Blockchain na educação: da inclusão social ao combate aos diplomas falsos
Casos de uso da tecnologia se tornam frequentes no setor e podem resolver diversos problemas; inclusão de jovens de baixa renda é outra possibilidade
Publicado em 15 de dezembro de 2020 às, 12h59.
Quem nunca ouviu falar de pelo menos um caso de diploma universitário falsificado de um funcionário de empresa, pesquisador ou político? Para quem não quer esquentar a cadeira e usar muito os seus próprios neurônios, sites na internet oferecem esses papéis aos montes, inclusive com o timbre de universidades conceituadas como a Universidade Federal Fluminense (UFF) e a de Cambridge, na Inglaterra.
O jornalista e investidor em ensino à distância, John Bear, em seu livro “Degree Mills: The Billion-Dollar Industry That Has Sold Over a Million Fake Diplomas” – algo como “Moinhos de grau de instrução: A indústria bilionária que já vendeu mais de um milhão de diplomas falsos” —, mostrou que metade dos diplomas de PhD nos EUA eram pura mentira. O livro é de 2012, e tudo indica que o problema continua. O país emite cerca de 45 mil diplomas ao ano e um número similar de falsificações são produzidas no mesmo período.
Por isso, a tecnologia blockchain tem sido apontada como ferramenta contra essa farra. Com essa tecnologia, é possível criar redes que conectam participantes como escolas, universidades, empregadores e órgãos públicos de educação. Assim, quando um estudante tenta inserir uma informação acadêmica na rede, é possível verificar sua veracidade e, então, fazer um registro imutável e bem criptografado nos blocos. Além disso, uma vez registrado, esse histórico pode ser acessado pelos interessados: por exemplo, a universidade checa dados do estudante que tenta se inscrever na instituição e o empregador verifica se o diploma é real.
Inclusão com facilidade
Mas não é só para evitar fraudes que blockchain pode ser útil na área da educação. Um outro uso, que também seria muito interessante para o Brasil, é o de facilitar a inclusão de estudantes de baixa renda, sem acesso a computador ou internet, ao sistema universitário. Este é o caso da Universidade do Norte do Texas Dallas (UNTD), que atende principalmente alunos que são a primeira geração das suas famílias que vai à universidade. Além de facilitar a inclusão, o projeto busca fazer isso de forma segura e confiável.
Em conversa com esta colunista, o presidente da UNTD, Bob Mong, contou que os estudantes baixam suas informações acadêmicas por meio de um aplicativo no celular. A plataforma blockchain usada é a da Greenlight Credentials. Outros parceiros são o Distrito Escolar Independente de Dallas, que tem 154 mil estudantes, a comunidade local do Dallas College, que tem 85 mil estudantes, e outros distritos escolares. Pelo app, os estudantes podem se inscrever na UNTD e em outras universidades, assim como pedir bolsas de estudos. O projeto começou a ser implantado no final de 2019 e centenas de pedidos de inscrições já foram feitos. Agora, o foco é aumentar o uso do app.
Em breve, afirmou Mong, a Greenlight vai adicionar outros recursos que vão ajudar os estudantes a contatar agências de serviços sociais e resolver problemas relacionados a transportes, cuidado de crianças e saúde mental. Sim, está previsto um aplicativo, o Vital Sign 6, que vai ajudar a UNTD, escolas do ensino médio e pós-ensino médio a detectarem sinais como a depressão. “Isso é parte de um esforço para adicionar problemas mentais aos cinco sinais vitais que os médicos verificam numa pessoa”, explicou. A depressão é a doença mais incapacitante do mundo, segundo a Organização Mundial da Saúde (OMS).
Na mesma linha de facilitar a vida dos estudantes, das universidades e dos empregadores, a Higher Colleges of Technology (HCT), dos Emirados Árabes Unidos (EAU), havia publicado, até julho, 155 mil credenciais acadêmicas no formato eletrônico numa plataforma blockchain. São dados de 66 mil estudantes que se formaram na HCT desde 1992. Os estudantes podem passá-los a outras universidades e empregadores por anos, tudo pelo celular. Os EAU têm adotado a tecnologia a em diversos setores, em especial no governo.
A confiança nos blocos é tanta que o Plano Nacional de Blockchain da Austrália prevê o uso da tecnologia em três setores prioritários, entre eles o da educação. O Conselho Americano para Educação também recebeu verbas do governo, neste ano, para estudar o uso da tecnologia. Em março passado, o Ministério da Educação do Brasil pediu às faculdades privadas para estudarem o registro de diplomas digitais usando blockchain.
Tokens para incentivar os estudos
Agora, se o objetivo é incentivar as pessoas a estudar até o final do curso, blockchain também pode dar uma solução. Há dois anos, o Fundo Monetário Internacional (FMI) e o Banco Mundial criaram a Learning Coin para testar a tecnologia. Para isso, decidiram dar o token para os funcionários que estudassem assuntos relacionados a blockchain e moedas digitais num aplicativo.
O BitDegree é uma plataforma com o mesmo objetivo de incentivar os estudos, mas com enforque social. A ideia é fazer com que os alunos, muitos deles sem muitas condições de pagar pelos cursos, cheguem até o final das aulas para ganhar os tokens. Também podem ganhar bolsas de estudos, pagas em Bitdegree coin por quem já recebeu os tokens e quer ajudar quem precisa. Esses tokens podem, ainda, ser transferidos para carteiras Ethereum.
E tem mais: há universidades que anunciaram que bitcoins poderiam ser usados para pagar as mensalidades. A Lucerne University of Applied Sciences and Arts é uma delas. Em 2017, a instituição informou que os estudantes podiam trocar suas moedas por francos suíços no Bitcoin Suisse AG, para repasse deles à instituição de ensino. Dessa forma, a universidade evita os riscos da moeda, como variação da cotação. Princeton e Berkeley também estão no grupo que fizeram anúncio semelhante nos últimos anos, embora não haja maiores informações em seus sites.
Claramente, estamos apenas no começo do uso de blockchain na área da educação. Mas os casos de uso já têm essa variedade e indicam muito potencial. Por isso, as instituições de ensino e os órgãos públicos precisam, eles também, estudar a tecnologia e como ela pode resolver seus desafios, que são sempre tão grandes em qualquer país. A oportunidade está dada, é só pegar.