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A terceira era da nova China, a era Xi

Após o totalitarismo de Mao e a abertura pós-Deng, Xi consolida uma fase de mais poder e menos abertura. Japão e Coreia seguiram caminhos diferentes

Xi Jinping: um inédito terceiro mandato. (Kevin Frayer/Getty Images)
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Da Redação

Publicado em 23 de outubro de 2022 às 14h32.

Nos mais de 70 anos de poder do Partido Comunista na China, o regime chinês passou por várias fases. De 1949 até 1976, onde da vitória na Guerra Civil se passou ao totalitarismo sob a égide de Mao. Com a morte deste último, tivemos o período de abertura ao mundo e liberalização política e econômica conduzido debaixo das reformas de Deng Xiaoping. Esta fase é agora definitivamente encerrada com o Congresso do Partido Comunista Chinês deste mês que elege Xi Jinping para um inédito terceiro mandato, um líder que eliminou nos últimos dez anos todos os obstáculos à concentração de poder nas suas mãos.

A direção que a China vai agora tomar terá um profundo impacto sobre todo o globo, da geopolítica à economia passando por todos os principais desafios globais e a natureza da própria arquitetura econômica e de segurança global.

Já herdeiro escolhido do então Presidente Hu Jintao, Xi Jinping foi apresentado ao grande público chinês e ao mundo em 2008 enquanto organizador da cerimónia de abertura dos Jogos Olímpicos de Verão. Jovem, de pedigree familiar que remonta à grande marcha de 1934 e com uma carreira ascendente no Partido durante décadas, Xi Jinping era visto por todas as principais fações favoravelmente.

Os nacionalistas e militares conheciam Xi Jinping desde o final dos anos 70 e início dos anos 80 do século passado quando ele exerceu funções na Comissão Central Militar. O Partido via nele um quadro de solidez ideológica acima de qualquer suspeita e sem mancha de corrupção, sentimento compartilhado pelos esquerda mais maoísta do Partido. E por último os liberais viam nele uma esperança de reformas liberais dado o passado de perseguição do pai durante a Revolução Cultural. Quando em 2012, Xi Jinping finalmente assume o poder, ele era a resposta para tudo de todos.

O Partido, sempre consciente das ameaças à sua primazia na sociedade chinesa, vivia também na altura um momento de profunda preocupação com os efeitos corrosivos da corrupção na sua legitimidade e com as ameaças populistas que colocassem de lado o Partido e apelassem à diretamente à população como foi o caso de Bo Xilai, grande rival político de Xi Jinping, que terminou preso em 2013.

Igualmente em 2008, pouco depois dos Jogos Olímpicos de Beijing, a economia mundial entrava em colapso com a crise financeira que começou nos EUA em setembro desse se espalhando pelo globo. Para a elite Chinesa este foi um evento mais do que tectónico. Foi profético.

Dentro da dialética marxista onde o confronto com o Ocidente capitalista é inevitável, a crise financeira de 2008 era a prova que a decadência do Ocidente era irreversível e o tempo corria agora a favor da ascensão da China à primazia mundial. A fila de países ocidentais, inclusive os EUA, chegando a Beijing de “chapéu na mão” nos anos a seguir à crise de 2008 apenas reforçou essa conclusão. O tempo da China era agora.

O início do mandato de Xi Jinping em 2012, chegou, pois, sob o signo da insegurança interna e do ufanismo externo. Para Xi Jinping esta dualidade foi o caminho para a consolidação do poder. Se nos anos 60, a grande arma de consolidação do poder de Mao foi a Revolução Cultural, agora a luta contra a corrupção dentro do partido seria a arma para a concentração de poder nas mãos de Xi Jinping. Mesma lógica populista com a vantagem de ser muito mais “limpa” na sua execução ao não precisar do caos de violência que tanto tinha chocado na altura o jovem Xi Jinping.

O “às de trunfo” dessa agenda é que ela era extremamente popular e permitia a Xi Jinping usar tal fato contra quem pudesse resistir a ele no Partido, a mesma estratégia, afinal, que tinha levado o agora preso Bo Xilai a ser a figura política chinesa com maior popularidade junto da população. O fenômeno da corrupção tinha levado a inúmeros protestos nos anos que antecederam a elevação ao poder de Xi Jinping. Em grande medida, essa corrupção vinha de redes políticas e económicas regionais, onde o público e o privado se misturavam numa troca de favores benéfica para todos os atores, sendo a mais proeminente e poderosa a de Shanghai liderada pelo ex-Presidente Jiang Zemin.

A prática de presentes suntuosos beneficiando líderes era a face visível do “iceberg” bem como a ostentação de luxo em diferentes capitais regionais pelos seus líderes políticos e empresariais. À medida que as investigações de corrupção sobre agentes públicos avançavam a todo o vapor, com a prisão, execução e afastamento de vários líderes políticos, o próximo alvo estava sendo preparado. A outra metade da dança de corrupção. O setor privado.

Aqui Xi Jinping se aliou firmemente à esquerda neo-maoísta do Partido. As suas próprias convicções ideológicas, Xi Jinping é um verdadeiro crente, conjugado com a sua desconfiança, e do Partido, de todos os centros de poder alternativos tornava os grandes grupos econômicos privados alvos evidentes, num exercício de submissão cuja vítima mais proeminente foi Jack Ma, fundador da gigante Alibaba.

Este movimento que começou em 2016/2017, primeiro amputou a expansão internacional de muitos destes grupos e depois tornou muitos deles totalmente dependentes do Estado, dizimando a sua vitalidade empresarial. A Tencent, por exemplo, considerada por muitos o Meta da China, tem hoje uma capitalização em bolsa inferior à empresa líder de bebidas alcoólicas na China, numa virada de proporções históricas.

Se a insegurança interna levou Xi Jinping a se aliar à esquerda mais ideológica do Partido, o ufanismo externo conduziu-o a se aliar aos neoconservadores chineses e ao aparelho militar. Agressividade diplomática passou a ser a norma bem como uma muito maior urgência em lidar com questões que fossem vistas como uma ameaça à unidade do país como Hong Kong e o Xinjiang. E logicamente Taiwan.

A postura diplomática de confronto acabou mesmo por fazer submergir agendas mais positivas como o “Belt and Road” e os BRICS, como fica evidente, sobre estes últimos, no tratamento dado aos problemas fronteiriços com a Índia. Sem falar, no enorme investimento nos últimos dez anos na capacidade militar chinesa.

Xi Jinping chega pois a 2022, no pináculo do seu poder e sem rivais de monta, mas mais isolado quer domesticamente quer internacionalmente. A nível doméstico ele virou o “dono de tudo” e não espanta por isso a diminuição da qualidade da política pública chinesa cujo aspecto mais proeminente é a política de COVID zero. Num regime cada vez mais personalista, qualquer decisão emana do líder e mudanças de curso são vistas como perda de face e humilhantes. E por isso não mudam por muito erradas que estejam.

Para além disso, o modelo económico dos últimos 40 anos apresenta sinais de esgotamento que são estruturais e que impõem pela primeira vez escolhas difíceis e mutualmente exclusivas aos decisores econômicos chineses. Foi precisamente neste estágio que outros regimes autoritários na Ásia abraçaram uma maior democracia nos seus regimes, como foi o caso da Coreia do Sul ou no caso do Japão, uma mudança na natureza da sua democracia com uma verdadeira alternância do poder muito mais estabelecida. A arbitragem de diferentes grupos de interesse com agendas conflitantes ela é sempre complexa, mas mais fácil de fazer em democracia do que numa ditadura, especialmente uma de natureza crescentemente personalista.

O cenário internacional também se afigura crescentemente hostil sobretudo nas relações da China com os EUA, mas também com a Europa e com outros países da Ásia. O apoio dado à Rússia na guerra contra a Ucrânia cobra um preço elevado, mas também a postura crescentemente bélica face a Taiwan. Se durante décadas, a aposta da liderança chinesa era numa agenda de persuasão face à questão de Taiwan essa agenda hoje é uma de coação.

O abandono da liberalização interna do regime chinês e a repressão em Hong Kong tornaram os aliados em Taiwan que defendiam a unificação inviáveis politicamente. Igualmente posições defendendo diálogo e abertura com a China se tornaram crescentemente mais raras no Ocidente, como fica claro nas recentes medidas sobre semicondutores da Administração Biden, mas também em países tradicionalmente defensores das relações com a China como a Alemanha.

Durante 40 anos, a China foi a filha pródiga da globalização e o seu sucesso econômico o maior cartaz sobre uma era sem precedentes de expansão do comércio mundial e das relações de investimento entre diferentes países. Muitos à volta do mundo apostavam que essa era levaria a uma crescente abertura da economia e da política Chinesa. A deriva autoritária e personalista do regime chinês, encapsulada na eleição de Xi Jinping a líder “eterno” da China este ano, deitou por terra esta visão e o que a substitui é uma agenda de crescente rivalidade e de ação/reação entre as grandes potências.

Evitar que esta rivalidade se transforme em confronto direto virou bem mais difícil embora os custos econômicos sejam evidentes. O problema é que os incentivos políticos de parte a parte parecem indicar outra direção. Mas, no final, muito do futuro depende de quais decisões e escolhas Xi Jinping irá tomar.

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A direção que a China vai agora tomar terá um profundo impacto sobre todo o globo, da geopolítica à economia passando por todos os principais desafios globais e a natureza da própria arquitetura econômica e de segurança global.

Já herdeiro escolhido do então Presidente Hu Jintao, Xi Jinping foi apresentado ao grande público chinês e ao mundo em 2008 enquanto organizador da cerimónia de abertura dos Jogos Olímpicos de Verão. Jovem, de pedigree familiar que remonta à grande marcha de 1934 e com uma carreira ascendente no Partido durante décadas, Xi Jinping era visto por todas as principais fações favoravelmente.

Os nacionalistas e militares conheciam Xi Jinping desde o final dos anos 70 e início dos anos 80 do século passado quando ele exerceu funções na Comissão Central Militar. O Partido via nele um quadro de solidez ideológica acima de qualquer suspeita e sem mancha de corrupção, sentimento compartilhado pelos esquerda mais maoísta do Partido. E por último os liberais viam nele uma esperança de reformas liberais dado o passado de perseguição do pai durante a Revolução Cultural. Quando em 2012, Xi Jinping finalmente assume o poder, ele era a resposta para tudo de todos.

O Partido, sempre consciente das ameaças à sua primazia na sociedade chinesa, vivia também na altura um momento de profunda preocupação com os efeitos corrosivos da corrupção na sua legitimidade e com as ameaças populistas que colocassem de lado o Partido e apelassem à diretamente à população como foi o caso de Bo Xilai, grande rival político de Xi Jinping, que terminou preso em 2013.

Igualmente em 2008, pouco depois dos Jogos Olímpicos de Beijing, a economia mundial entrava em colapso com a crise financeira que começou nos EUA em setembro desse se espalhando pelo globo. Para a elite Chinesa este foi um evento mais do que tectónico. Foi profético.

Dentro da dialética marxista onde o confronto com o Ocidente capitalista é inevitável, a crise financeira de 2008 era a prova que a decadência do Ocidente era irreversível e o tempo corria agora a favor da ascensão da China à primazia mundial. A fila de países ocidentais, inclusive os EUA, chegando a Beijing de “chapéu na mão” nos anos a seguir à crise de 2008 apenas reforçou essa conclusão. O tempo da China era agora.

O início do mandato de Xi Jinping em 2012, chegou, pois, sob o signo da insegurança interna e do ufanismo externo. Para Xi Jinping esta dualidade foi o caminho para a consolidação do poder. Se nos anos 60, a grande arma de consolidação do poder de Mao foi a Revolução Cultural, agora a luta contra a corrupção dentro do partido seria a arma para a concentração de poder nas mãos de Xi Jinping. Mesma lógica populista com a vantagem de ser muito mais “limpa” na sua execução ao não precisar do caos de violência que tanto tinha chocado na altura o jovem Xi Jinping.

O “às de trunfo” dessa agenda é que ela era extremamente popular e permitia a Xi Jinping usar tal fato contra quem pudesse resistir a ele no Partido, a mesma estratégia, afinal, que tinha levado o agora preso Bo Xilai a ser a figura política chinesa com maior popularidade junto da população. O fenômeno da corrupção tinha levado a inúmeros protestos nos anos que antecederam a elevação ao poder de Xi Jinping. Em grande medida, essa corrupção vinha de redes políticas e económicas regionais, onde o público e o privado se misturavam numa troca de favores benéfica para todos os atores, sendo a mais proeminente e poderosa a de Shanghai liderada pelo ex-Presidente Jiang Zemin.

A prática de presentes suntuosos beneficiando líderes era a face visível do “iceberg” bem como a ostentação de luxo em diferentes capitais regionais pelos seus líderes políticos e empresariais. À medida que as investigações de corrupção sobre agentes públicos avançavam a todo o vapor, com a prisão, execução e afastamento de vários líderes políticos, o próximo alvo estava sendo preparado. A outra metade da dança de corrupção. O setor privado.

Aqui Xi Jinping se aliou firmemente à esquerda neo-maoísta do Partido. As suas próprias convicções ideológicas, Xi Jinping é um verdadeiro crente, conjugado com a sua desconfiança, e do Partido, de todos os centros de poder alternativos tornava os grandes grupos econômicos privados alvos evidentes, num exercício de submissão cuja vítima mais proeminente foi Jack Ma, fundador da gigante Alibaba.

Este movimento que começou em 2016/2017, primeiro amputou a expansão internacional de muitos destes grupos e depois tornou muitos deles totalmente dependentes do Estado, dizimando a sua vitalidade empresarial. A Tencent, por exemplo, considerada por muitos o Meta da China, tem hoje uma capitalização em bolsa inferior à empresa líder de bebidas alcoólicas na China, numa virada de proporções históricas.

Se a insegurança interna levou Xi Jinping a se aliar à esquerda mais ideológica do Partido, o ufanismo externo conduziu-o a se aliar aos neoconservadores chineses e ao aparelho militar. Agressividade diplomática passou a ser a norma bem como uma muito maior urgência em lidar com questões que fossem vistas como uma ameaça à unidade do país como Hong Kong e o Xinjiang. E logicamente Taiwan.

A postura diplomática de confronto acabou mesmo por fazer submergir agendas mais positivas como o “Belt and Road” e os BRICS, como fica evidente, sobre estes últimos, no tratamento dado aos problemas fronteiriços com a Índia. Sem falar, no enorme investimento nos últimos dez anos na capacidade militar chinesa.

Xi Jinping chega pois a 2022, no pináculo do seu poder e sem rivais de monta, mas mais isolado quer domesticamente quer internacionalmente. A nível doméstico ele virou o “dono de tudo” e não espanta por isso a diminuição da qualidade da política pública chinesa cujo aspecto mais proeminente é a política de COVID zero. Num regime cada vez mais personalista, qualquer decisão emana do líder e mudanças de curso são vistas como perda de face e humilhantes. E por isso não mudam por muito erradas que estejam.

Para além disso, o modelo económico dos últimos 40 anos apresenta sinais de esgotamento que são estruturais e que impõem pela primeira vez escolhas difíceis e mutualmente exclusivas aos decisores econômicos chineses. Foi precisamente neste estágio que outros regimes autoritários na Ásia abraçaram uma maior democracia nos seus regimes, como foi o caso da Coreia do Sul ou no caso do Japão, uma mudança na natureza da sua democracia com uma verdadeira alternância do poder muito mais estabelecida. A arbitragem de diferentes grupos de interesse com agendas conflitantes ela é sempre complexa, mas mais fácil de fazer em democracia do que numa ditadura, especialmente uma de natureza crescentemente personalista.

O cenário internacional também se afigura crescentemente hostil sobretudo nas relações da China com os EUA, mas também com a Europa e com outros países da Ásia. O apoio dado à Rússia na guerra contra a Ucrânia cobra um preço elevado, mas também a postura crescentemente bélica face a Taiwan. Se durante décadas, a aposta da liderança chinesa era numa agenda de persuasão face à questão de Taiwan essa agenda hoje é uma de coação.

O abandono da liberalização interna do regime chinês e a repressão em Hong Kong tornaram os aliados em Taiwan que defendiam a unificação inviáveis politicamente. Igualmente posições defendendo diálogo e abertura com a China se tornaram crescentemente mais raras no Ocidente, como fica claro nas recentes medidas sobre semicondutores da Administração Biden, mas também em países tradicionalmente defensores das relações com a China como a Alemanha.

Durante 40 anos, a China foi a filha pródiga da globalização e o seu sucesso econômico o maior cartaz sobre uma era sem precedentes de expansão do comércio mundial e das relações de investimento entre diferentes países. Muitos à volta do mundo apostavam que essa era levaria a uma crescente abertura da economia e da política Chinesa. A deriva autoritária e personalista do regime chinês, encapsulada na eleição de Xi Jinping a líder “eterno” da China este ano, deitou por terra esta visão e o que a substitui é uma agenda de crescente rivalidade e de ação/reação entre as grandes potências.

Evitar que esta rivalidade se transforme em confronto direto virou bem mais difícil embora os custos econômicos sejam evidentes. O problema é que os incentivos políticos de parte a parte parecem indicar outra direção. Mas, no final, muito do futuro depende de quais decisões e escolhas Xi Jinping irá tomar.

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