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Os riscos de Lula 3 abandonar Lula 1 e 2 e embarcar em Dilma 2. Façam as suas apostas

As articulações políticas e a escolha do ministro da Defesa podem demonstrar o compromisso com a governabilidade

O presidente eleito, Luiz Inácio Lula da Silva, durante discurso em Brasília nesta quinta-feira, 10 (Ricardo Stuckert / Divulgação/Divulgação)
O presidente eleito, Luiz Inácio Lula da Silva, durante discurso em Brasília nesta quinta-feira, 10 (Ricardo Stuckert / Divulgação/Divulgação)
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Coriolano Gatto

Publicado em 6 de dezembro de 2022 às, 10h16.

Última atualização em 6 de dezembro de 2022 às, 10h17.

O presidente eleito Luiz Inácio Lula da Silva lembra uma espécie de navio sem rumo, que vagueia pelos mares do mercado financeiro em busca de um porto seguro. Há críticas de todo o lado e o ódio é comum a muitos: desde a ausência de uma política fiscal responsável até uma política desenvolvimentista com resultados.

Apenas a PEC da Transição com licença para gastar R$ 150 bilhões, ou algo dessa monta, não traz tranquilidade necessária ao novo governo. O ex-ministro Delfim Neto, um sábio que serviu a três governos militares (Costa e Silva, Médici e Figueiredo), costuma dizer que Lula é um animal político de uma inteligência fora do comum. Delfim conviveu com ele e, desde os anos 1960, teve protagonismo como poucos no cenário nacional. É autor do famoso axioma, segundo Dionísio Dias Carneiro (1945-2010): “A primeira missão de um ministro de Estado é continuar a ser ministro”. Delfim sabe como poucos a esquadrinhar o poder.

A escolha de Lula para um nome para o o cargo de ministro da Fazenda tem a mesma importância da escolha de um outro ministro para uma outra pasta por uma simples razão: Lula já disse que ele será o comandante da economia e, como prova do seu compromisso, cita a sequência de superávits primários em seus oito anos de mandato (2003-2010). É meticuloso, preciso e sabe da importância desse compromisso em atrair capitais nacionais e internacionais.

Diferentemente de Dilma 2, Lula tem maestria em negociar com o Congresso e capacidade de debelar qualquer tentativa de rebeldia que possa gerar um processo de ruptura institucional. Não à toa vai despachar a ex-presidente Dilma Rousseff para a Embaixada de Portugal, que já foi ocupada por Itamar Franco e Paes de Andrade, que ficou famoso por inaugurar a “A República da Mombaça”, no breve interregno em que substituiu José Sarney na Presidência da República. Itamar teve o grande mérito em escolher Fernando Henrique Cardoso como ministro da Fazenda, em 1993. A não ser pelos importantes laços culturais, Portugal não tem relevância com o Brasil, noves fora a horda de brasileiros que para lá migrou e já está de volta diante da ausência de emprego.

O presidente eleito Lula teve enormes méritos no período em que governou o país entre 2003 e 2010. Dois tucanos insuspeitos, o economista Luiz Carlos Mendonça de Barros e Dionísio Carneiro (1945-2010), este um dos grandes pensadores do Brasil, reconheceram os méritos do ex-líder sindical. Atribuir à sorte o sucesso dos seus dois mandatos, com crescimento econômico vigoroso, emprego pleno, inflação baixa e superávit primário, é de uma tibieza sem tamanho. Napoleão Bonaparte exigia dos seus generais, além do preparo técnico, algo nada convencional: a sorte.

Lula surfou no ciclo de commodities, mas arrumou as contas públicas de forma irrepreensível. E usou a ortodoxia − remédio amargo − na medida certa e soube manejar, como um bom marinheiro, a engrenagem de programas sociais, ampliando o que fora desenvolvido no laboratório de dona Ruth Cardoso, uma socióloga brilhante e discreta. O Lula 3, a despeito das informações que circulam em diferentes meios, carrega um ressentimento com segmentos da elite, a mesma que agiu de forma festiva com a sua prisão − foram 580 dias no cárcere. O legado de Lula pode ser resumido por um indicador: 32 milhões de brasileiros, segundo o economista Marcelo Néri, da FGV, foram incorporados a uma nova classe média.

O governo que sai − com as estripulias autoritárias do mandatário e do seu partido PL, dirigido por um ex-presidiário − deixou indicadores relevantes como a queda do desemprego de 14,3 para 8,3%, o aumento do emprego formal, na agenda social (auxílio emergencial e um Bolsa Família ampliado) e uma série de mudanças em marcos regulatórios, que atraíram o setor privado para grandes investimentos em infraestrutura, como em ferrovias. Isso sem contar os avanços em saneamento básico, nova lei de licitações, de recuperação judicial, a reforma na Previdência e um Banco Central independente. O governo não avançou mais em quesitos como a Lei do Gás por enfrentar resistências de certos entes privados, que costumam financiar campanhas eleitorais de esquerda. Os nomes são sobejamente conhecidos. Na média, pela primeira vez, há dados de crescimento econômico e de inflação comparáveis aos dos Estados Unidos no período 2020/2022, com índices de imunização elevados no combate à Covid-19, mesmo com o discurso do mandatário contra a ciência.

O excelente livro “Tolstói & Tolstaia”, que revela as relações de ódio entre o grande escritor Leon Tolstói e a sua mulher Sófia (Editora Carambaia, 2022), exibe o clima beligerante no país, estimulado pelo presidente Bolsonaro e a sua tropa de choque, que ainda duvida do resultado eleitoral. Lula, para usar o jargão do futebol, matou a jogada ao indicar o experiente José Múcio para o Ministério da Defesa, por sugestão de outro político tarimbado, o ex-ministro Nelson Jobim, segundo a coluna de Lauro Jardim, em O Globo.

Ocorre que o presidente Lula, ao nomear uma enorme equipe de transição com 300 nomes, parece tornar o cenário opaco, dando a impressão de que o governo não tem propostas, ainda que seja formado por uma coalizão, tendo no vice-presidente Alckmin a sua âncora de credibilidade. É melhor nem falar sobre o vexame do ex-ministro Guido Mantega no episódio do BID. Agiu a pedido do chefe. Até o contínuo do PT sabe disso. Diferentemente do que faz o governador eleito Tarcísio Freitas − que compõe em São Paulo um time de primeira grandeza no secretariado graças em boa medida à habilidade de Gilberto Kassab, à exceção do secretário de Segurança Pública, dono de um currículo duvidoso −, Lula, até o presente momento, dá a impressão para os investidores de querer editar um novo governo Dilma Rousseff, que, em seu segundo mandato, mergulhou o país em uma grande recessão. Quem conhece o ex-presidente sabe que Lula tem a exata medida do vendaval que vem pela frente com o fim da redução do ICMS dos estados, que ajudou a derrubar o preço dos combustíveis, energia elétrica, telecomunicações e outras bombas fiscais, armadas e prontas para explodirem. E nem fará as estripulias de Dilma.

O sonho da deflação acabou junto com o teto dos gastos, que já ruiu no governo Bolsonaro. Cada economista quer agradar ao presidente eleito com uma fórmula para resolver o imbróglio: Felipe Salto associa os gastos a um determinado patamar do crescimento da dívida pública em uma fórmula de difícil compreensão. José Roberto Afonso afirma que o “governo tem bala de R$ 2 trilhões contra a especulação”. Como pai da LRF (Lei de Responsabilidade Fiscal), ele sabe que esses recursos do Tesouro Nacional só devem ser utilizados em situações especiais, como foi o caso do Auxílio Emergencial, em 2020, que elevou o déficit primário para acima de 10% do PIB e uma fuga de capitais diante das incertezas da pandemia. Com o caixa forrado, o Tesouro garantiu a rolagem dos títulos do governo, deu folga ao sistema bancário, e o Brasil atravessou a tormenta sem qualquer indício de instabilidade no sistema bancário.

A mencionada especulação é causada, não por meia dúzia de mimados e mimadas da Faria Lima − que passam o dia tuitando −, mas pela compreensão de grandes investidores institucionais de que o governo eleito emite sinais contraditórios. Como o Banco Central é independente − outro mérito do ministro Paulo Guedes −, o juro pode ir para a lua e as reservas serão usadas para debelar uma eventual disparada no dólar. Não custa lembrar que o mercado é apátrida e covarde e busca as melhores oportunidades, agindo como bucaneiros, piratas que nasceram nos portos do Caribe e que atacavam navios espanhóis que não dispunham de defesas eficazes, no século XVII. Lula 1 e Lula 2 enfrentaram turbulências, mas nem por isso o Brasil deixou de ter uma economia robusta. Resta saber se Lula 3 repetirá o seu próprio legado ou tentará um ensaio de políticas populistas de Dilma Rousseff, que mergulharam o Brasil em uma das piores recessões da sua história – o PIB encolheu 7,5% em dois anos diante de um cenário internacional de normalidade. Deu um cavalo de pau às avessas.

O novo teto de gastos precisa estar vinculado a um crescimento do Orçamento, acrescido da inflação mais um percentual inferior à expansão do PIB, de tal forma que possa haver equilíbrio entre receitas e despesas com metas definidas de superávit primário e da dívida pública do governo federal. Basta consultar o laboratório do FGV Ibre ou as consistentes análises do IFI, vinculado ao Senado Federal.
Sem uma regra fiscal clara, é natural que haja turbulências no mercado financeiro, o que vai encarecer o custo do dinheiro − o índice de famílias endividadas alcançou o recorde de 70 milhões −, com claro impacto nas empresas, que só expandem seus negócios em razão de financiamentos. A taxa de investimento está perto de 20%. Não se brinca com companhias com ações na B3 avaliadas em R$ 5 trilhões ou dois terços do PIB. Basta anunciar uma regra fiscal clara e duradoura.

“É preciso viver segundo interesses mais sociais e terrenos; viver participando dos assuntos de toda a humanidade e não se dedicar à própria fraqueza interior” − revela um dos personagens de “Tolstói & Tolstaia”. Lula deve abandonar o ressentimento com o mercado financeiro e com a imprensa. Não se governa apenas com o Centrão de Arthur Lira et caterva, nem com artistas e intelectuais. A festa acabou, e no 2 de janeiro a quitanda, como diz Delfim Netto, abrirá às 6h oferecendo berinjelas frescas aos seus fregueses.