo, foi tão bem conseguido que a geração educada no pós 1989 é hoje mais nacionalista que a sua antecessora e não olha para os seus compatriotas que fizeram a revolta de Tiananmen com admiração . Enterrar o século de humilhação iniciado com a primeira Guerra do Ópio e unificar a China, incorporando Tibete, HongKong, Macau e, sobretudo Taiwan, são os grandes elementos desta agenda. E o maior desafio criado pelos protestos na ex-colônia inglesa tem a ver exatamente com o futuro político de Taiwan. Eles reforçaram na população de Taiwan um sentimento de identidade própria e de independência. Usar o nacionalismo em política é muitas vezes comparado a cavalgar um Tigre. Muita habilidade política será necessária, pois, para gerir o dossiê de Taiwan, preservando a face e domando o Tigre e ao mesmo tempo não criando uma crise internacional de grandes proporções.

  • O dilema da economia

Os efeitos da epidemia poderão ser substanciais na economia chinesa. Mas mesmo antes da atual crise de saúde pública, existiam muitos sinais do que o “patim” da política não estava sincronizado com o “patim” da economia. Muito dos desafios hoje da economia chinesa resultam na dificuldade de alocar capital de acordo com sinais de mercado. Apesar do setor privado ser o grande motor da economia, ele sente dificuldades, por exemplo, na obtenção de crédito que privilegia quer o setor estatal quer projetos de infraestrutura. E isto apesar dos apelos de muitos dirigentes ao aumento do crédito para o setor privado. Aqui uma vez mais, a centralização política favorece naturalmente as estruturas do próprio Estado em detrimento do mercado. Aqui o conflito é em tudo semelhante ao Japão do final dos anos 80 com a diferença que neste último país os problemas de alocação de crédito eram entre os grandes conglomerados financeiros e industriais, os Keiretsu, que dominavam a política e a economia japonesa desde o final da II Guerra Mundial e o restante do setor privado do país. E o Japão até hoje vive na “ressaca” desse conflito.

  • A nova Geopolítica

Falar que quando o XiJinPing assumiu o poder em 2012, o mundo era outro é um total eufemismo. Mas talvez a maior diferença era que eram os Estados Unidos na altura os defensores do status quo do regime de relações internacionais e a China a potência rebelde. No encontro de Davos de 2017, estranhamente os papéis se tinham paradoxalmente invertido. Em alguma medida, o sucesso econômico da China foi o maior “cartão-postal “ da ordem internacional do pós Guerra. A China tornou-se a âncora das cadeias mundiais de fornecimento e o dinamismo econômico resultante trouxe de volta ao país muitos dos engenheiros Chineses que tinham contribuído para o enorme desenvolvimento do Vale do Silício. Livre circulação de ideias e de comércio criaram pois as bases não só da prosperidade econômica como do desenvolvimento tecnológico do país. Com o tempo tornou a liderança chinesa mais confiante em ser mais assertiva em termos militares, contrariando o mandamento de Deng que advogava que a China devia esconder a sua força e esperar o seu tempo. A eleição de Trump transformou os Estados Unidos não no defensor do status quo mas num ator procurando a mudança do mesmo. Igualmente a percepção sobre a China mudou na política americana sendo difícil encontrar hoje algum candidato à presidência nos dois partidos que defenda uma aproximação entre os dois países. A atual situação cria, pois, vários dilemas geopolíticos ao país. Ajudar a preservar ou não o sistema internacional do pós Guerra. Como continuar a globalização das suas empresas num contexto político mais hostil. Abraçar ou não a “Guerra Fria” tecnológica são apenas alguns deles.