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Liderança em tempos interessantes

O tempo e a falsa escolha entre as contradições do ativismo raso e a paralisia negligente

Compreender, implica em reconhecer, conscientemente, o referencial de valores e significados por meio do qual atribuímos sentido aos acontecimentos e ao mundo (nadia_bormotova/Getty Images)
MF

Marina Filippe

Publicado em 20 de abril de 2022 às 14h02.

Eu não sei se viver em tempos interessantes é uma benção ou uma maldição. Talvez a expressão “tempos interessantes” seja apenas um eufemismo para o caos em que estamos inseridos e que precisamos, de alguma forma, interpretar, a fim de agir. Era turbulenta, acelerada, em que não há espaço para compreender antes da agir.

Compreender, implica em reconhecer, conscientemente, o referencial de valores e significados por meio do qual atribuímos sentido aos acontecimentos e ao mundo. Nem isso temos instante algum para fazer e, aos poucos, parece que fomos perdendo o hábito de tentar. Aprendemos a reagir instantaneamente ao ritmo das batalhas de cancelamento travadas nas plataformas digitais. Acabamos nos descobrindo instalados em inquisições reputacionais, em que as identidades dos acusadores se dissipam em meio à multidão, enquanto as dos acusados são expostas exaustivamente.

Quais são as alternativas possíveis? Como exercer a liderança engajada sem ceder à falsa dicotomia entre, de um lado, o raso e paradoxal ativismo de manada e seus slogans mal compreendidos e mal aplicados e, de outro, à negação paralisante e negligente dos desafios da atualidade?

Talvez precisemos repensar a natureza e o exercício mesmo do comando e emprego do tempo buscando a integração de habilidades mais afinadas ao nosso momento histórico.

Orquestração, não coerção. Comecemos pela própria compreensão do poder. Não se trata mais de “domínio e controle”. Simplesmente porque não é possível, para nenhum líder em particular, controlar todos os fatores de risco, ou ruídos, sem se perder em um labirinto de desconfiança, medo e agressão. As soluções de desafios existenciais como os que enfrentamos requer, necessariamente, a nossa capacidade de colaborar. Para isso, precisamos estar preparados para construir pontes de diálogo e confiança. Sermos capazes de concordar, minimamente, que a dinâmica da autoridade e o exercício de poder são teias inextrincáveis de pessoas permeadas por virtudes e vícios, intenções e ambições, verdades e ilusões a partir das quais só conseguimos avançar coletivamente. Neste sentido, precisamos não só de mais representatividade nos espaços de poder – diversidade – porém, de mais tolerância nas dinâmicas de comando, de forma a incorporar perspectivas múltiplas – pluralidade.

Mais sintonia, menos cacofonia. A sintonia pressupõe escuta. A escuta pressupõe pausas e habilita o diálogo. Na música, assim como nos relacionamentos, ouvir com atenção nos permite aferir a correspondência entre os sons que emitimos e a canção que queremos produzir. Não existe percepção compreensiva, sem pausa entre os sons, sem silêncio atencioso permeado por trocas. As trocas enriquecedoras incluem questionamento aberto, discordância respeitosa e construção coletiva.

Nem sempre a exposição ao diferente, ao diverso, habilita a troca e a tolerância. São muitos os exemplos do efeito contrário. Cito apenas um caso emblemático e recente. Em jogo do campeonato capixaba, o técnico Rafael Soriano, do Desportiva Ferroviária, agrediu a assistente de arbitragem Marcielly Netto no intervalo da partida contra o Nova Venécia. Mesmo com a agressão filmada, o autor da cabeçada ainda ameaçou processar a agredida, o que nos lembra que diversidade e inclusão não andam necessariamente juntas. Queremos mais mulheres em espaços tradicionalmente restritos aos homens. Mas a presença delas em espaços de poder precisa vir acompanhada do reconhecimento e valorização da liderança feminina e suas competências características.

Da ‘boca para fora’, do ‘coração para dentro’. Não é nada surpreendente o fato de que em mudanças sistêmicas, a má aplicação de boas ideias seja tão recorrente. Muitas vezes, queremos mudar o mundo sem incluir na jornada a perspectiva, os interesses e as vozes das pessoas que terão que habitar o novo mundo criado à imagem dos nossos sonhos (e ilusões). Em outras palavras, como aprendi com uma mulher sábia: “nada sobre nós, sem nós”. Se o nosso ativismo se resume à repetição de slogans e dogmas para doutrinação dos outros, é bem provável que o resultado seja uma coleção de hipocrisias e paradoxos que só servirão para desacreditar o que poderia ter sido um ótimo ponto de partida.

Precisamos ter tempo para fazer o que nos propomos a fazer. Se vale ser feito, vale a pena dedicar tempo para fazer bem feito, coletiva e refletidamente.  Reflexão, escuta ativa e coerência são práticas que se constroem ao longo do tempo, acolhendo pausas e integrando perspectivas. Como dizia um amigo: “vamos devagar, porque temos pressa”.

 

 

 

 

 

 

 

Eu não sei se viver em tempos interessantes é uma benção ou uma maldição. Talvez a expressão “tempos interessantes” seja apenas um eufemismo para o caos em que estamos inseridos e que precisamos, de alguma forma, interpretar, a fim de agir. Era turbulenta, acelerada, em que não há espaço para compreender antes da agir.

Compreender, implica em reconhecer, conscientemente, o referencial de valores e significados por meio do qual atribuímos sentido aos acontecimentos e ao mundo. Nem isso temos instante algum para fazer e, aos poucos, parece que fomos perdendo o hábito de tentar. Aprendemos a reagir instantaneamente ao ritmo das batalhas de cancelamento travadas nas plataformas digitais. Acabamos nos descobrindo instalados em inquisições reputacionais, em que as identidades dos acusadores se dissipam em meio à multidão, enquanto as dos acusados são expostas exaustivamente.

Quais são as alternativas possíveis? Como exercer a liderança engajada sem ceder à falsa dicotomia entre, de um lado, o raso e paradoxal ativismo de manada e seus slogans mal compreendidos e mal aplicados e, de outro, à negação paralisante e negligente dos desafios da atualidade?

Talvez precisemos repensar a natureza e o exercício mesmo do comando e emprego do tempo buscando a integração de habilidades mais afinadas ao nosso momento histórico.

Orquestração, não coerção. Comecemos pela própria compreensão do poder. Não se trata mais de “domínio e controle”. Simplesmente porque não é possível, para nenhum líder em particular, controlar todos os fatores de risco, ou ruídos, sem se perder em um labirinto de desconfiança, medo e agressão. As soluções de desafios existenciais como os que enfrentamos requer, necessariamente, a nossa capacidade de colaborar. Para isso, precisamos estar preparados para construir pontes de diálogo e confiança. Sermos capazes de concordar, minimamente, que a dinâmica da autoridade e o exercício de poder são teias inextrincáveis de pessoas permeadas por virtudes e vícios, intenções e ambições, verdades e ilusões a partir das quais só conseguimos avançar coletivamente. Neste sentido, precisamos não só de mais representatividade nos espaços de poder – diversidade – porém, de mais tolerância nas dinâmicas de comando, de forma a incorporar perspectivas múltiplas – pluralidade.

Mais sintonia, menos cacofonia. A sintonia pressupõe escuta. A escuta pressupõe pausas e habilita o diálogo. Na música, assim como nos relacionamentos, ouvir com atenção nos permite aferir a correspondência entre os sons que emitimos e a canção que queremos produzir. Não existe percepção compreensiva, sem pausa entre os sons, sem silêncio atencioso permeado por trocas. As trocas enriquecedoras incluem questionamento aberto, discordância respeitosa e construção coletiva.

Nem sempre a exposição ao diferente, ao diverso, habilita a troca e a tolerância. São muitos os exemplos do efeito contrário. Cito apenas um caso emblemático e recente. Em jogo do campeonato capixaba, o técnico Rafael Soriano, do Desportiva Ferroviária, agrediu a assistente de arbitragem Marcielly Netto no intervalo da partida contra o Nova Venécia. Mesmo com a agressão filmada, o autor da cabeçada ainda ameaçou processar a agredida, o que nos lembra que diversidade e inclusão não andam necessariamente juntas. Queremos mais mulheres em espaços tradicionalmente restritos aos homens. Mas a presença delas em espaços de poder precisa vir acompanhada do reconhecimento e valorização da liderança feminina e suas competências características.

Da ‘boca para fora’, do ‘coração para dentro’. Não é nada surpreendente o fato de que em mudanças sistêmicas, a má aplicação de boas ideias seja tão recorrente. Muitas vezes, queremos mudar o mundo sem incluir na jornada a perspectiva, os interesses e as vozes das pessoas que terão que habitar o novo mundo criado à imagem dos nossos sonhos (e ilusões). Em outras palavras, como aprendi com uma mulher sábia: “nada sobre nós, sem nós”. Se o nosso ativismo se resume à repetição de slogans e dogmas para doutrinação dos outros, é bem provável que o resultado seja uma coleção de hipocrisias e paradoxos que só servirão para desacreditar o que poderia ter sido um ótimo ponto de partida.

Precisamos ter tempo para fazer o que nos propomos a fazer. Se vale ser feito, vale a pena dedicar tempo para fazer bem feito, coletiva e refletidamente.  Reflexão, escuta ativa e coerência são práticas que se constroem ao longo do tempo, acolhendo pausas e integrando perspectivas. Como dizia um amigo: “vamos devagar, porque temos pressa”.

 

 

 

 

 

 

 

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