Os riscos de uma paixão
"O torcedor lança um olhar apaixonado para tudo que diz respeito ao seu clube do coração, e a paixão tudo quer, é míope e não tem razão"
CEO Win the Game
Publicado em 16 de outubro de 2023 às 14h23.
Última atualização em 16 de outubro de 2023 às 16h29.
Johnatan Sacks certa vez disse que “o sentido da vida está onde a paixão encontra o dever, quando o que se deseja fazer encontra o que sabemos que devemos fazer”.
Vivemos um momento decisivo para a formação de um ecossistema sólido no mercado esportivo nacional. A edição da chamada Lei das SAF’s veio ao encontro de uma demanda da sociedade para uma mudança no fracassado modelo amador de gestão dos clubes de futebol e demais entidades esportivas.
Dentro desse contexto, os chamados “cartolas amadores” foram repetidamente citados como os principais culpados da situação precária de vários clubes brasileiros.
“Amador”, de acordo com o dicionário significa “aquele que ama; aquele que não domina a atividade que exerce revelando-se inábil ou com falta de qualificação; inexperiente”. Em contraponto, o setor passou a defender o modelo de gestão profissional, responsável, com governança e resultados obtidos através da atribuição de metas de curto e longo prazo.
Veja agora o que diz o dicionário a respeito do verbete “profissional”: “que exerce uma ocupação como meio de vida ou para ganhar dinheiro; muito dedicado ao seu ofício”.
Diante destas definições, algum torcedor aceitaria que seu time fosse composto por jogadores amadores, inábeis ou inexperientes? Lógico que não! Então, por que jogadores profissionais que aceitam propostas melhores de trabalho são acusados de mercenários, exigindo-se deles um comportamento amador (aquele que ama)?
A aparente incoerência dos torcedores é compreensível e esperada. Afinal, o torcedor lança um olhar apaixonado para tudo que diz respeito ao seu clube do coração, e a paixão tudo quer, é míope e não tem razão. Aliás, a paixão abomina qualquer explicação, porque é transcendente. Ela não sabe explicar o que sente, até porque o que sente não tem explicação.
Jogadores são profissionais, torcedores são amadores, mas... E os dirigentes?
Em meu período à frente da vice-presidência de finanças do Flamengo, fui muitas vezes perguntado sobre como conseguia conciliar minha paixão com as obrigações institucionais. Pergunta difícil e resposta ainda mais.
Somos um só e realmente é difícil apartar paixão da razão. A resposta para esse dilema é separar as atribuições entre os dirigentes amadores e os executivos do clube, afastando os amadores da tomada de decisões no dia a dia desse clube. O nome disso é governança. Assim, cabe aos profissionais contratados decidir questões operacionais, respeitadas as diretrizes e o orçamento definidos pelos dirigentes amadores.
Na contratação dos profissionais, buscávamos os melhores e nunca perguntávamos para qual time torciam, porque isso era irrelevante diante do cargo que ocupariam e do viés racional que deveriam adotar. Contratávamos pela experiência, competência e valores. Afinal, queríamos profissionais e pouca importava o objeto de suas paixões. Deveriam, isso sim, amarem seus empregos!
Apesar disso, já tivemos a infelicidade de ver perseguições de torcedores a profissionais de clubes quando reveladas suas preferências pessoais por um clube rival, como se estes fossem colocar tais preferências a desserviço do clube empregador. Trágica e equivocada interpretação que pode ser respondida com uma pergunta: no histórico de problemas financeiros dos clubes brasileiros, quem os levou a tal condição? Torcedores do próprio clube ou de clubes rivais?
Profissionalismo requer impessoalidade. Qualquer afronta a esse princípio é uma visão limitante e amadora, e, como tal, insegura para a defesa dos interesses do clube.
A paixão deve ser reservada para os torcedores e é graças a ela que os clubes podem buscar a monetização desse engajamento, para, profissionalmente, atingirem resultados financeiros que sejam investidos para a retroalimentação dessa paixão.
A paixão do torcedor é, portanto, o sangue que circula no corpo do ecossistema esportivo. Mas, o mesmo sentimento que produz alegria, também é capaz de ferir quando o objeto dessa paixão é gerido sem os ditames da razão.
Afinal, as rimas e o alerta de Luiz de Camões se referindo ao amor, podem muito bem se aplicar a paixão. “(...) é fogo que arde sem se ver / é ferida que dói e não se sente / é ter com quem nos mata, lealdade / tão contrário em si é mesmo o amor”.
Johnatan Sacks certa vez disse que “o sentido da vida está onde a paixão encontra o dever, quando o que se deseja fazer encontra o que sabemos que devemos fazer”.
Vivemos um momento decisivo para a formação de um ecossistema sólido no mercado esportivo nacional. A edição da chamada Lei das SAF’s veio ao encontro de uma demanda da sociedade para uma mudança no fracassado modelo amador de gestão dos clubes de futebol e demais entidades esportivas.
Dentro desse contexto, os chamados “cartolas amadores” foram repetidamente citados como os principais culpados da situação precária de vários clubes brasileiros.
“Amador”, de acordo com o dicionário significa “aquele que ama; aquele que não domina a atividade que exerce revelando-se inábil ou com falta de qualificação; inexperiente”. Em contraponto, o setor passou a defender o modelo de gestão profissional, responsável, com governança e resultados obtidos através da atribuição de metas de curto e longo prazo.
Veja agora o que diz o dicionário a respeito do verbete “profissional”: “que exerce uma ocupação como meio de vida ou para ganhar dinheiro; muito dedicado ao seu ofício”.
Diante destas definições, algum torcedor aceitaria que seu time fosse composto por jogadores amadores, inábeis ou inexperientes? Lógico que não! Então, por que jogadores profissionais que aceitam propostas melhores de trabalho são acusados de mercenários, exigindo-se deles um comportamento amador (aquele que ama)?
A aparente incoerência dos torcedores é compreensível e esperada. Afinal, o torcedor lança um olhar apaixonado para tudo que diz respeito ao seu clube do coração, e a paixão tudo quer, é míope e não tem razão. Aliás, a paixão abomina qualquer explicação, porque é transcendente. Ela não sabe explicar o que sente, até porque o que sente não tem explicação.
Jogadores são profissionais, torcedores são amadores, mas... E os dirigentes?
Em meu período à frente da vice-presidência de finanças do Flamengo, fui muitas vezes perguntado sobre como conseguia conciliar minha paixão com as obrigações institucionais. Pergunta difícil e resposta ainda mais.
Somos um só e realmente é difícil apartar paixão da razão. A resposta para esse dilema é separar as atribuições entre os dirigentes amadores e os executivos do clube, afastando os amadores da tomada de decisões no dia a dia desse clube. O nome disso é governança. Assim, cabe aos profissionais contratados decidir questões operacionais, respeitadas as diretrizes e o orçamento definidos pelos dirigentes amadores.
Na contratação dos profissionais, buscávamos os melhores e nunca perguntávamos para qual time torciam, porque isso era irrelevante diante do cargo que ocupariam e do viés racional que deveriam adotar. Contratávamos pela experiência, competência e valores. Afinal, queríamos profissionais e pouca importava o objeto de suas paixões. Deveriam, isso sim, amarem seus empregos!
Apesar disso, já tivemos a infelicidade de ver perseguições de torcedores a profissionais de clubes quando reveladas suas preferências pessoais por um clube rival, como se estes fossem colocar tais preferências a desserviço do clube empregador. Trágica e equivocada interpretação que pode ser respondida com uma pergunta: no histórico de problemas financeiros dos clubes brasileiros, quem os levou a tal condição? Torcedores do próprio clube ou de clubes rivais?
Profissionalismo requer impessoalidade. Qualquer afronta a esse princípio é uma visão limitante e amadora, e, como tal, insegura para a defesa dos interesses do clube.
A paixão deve ser reservada para os torcedores e é graças a ela que os clubes podem buscar a monetização desse engajamento, para, profissionalmente, atingirem resultados financeiros que sejam investidos para a retroalimentação dessa paixão.
A paixão do torcedor é, portanto, o sangue que circula no corpo do ecossistema esportivo. Mas, o mesmo sentimento que produz alegria, também é capaz de ferir quando o objeto dessa paixão é gerido sem os ditames da razão.
Afinal, as rimas e o alerta de Luiz de Camões se referindo ao amor, podem muito bem se aplicar a paixão. “(...) é fogo que arde sem se ver / é ferida que dói e não se sente / é ter com quem nos mata, lealdade / tão contrário em si é mesmo o amor”.