Os mercados não estão complacentes demais?
Escrevi há algumas semanas sobre o descompasso entre a incerteza econômica e o abundante apetite ao risco mundo afora. Apesar dos perigos conhecidos, as cotações de ações se encontram em patamares estratosféricos. Ocorre algo semelhante aqui no Brasil. Os mercados descontam generosamente os riscos de cauda, como se a chance de um revertério fosse insignificante. […]
Da Redação
Publicado em 2 de maio de 2017 às 17h22.
Última atualização em 22 de junho de 2017 às 18h24.
Escrevi há algumas semanas sobre o descompasso entre a incerteza econômica e o abundante apetite ao risco mundo afora. Apesar dos perigos conhecidos, as cotações de ações se encontram em patamares estratosféricos. Ocorre algo semelhante aqui no Brasil. Os mercados descontam generosamente os riscos de cauda, como se a chance de um revertério fosse insignificante.
É verdade que há alguma música embalando a festa mundial. A atividade econômica e o comércio entre os países estão se expandindo e, finalmente, a inflação começa a exibir alguns sinais de reversão. Trata-se de um começo quando se leva em conta a mediocridade dos últimos anos. Até o FMI, normalmente sisudo, arriscou um título jovial para a última edição do World Economic Outlook ao perguntar se o mundo não estaria pegando no tranco.
Além do mais, um dos principais bodes da agenda está sendo removido da sala. O segundo turno da eleição francesa não será a temida escolha de Sofia entre Mélenchon e Le Pen. Melhor ainda, as sondagens e bolsas de apostas apontam favoritismo do moderado Macron. Se ele prevalecer no próximo round, daqui uns dias, evita-se um plebiscito que pode marcar o fim do Euro.
Em que pesem estes sinais favoráveis, há ainda buracos profundos na estrada. Para começar, o otimismo ressurgiu mesmo com a expectativa de que Trump promoveria investimentos polpudos em infraestrutura, emplacaria uma reforma tributária expressiva e corrigiria os excessos da regulação montada após a crise financeira – fatores que, se aplicados com competência, podem de fato animar a economia.
Até o momento, no entanto, a montanha pariu apenas alguns camundongos. O magnata patina no relacionamento com o congresso (controlado por republicanos) e sua popularidade é atipicamente baixa para 100 dias de mandato. Foi derrotado na tentativa de mudar o Obamacare. O esboço da proposta de reforma tributária, por sua vez, não ataca os problemas existentes, beneficia os ricos, é fortemente deficitária e corre o risco de coxear diante do conservadorismo fiscal de algumas alas republicanas. Falta dinheiro para a infraestrutura.
No frigir dos ovos, Trump tem conseguido introduzir apenas algumas de suas promessas protecionistas, apesar de ter tido que recuar em relação a alguns exageros. A retórica “America First”, além de negativa para a economia americana e mundial, especialmente com o passar do tempo (vide o banzé do Brexit), também tem causado fissuras em sua popularidade, por exemplo, no segmento do agronegócio – fortemente dependente do comércio exterior.
Neste contexto politicamente conturbado, o desempenho da economia tem decepcionado. A produtividade segue baixa e não há evidências muito sólidas de que o otimismo das sondagens esteja se transformando em atividade. O quadro não é desastroso, obviamente, e não deveria causar maiores receios não fosse pelo fato de que as bolsas encontram-se muito valorizadas em uma comparação histórica.
Infelizmente, não há uma regra infalível para saber se as ações estão “caras” ou “baratas”, mas valorizações como as atuais normalmente antecedem “correções” acompanhadas de recessão. Uma pesquisa conduzida na semana passada pelo Bank of America Merrill Lynch junto a gestores de recursos responsáveis pela alocação de 500 bilhões de dólares mostrou que 83% acham que a bolsa andou demais. Como se sabe, a política monetária está ficando mais restritiva, significando que a liquidez que dá suporte a estas valorizações vai aos poucos secando.
Não custa lembrar também que a China empurrou com a barriga seu acerto de contas, mas não conseguirá fazer isso indefinidamente. Além disso, conforme os ensinamentos do saudoso Chacrinha, a eleição na França só acabará quando terminar. Neste angu, basta um tremor intermediário na escala Richter para provocar um sururu razoável nos mercados.
No Brasil, ocorre algo parecido. Não há dúvida que o cenário melhorou após a mudança de governo. Mas os estragos produzidos nos últimos anos foram tão grandes que tornaram urgentes reformas difíceis de serem emplacadas. Os grupos de interesse estão bombardeando com eficácia a Reforma da Previdência – que já sofreu “desidratação” da ordem de 50% em relação ao projeto inicial. O jogo está sendo jogado por quem conhece as regras, mas a contabilidade dos votos é apertada. A chance de dar zebra não é desprezível. Será que isso está no preço?
A recuperação da economia depende em parte da normalização dos mercados de crédito que, até o momento, tem ocorrido em velocidade bem mais lenta do que a que seria de se esperar dada a queda da taxa de juro básica. Os agentes, especialmente empresas, estão cortando dívidas agressivamente e os prêmios cobrados em empréstimos ainda estão muito elevados, retirando força da economia. Da mesma forma que a retomada pode contribuir para desanuviar o cenário político, uma recuperação demasiadamente lenta pode atrapalhar o andamento da agenda no congresso. O cenário é de retomada, mas o risco de frustração parece ser grande.
Olhando o balanço de riscos, fica a impressão de que o mercado escolheu sua posição e está em busca de um cenário compatível, descontando a sequência de notícias ruins como se elas não alterassem em nada as premissas originais. Se for isso, potenciais soluços de segunda ordem poderão provocar volatilidade de primeira ordem nos mercados. Tomara que não. Mas este é um filme que, infelizmente, nós já vimos.
Escrevi há algumas semanas sobre o descompasso entre a incerteza econômica e o abundante apetite ao risco mundo afora. Apesar dos perigos conhecidos, as cotações de ações se encontram em patamares estratosféricos. Ocorre algo semelhante aqui no Brasil. Os mercados descontam generosamente os riscos de cauda, como se a chance de um revertério fosse insignificante.
É verdade que há alguma música embalando a festa mundial. A atividade econômica e o comércio entre os países estão se expandindo e, finalmente, a inflação começa a exibir alguns sinais de reversão. Trata-se de um começo quando se leva em conta a mediocridade dos últimos anos. Até o FMI, normalmente sisudo, arriscou um título jovial para a última edição do World Economic Outlook ao perguntar se o mundo não estaria pegando no tranco.
Além do mais, um dos principais bodes da agenda está sendo removido da sala. O segundo turno da eleição francesa não será a temida escolha de Sofia entre Mélenchon e Le Pen. Melhor ainda, as sondagens e bolsas de apostas apontam favoritismo do moderado Macron. Se ele prevalecer no próximo round, daqui uns dias, evita-se um plebiscito que pode marcar o fim do Euro.
Em que pesem estes sinais favoráveis, há ainda buracos profundos na estrada. Para começar, o otimismo ressurgiu mesmo com a expectativa de que Trump promoveria investimentos polpudos em infraestrutura, emplacaria uma reforma tributária expressiva e corrigiria os excessos da regulação montada após a crise financeira – fatores que, se aplicados com competência, podem de fato animar a economia.
Até o momento, no entanto, a montanha pariu apenas alguns camundongos. O magnata patina no relacionamento com o congresso (controlado por republicanos) e sua popularidade é atipicamente baixa para 100 dias de mandato. Foi derrotado na tentativa de mudar o Obamacare. O esboço da proposta de reforma tributária, por sua vez, não ataca os problemas existentes, beneficia os ricos, é fortemente deficitária e corre o risco de coxear diante do conservadorismo fiscal de algumas alas republicanas. Falta dinheiro para a infraestrutura.
No frigir dos ovos, Trump tem conseguido introduzir apenas algumas de suas promessas protecionistas, apesar de ter tido que recuar em relação a alguns exageros. A retórica “America First”, além de negativa para a economia americana e mundial, especialmente com o passar do tempo (vide o banzé do Brexit), também tem causado fissuras em sua popularidade, por exemplo, no segmento do agronegócio – fortemente dependente do comércio exterior.
Neste contexto politicamente conturbado, o desempenho da economia tem decepcionado. A produtividade segue baixa e não há evidências muito sólidas de que o otimismo das sondagens esteja se transformando em atividade. O quadro não é desastroso, obviamente, e não deveria causar maiores receios não fosse pelo fato de que as bolsas encontram-se muito valorizadas em uma comparação histórica.
Infelizmente, não há uma regra infalível para saber se as ações estão “caras” ou “baratas”, mas valorizações como as atuais normalmente antecedem “correções” acompanhadas de recessão. Uma pesquisa conduzida na semana passada pelo Bank of America Merrill Lynch junto a gestores de recursos responsáveis pela alocação de 500 bilhões de dólares mostrou que 83% acham que a bolsa andou demais. Como se sabe, a política monetária está ficando mais restritiva, significando que a liquidez que dá suporte a estas valorizações vai aos poucos secando.
Não custa lembrar também que a China empurrou com a barriga seu acerto de contas, mas não conseguirá fazer isso indefinidamente. Além disso, conforme os ensinamentos do saudoso Chacrinha, a eleição na França só acabará quando terminar. Neste angu, basta um tremor intermediário na escala Richter para provocar um sururu razoável nos mercados.
No Brasil, ocorre algo parecido. Não há dúvida que o cenário melhorou após a mudança de governo. Mas os estragos produzidos nos últimos anos foram tão grandes que tornaram urgentes reformas difíceis de serem emplacadas. Os grupos de interesse estão bombardeando com eficácia a Reforma da Previdência – que já sofreu “desidratação” da ordem de 50% em relação ao projeto inicial. O jogo está sendo jogado por quem conhece as regras, mas a contabilidade dos votos é apertada. A chance de dar zebra não é desprezível. Será que isso está no preço?
A recuperação da economia depende em parte da normalização dos mercados de crédito que, até o momento, tem ocorrido em velocidade bem mais lenta do que a que seria de se esperar dada a queda da taxa de juro básica. Os agentes, especialmente empresas, estão cortando dívidas agressivamente e os prêmios cobrados em empréstimos ainda estão muito elevados, retirando força da economia. Da mesma forma que a retomada pode contribuir para desanuviar o cenário político, uma recuperação demasiadamente lenta pode atrapalhar o andamento da agenda no congresso. O cenário é de retomada, mas o risco de frustração parece ser grande.
Olhando o balanço de riscos, fica a impressão de que o mercado escolheu sua posição e está em busca de um cenário compatível, descontando a sequência de notícias ruins como se elas não alterassem em nada as premissas originais. Se for isso, potenciais soluços de segunda ordem poderão provocar volatilidade de primeira ordem nos mercados. Tomara que não. Mas este é um filme que, infelizmente, nós já vimos.