Chegou a hora de você desaprender
“O analfabeto do século XXI não será aquele que não consegue ler e escrever, mas aquele que não consegue aprender, desaprender e reaprender” (Alvin Toffler)
Publicado em 22 de outubro de 2019 às, 09h53.
Última atualização em 22 de outubro de 2019 às, 12h59.
Século XXI. Você sabe o que isso significa, não é? 5ª Revolução Industrial. A Era da Inteligência Artificial, Robótica, Big Data e Ferramentas de Analytics. Tantas novas formas de aprender. Tantos novos conhecimentos emergindo. Para os nativos digitais que hoje estão ocupando o ensino básico, fundamental e médio isso pode significar duas coisas:
- Devido a uma educação de qualidade, capaz de encantá-los e direcioná-los para seus projetos pessoais, respeitando a individualidade de cada um, e com tamanha diversidade de possibilidades e oportunidades, um mundo cada vez mais abundante e em constante evolução;
Ou...
- Um mundo cada vez mais perdido em suas escolhas, incapaz de lidar com a liberdade, portanto, escasso e em constante involução. Tudo isso por conta de uma má-educação que presa pela quantidade, não engaja e apenas guia para um mesmo caminho.
Fica clara aqui a necessidade urgente de abandonarmos o sistema educacional do século passado em prol de um futuro próspero, promissor e feliz.
Somente abrindo mão de antigos dogmas, deixando para trás os modelos pedagógicos praticados até aqui e nos libertando das velhas fórmulas é que poderemos abrir nossos corações e mentes para reaprender a olhar a educação e os alunos nativos digitais sob uma nova ótica. Um olhar que nos permita trazer inovação para sala de aula, não apenas por meio do uso de tecnologias digitais, mas por meio de estratégias de ensino que permitam engajar e encantar nossos alunos.
O conceito de Unlearning significa deixar para trás aquilo que costumava funcionar antes e trabalhar para entender o que é necessário para a próxima fase.
Desaprender pode ser desconfortável porque passamos pelo sentimento de ser competente para incompetente. Traz insegurança, mas ainda assim é o único caminho viável, é a chave para nós educadores reconstruirmos a nós mesmos e a educação em prol de um futuro melhor do que o imaginável no cenário atual.
[Traduzido e adaptado de “'Unlearning' as the latest must-have skill for any startup CEO”]
Em artigo na Harvard Business Review, Mark Bonchek, especialista em era digital, sugere três passos para praticar o unlearning e se abrir para novas formas de olhar o mundo; no nosso caso uma nova forma de praticar a educação:
- Reconheça que o velho modelo não é mais relevante ou efetivo;
- Encontre ou crie um novo modelo que possa melhor atender seus objetivos junto aos alunos;
- Incorpore os novos hábitos e reforce os novos comportamentos.
Bonchek cita também Albert Einstein: “Não podemos resolver nossos problemas com os mesmos pensamentos que tivemos quando os criamos”.
Acredito também que não apenas nós educadores devemos aprender a desaprender para reaprender como podemos ensinar nossos alunos a fazerem o mesmo.
Até aqui, possuíamos um modelo adequado para a sociedade industrial, na qual não havia grandes mudanças acontecendo a cada segundo. O que se aprendia hoje era suficiente para termos “empregabilidade”, pois continuava fazendo sentido meses depois. Agora, vivemos numa época onde o estudo é infinito e o que mais se exige é “trabalhabilidade”, a capacidade de inovar sempre.
[Recomendado: Nossos filhos terão ‘trabalhabilidade’ em 2030?]
Mesmo aquilo que vínhamos fazendo a vida toda pode mudar a qualquer momento. Um exemplo hipotético foi colocado em prática por Destin, do canal SmarterEveryDay, ao desaprender como andar de bicicleta do jeito comum para aprender a pilotar “a bicicleta do cérebro invertida”. Ao girar o guidão para a esquerda, vira-se para a direita e vice-versa. Confira:
Stephane Kasriel, copresidente do Conselho do Futuro em Educação, Gênero e Trabalho no Fórum Econômico Mundial Global, em depoimento para o site Unlearn, do livro de Barry O'Reilly, afirma que “a única coisa que é constante é a mudança. E está acontecendo cada vez mais rápido. A disrupção está em andamento, mas os líderes tendem a pensar de forma crescente sobre o futuro”.
Já o próprio autor, em artigo no Medium, ajuda a responder a pergunta “Como saber que eu preciso Desaprender?”. Você pode se perguntar: “Por que não estou correspondendo às minhas expectativas? Por que não consigo resolver esse problema? Por que evito constantemente enfrentar esse desafio em particular?”.
Tanto a escola quanto professores e pais não estão correspondendo às expectativas dos alunos, nem conseguem resolver a problemática da distração (ou seria desmotivação?) dessa geração e evitam constantemente enfrentar o desafio de inovar na educação. Escola, professores e pais precisam desaprender.
A escola precisa mudar, os professores precisam se reinventar, os pais precisam estar mais presentes para que a educação faça sentido a toda uma nova geração.
Esta nova geração tem muita vontade de aprender, mas se recusa a estudar da mesma forma que estudaram seus pais e avós. É nítido o desinteresse dessas crianças e adolescentes no velho modus operandi de fazer as coisas. Quem de fato se forma em algo hoje em dia? Conforme já dito anteriormente, estamos em constante atualização, independente da área de “formação”. E para esse novo mundo, o jovem precisará desenvolver habilidades o tempo todo.
Como ensiná-los além de nós mesmos praticando o mesmo? Sim, para além de uma necessidade acerca do que já não funciona mais, aderir ao conceito de Unlearning é também ser exemplo para esses líderes e trabalhadores do futuro. Assim como um sábio mestre Zen foi exemplo para um estudante “sabe-tudo” na história contada por Navi Radjou em palestra para o TEDxIsèreRiver.
Segundo Navi, o rapaz já possuía conhecimento sobre tudo que existe, menos Zen, e foi procurar o que faltava pedindo a um mestre que o ensinasse tudo que precisava saber. O mestre, não proferindo uma palavra sequer, passou a encher uma xícara de chá até que transbordasse por toda a mesa e o rapaz o mandasse parar. “Não cabe mais nada! Está cheio!”, ele disse. O mestre sorriu, e respondeu: “Como essa xícara, a sua mente também está cheia. Como eu posso te ensinar Zen sem que você a esvazie?”.
Ou seja, o educador só poderá ensinar quaisquer novas habilidades que sejam quando tanto ele quanto os alunos esvaziarem suas xícaras.
Perceba que, ao longo da vida, fomos, somos e seremos sempre educadores e alunos. Estamos ensinando e aprendendo o tempo todo. Portanto, necessitamos esvaziar e encher nossas xícaras na mesma medida. Ainda mais no mundo real-virtual em constante atualização de hoje.
E então, profissional do presente? Está pronto para começar a desaprender para aprender e, assim, se tornar o profissional do futuro?
(*) Luciana Allan é diretora do Instituto Crescer e Doutora em Educação pela Universidade de São Paulo (USP) com especialização em tecnologias digitais aplicadas à educação