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O risco do fim do “Trump trade”

A ascensão de Donald Trump à Casa Branca reverberou de duas maneiras. De um lado, por meio das lamúrias dos formadores de opinião (de todas as tintas), invariavelmente perplexos pela concretização do que parecia impossível. De outro lado, de forma mais silenciosa, pelas especulações acerca do rumo a ser tomado pela política econômica, que geraram […]

BOLSA DE NOVA YORK: patamares parecidos com o atual ocorreram em menos de 5% do tempo nos últimos 130 anos / Brendan McDermid/ Reuters
BOLSA DE NOVA YORK: patamares parecidos com o atual ocorreram em menos de 5% do tempo nos últimos 130 anos / Brendan McDermid/ Reuters
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Celso Toledo

Publicado em 27 de março de 2017 às, 13h02.

Última atualização em 22 de junho de 2017 às, 18h05.

A ascensão de Donald Trump à Casa Branca reverberou de duas maneiras. De um lado, por meio das lamúrias dos formadores de opinião (de todas as tintas), invariavelmente perplexos pela concretização do que parecia impossível. De outro lado, de forma mais silenciosa, pelas especulações acerca do rumo a ser tomado pela política econômica, que geraram deslocamentos econômicos importantes, especialmente em preços de ativos.

O negativismo de ver um populista da pior espécie dando as cartas foi contrabalançado pelo otimismo pragmático dos mercados financeiros, alicerçado nos aspectos favoráveis da agenda sinalizada pelo republicano. As ideias de elevar dispêndios com infraestrutura, melhorar o sistema tributário e retirar exageros regulatórios poderiam trazer benefícios – compensando os prejuízos mais difusos e distribuídos no tempo do protecionismo.

Essa reação caridosa foi batizada de “Trump trade”. A taxa de juro anual para 10 anos disparou, retornando a um patamar inédito desde meados de 2015. A expectativa de inflação implícita nos preços dos títulos negociados também subiu expressivamente. O dólar se apreciou contra as principais moedas, distanciando-se do nível (já valorizado) em torno do qual vinha oscilando há mais de um ano. A bolsa de valores, que andava de lado, procurando motivo para iniciar uma “correção”, mudou de ideia e buscou novos recordes.

Além disso, a valorização do dólar foi acompanhada de apreciação das commodities, sobretudo as industriais – com benefícios aos países emergentes. No “lado real”, observou-se um arranco de otimismo comparável ao do período anterior à crise financeira, quando prevalecia a crença de que os ciclos econômicos tinham se tornado tema para historiadores. A média dos principais barômetros de confiança de agentes econômicos atingiu em dezembro de 2016 um patamar observado pela última vez no final de 2004 – e continuou avançando em 2017.

Resumindo, os mercados comemoraram enquanto os gurus choravam. É muito cedo, no entanto, para apostar que o cenário Trump será melhor do que o encomendado. Por duas razões.

Primeiro, porque as falas e ações do presidente confirmam as hipóteses mais pessimistas. Pessoas inconscientes das próprias limitações, mas dotadas de confiança extraordinária, chegam longe até mesmo em lugares onde supostamente a democracia deveria “funcionar”. Isso se dá porque o eleitorado é menos racional do que imagina ao valorizar fábulas, platitudes e generalidades sem significado, principalmente quando endossadas por leigos famosos, como na genial história de Chance, o jardineiro (no filme “Being There” estrelado por Peter Sellers e grande elenco).

Estes vieses normalmente causam apenas aborrecimentos e, às vezes, situações cômicas, sem maiores consequências. No entanto, eleições são jogos em que pequenas doses de irracionalidade individual podem produzir escolhas coletivas desastrosas. Tudo indica que o Trump presidente é muito parecido com o Trump candidato. Ele deverá ser fonte de incerteza, volatilidades e decisões equivocadas enquanto “estiver lá”. Pior, poderá dar o exemplo para outros populistas, potencializando os prejuízos de seu jogo de soma negativa.

Segundo, mais objetivamente, o “Trump trade” está perdendo o brilho original na medida em que o presidente tropeça para avançar a agenda. Os agentes estão se dando conta de que a “arte da negociação” não parece tão milagrosa. O republicano comeu o pão que o diabo amassou tentando “rechaçar” o Obamacare (programa com popularidade em alta), substituindo-o por uma alternativa que, segundo o CBO, tenderia a deixar 24 milhões de americanos descobertos.

Os principais “think tanks” republicanos torceram o nariz para o projeto substituto desde o início e, no final, os congressistas do partido preferiram negar ao presidente o que ele havia prometido para não entrar em um barco furado. A estratégia pareceu tão amadora que teve gente especulando se ela não teria sido intencional: desenhada para fracassar rapidamente, abrindo espaço para a Casa Branca dizer que tentou e tocar os demais itens da agenda.

Qual a implicação? Se a interpretação benevolente de que Trump é um gênio maquiavélico estiver errada, o que me parece provável, é possível que os agentes comecem a revisar expectativas infladas com relação ao futuro da economia americana. Se a bola voltar ao campo com muita rapidez, os impactos serão potencialmente deletérios para o resto do mundo, que terá que engolir a combinação de protecionismo desacompanhado de reformas e estímulos.

Uma medida da altura em que as expectativas se encontram é dada pela razão entre preço e lucro (PL) na bolsa americana (S&P 500). A média histórica gira em torno de 16,5 – significando que cada dólar investido no índice retorna em 16,5 anos como dividendos. Atualmente, o PL está querendo bater em 30. Ninguém sabe se isso é ou não uma “bolha”, mas patamares parecidos ocorreram em menos de 5% do tempo nos últimos 130 anos, tipicamente prenunciando tempos bicudos, como em 1929, 2000 e 2008.

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