Metaverso na educação: o virtual em contraste com o real
Nova realidade apresenta potencial para tornar a aprendizagem mais interessante aos estudantes
Publicado em 22 de março de 2022 às, 16h48.
Por Luciana Allan*
Dizer que é preciso inovar para crescer e se manter no mercado já virou lugar comum no universo corporativo. Nenhum setor escapa. A pandemia acelerou essa máxima também na educação. A tecnologia, antes encarada como meio de manter estudantes interessados no conteúdo das aulas, tornou-se essencial para garantir o mínimo das atividades escolares.
Hoje, o termo mais quente na frente dos avanços tecnológicos é o metaverso, que aparece como uma ferramenta muito atraente para educação. Ao estreitar a relação físico-digital e aprimorar a experiência do usuário, criando ambientes imersivos e interativos, essa nova realidade apresenta potencial para tornar a aprendizagem mais interessante aos estudantes.
A ideia por trás do metaverso não é recente, apesar do termo ter ganhado visibilidade no ano passado, quando Mark Zuckerberg anunciou a mudança de nome do Facebook para Meta e, em carta aberta, dizer que o metaverso será uma evolução da Internet em que o usuário deixará de estar diante da experiência para vivê-la.
No entanto, há 30 anos, Neal Stephenson cunhou a expressão metaverso em seu livro Snow Crash para contar a história de uma personagem que vive entre dois mundos - o real e o virtual.
O conceito também já foi citado por Bill Gates e, antes dele, vinha sendo utilizado há algum tempo no universo dos games. Ao propor uma forma imersiva e interativa de jogar virtualmente usando o próprio avatar, jogos dessa natureza conquistaram crianças, jovens e até adultos.
Se esse ambiente atrai nosso "público”, por que não inserir o metaverso na educação para tornar os elementos do aprendizado mais tangíveis?
Imagine aprender história e ir parar virtualmente na Grécia do século XVIII a.C, enxergando tudo sob o seu próprio ângulo de visão? Ou ainda presenciar um fenômeno da natureza in loco por meio de uma simulação em 3D?
No metaverso a máxima é “Seja tudo o que você puder ser no mundo real. Seja tudo o que você puder imaginar no mundo virtual”.
O metaverso irá abrir um mundo de possibilidades na educação, uma forma de aprender bem mais envolvente e divertida. O nível da gamificação será multiplicado várias vezes com os recursos da Realidade Virtual e Realidade Aumentada. O estudante, cada vez mais, deixará de ser um espectador e se tornará "agente" ativo e participativo em um processo de ensino-aprendizagem envolvendo ambientes virtuais.
Certamente o metaverso atende no quesito atração, diversão e aprendizagem. O grande desafio é: como transportar essa realidade híbrida (o phygital) para educação brasileira? E quais as reais possibilidades disso acontecer diante da precariedade tecnológica existente no cenário nacional?
O metaverso e a realidade brasileira
Passados dois anos de pandemia, o acesso às tecnologias digitais e às iniciativas de inovação na educação ainda são incipientes.
É fato que o metaverso pode vir a colaborar para oferta de uma educação mais inclusiva e personalizada. Mas, como viabilizá-lo diante da falta de acesso a recursos tecnológicos por boa parte dos estudantes brasileiros? Como torná-lo realidade se ainda temos boa parte dos professores despreparados e que não foram capazes de minimamente virar a chave para o ensino remoto, promovendo estratégias de ensino que engajem os estudantes em momentos de aprendizagem significativa e que evitem a evasão escolar?
Uma pesquisa do Instituto DataFolha revelou que, devido ao isolamento decorrente da pandemia, hoje mais de 70% dos estudantes precisam de aulas de reforço de matemática e português. Além disso, no primeiro ano do fechamento das escolas no Brasil, 4 milhões de estudantes, com idades entre 6 e 34 anos, abandonaram os estudos.
Mesmo com a entrada em vigor da Lei nº 14.172, de 10 de junho de 2021, que deveria garantir acesso à internet a estudantes e professores da educação básica pública, uma avaliação dos programas de educação pública remota mostra que, entre os Estados brasileiros que adotaram o ensino remoto, apenas 15% distribuíram dispositivos aos estudantes e menos de 10% subsidiaram o acesso à internet.
Ao olhar para esse cenário, parece utopia falar em metaverso. Saímos do glamour apresentando pelo virtual para uma dura realidade encontrada no dia a dia da grande maioria das escolas brasileiras.
Os avanços gradativos da educação brasileira
No Brasil, atualmente não há um projeto de governo consolidado que garanta os investimentos adequados para a compra de ferramentas e equipamentos que possibilitem, facilitem ou ofereçam a implementação de tecnologias digitais no contexto escolar, muito menos de ferramentas mais sofisticadas como as necessárias para incluir o metaverso na educação.
As iniciativas são incipientes, mas existem. Para garantir mais recursos para educação básica brasileira, o Fundo Nacional de Desenvolvimento da Educação, graças à Emenda Constitucional nº 108, de 26 de agosto de 2020, receberá aumento gradativo até 2026 da participação da União, até o limite de 23%. Dentro da nova parcela da complementação federal, 15% devem ser destinados para investimentos em infraestrutura, melhoria de equipamentos e instalações.
Atrelado a este aspecto, para que tenhamos avanços mais expressivos, além de investimentos em infraestrutura tecnológica é necessário ter em sala de aula profissionais com as competências necessárias para utilizar estes recursos e promover as melhores estratégias de ensino.
São muitas as competências necessárias ao professor contemporâneo para criar ambientes de aprendizagem que atendam ao perfil dos estudantes, aos diferentes estilos de aprendizagem e as necessidades apontadas por eles para um futuro próximo, quando cada vez mais o virtual e o presencial irão convergir e trazer infinitas novas possibilidades para o mundo profissional.
Em 2020, um primeiro passo foi dado neste sentido com a instituição das Diretrizes Curriculares Nacionais para a Formação Continuada de Professores, documento homologado pelo Conselho Nacional de Educação e publicado no Diário Oficial da União como Resolução nº1, de 27 de outubro de 2020.
Com apoio do terceiro setor, para que os avanços propostos pela Resolução pudessem ocorrer, foi organizado o documento BNC Formação Continuada na Prática, um esforço conjunto do CONSED com a UNDIME em parceria com a Profissão Docente e apoio técnico da Fundação Carlos Chagas. O documento traz recomendações e cases que podem contribuir para o fortalecimento de políticas de formação continuada de professores das redes estaduais e municipais de ensino do País.
As diretrizes para formação continuada de professores é um avanço importante, visto que já traz um olhar mais abrangente para a formação deste profissional, descrevendo um rol de competências necessárias para o exercício da profissão. Organizado em 3 eixos - o conhecimento profissional, a prática profissional e o engajamento profissional - esse rol se traduz na necessidade deste profissional ter, além do conhecimento curricular, o conhecimento da dinâmica que faz parte do dia a dia do fazer pedagógico, bem como um olhar para a comunidade da qual este estudante faz parte e para seu próprio processo de desenvolvimento profissional.
Esta já é uma importante conquista, mas que em breve deverá ser revisada para contemplar as competências digitais docentes, seja para ensinar os estudantes a utilizar aparatos tecnológicos digitais ou para acessá-los como ferramentas em processos de ensino e aprendizagem.
A questão da tecnologia educacional é algo que já se discute há muito tempo. Há muitos países que, inclusive, têm um currículo focado neste aspecto para todo o sistema que envolve a Educação Básica e que em 2021 foi amplamente discutido no Brasil. Com o apoio de especialistas e organizações, tais como a Sociedade Brasileira de Computação (SBC), Univali, PUC/SP e Instituto Crescer, foi organizado um documento contemplando os saberes necessários aos estudantes da Educação Básica. O documento foi homologado pelo CNE em 18/2/2022 e, em breve, será publicado para orientar o sistema educacional brasileiro. O documento nacional foi construído tendo como referências internacionais os currículos da Inglaterra, Catalunha e da Austrália. No Brasil, uma referência interessante é a proposta pela Prefeitura Municipal de São Paulo.
Visando a ter um olhar para além das competências digitais, em 2008 o Instituto Crescer organizou a Avaliação de Práticas Educacionais Inovadoras (APEI50), um rol de 50 indicadores para colaborar com instituições de ensino a avaliar seu grau de inovação pedagógica e, a partir deste resultado, desenhar um plano de ação com foco na promoção de ações de formação continuada e aquisição de tecnologias digitais. Em 2022, uma nova versão do projeto estará disponível a qualquer escola brasileira e mais informações podem ser vistas no próprio site do Programa.
Como é possível constatar, avanços vêm ocorrendo e investimentos vêm sendo viabilizados, muitos com apoio do terceiro setor. Aos poucos, é feita a aquisição de equipamentos e viabilizado acesso à Internet, o desenho de diretrizes e rol de competências para estudantes e professores, a organização de estratégias para formação inicial e continuada de professores, bem como para avaliação de boas práticas que promovam a inovação pedagógica.
Em projetos sustentáveis e de longo prazo, como os já presentes em alguns países, os aspectos apontados acima são parte fundamental dos pilares considerados como estratégicos. Precisamos agora dar sequência por meio de processos sustentáveis que façam parte de um projeto de país.
Metaverso na educação: um projeto a longo prazo
Quem vive o dia a dia da educação no Brasil sabe que para o metaverso ser inserido nas redes educacionais ainda são necessárias muitas adaptações, inclusive legais.
Antes disso, falta mais comprometimento dos órgãos públicos com o básico para o sistema educacional: mais atenção com a qualificação dos educadores, com a aquisição de equipamentos e a disponibilização do acesso à internet para os estudantes e professores do ensino público.
Não há como ignorar os avanços tecnológicos e o benefício que podem agregar à aprendizagem. Só que, diante da nossa realidade, devemos ter os pés no chão e projetar o uso do metaverso a longo prazo.
O que desejamos como agentes de ensino e cidadãos brasileiros é, num futuro não tão distante, podermos transformar a experiência de aprender, hoje fundamentalmente passiva, estudantes que ouvem o professor, em algo multissensorial, realista e imersivo. Além de que seja mais inclusiva e ocorra com mais equidade, garantindo que todos os estudantes brasileiros tenham as mesmas condições em um futuro próximo.
Devemos sonhar grande!
*Luciana Allan é Diretora do Instituto Crescer e Doutora em Educação pela Universidade de São Paulo (USP) com especialização em tecnologias digitais aplicadas à educação