Nuvens e topetes perturbam cenário econômico mundial. Dá pra ficar tranquilo?
Em meados de maio escrevi aqui sobre o VIX, uma medida das incertezas para a bolsa americana corriqueiramente chamada de “índice do medo”. Como o que interessa aos EUA é interessante para o mundo, o VIX também é usado como termômetro mais abrangente de humor. A luz amarela acende quando o indicador supera 20. No […]
Publicado em 20 de junho de 2016 às, 12h22.
Última atualização em 22 de junho de 2017 às, 18h25.
Em meados de maio escrevi aqui sobre o VIX, uma medida das incertezas para a bolsa americana corriqueiramente chamada de “índice do medo”. Como o que interessa aos EUA é interessante para o mundo, o VIX também é usado como termômetro mais abrangente de humor.
A luz amarela acende quando o indicador supera 20. No último dia 13, após meses de dormência, o VIX voltou para a Zona do Agrião e de lá não havia saído até o momento da redação deste texto. É hora de entrar em pânico?
Ainda não, mas, seguindo a análise que fiz há um mês, vem crescendo o risco de novas decepções com a economia global e, nesta toada, aumenta a chance de nova crise.
Espera-se que os EUA crescerão 2,0% em 2016 e 2,3% em 2017. Há um ano, os números eram, respectivamente, 2,7% e 2,6%. Trata-se de frustração de 170 bilhões de dólares, equivalente ao PIB da Nova Zelândia – não é pouca coisa. É bom lembrar que os EUA representam a única esperança de retomada mais consistente da economia mundial.
Quando a economia americana titubeia, realçam-se os efeitos perversos da desaceleração da economia chinesa, sobretudo sobre os países emergentes exportadores de matérias primas. Isso sem mencionar o fato de que, com uma dívida total de 250% do PIB, o gigante asiático seria uma fonte de preocupação mesmo que tudo estivesse às mil maravilhas na terra do Tio Sam.
Desempenhos medíocres que se reforçam mutualmente estão associados a uma escalada de medidas protecionistas e “guerras cambiais” após a crise financeira. Com o objetivo de defender mercados e não “exportar crescimento”, os países têm embarcado em um jogo de soma negativa que vem machucando a economia global.
É neste pano de fundo que se inserem dois riscos impensáveis há pouco tempo, e que ajudam a explicar as movimentações recentes do “índice do medo”: a possibilidade de que os britânicos abandonem a União Europeia – o Brexit – e de que Donald Trump chegue à presidência dos EUA.
A julgar pelas pesquisas, o Reino Unido seguirá caminho próprio a partir do dia 23. Sondagens semelhantes erraram no passado e, obviamente, isso pode ocorrer de novo. Nas casas de apostas, o cenário de saída também é considerado o mais provável.
É difícil prever as consequências de algo sem paralelo na história e, naturalmente, há simulações para todos os gostos. A meu ver, são mais sólidos os argumentos de quem tem medo do Brexit. Além de volatilidades financeiras em um momento em que o mundo precisa de estabilidade, o evento representará um retrocesso expressivo do livre comércio e da globalização – de resto temperado pela ironia de ter sido originado no berço do liberalismo. É bem possível que o Brexit marque o começo do fim da Zona do Euro.
Do outro lado do Atlântico, não é preciso mergulhar em detalhes do programa de Trump – se é que existe um – para concluir que a Casa Branca merece coisa melhor. Além das pérolas contra mexicanos, muçulmanos, mulheres, etc., a promessa de cortar trilhões de dólares em impostos, não mexer em direitos, alavancar os gastos em infraestrutura e, mesmo assim, gerar superávits fiscais expressivos é algo que nem o defensor mais destemido da “Nova Matriz” teria coragem de propor.
O melhor indicador de que o problema é grave está nas falas macambúzias dos figurões do Partido Republicano (ao menos os que dominam as quatro operações) diante da escolha entre o que é minimamente correto e um candidato embusteiro. Seria cômico se não fosse trágico acompanhar o debate nos blogs sérios de política americana tentando entender o que está havendo.
Nunca se sabe o que pode sair da cabeça de um populista, mas é plausível conjeturar que a administração do Donald será marcada por mais protecionismo, revisão de acordos, arbitrariedades, isolamento, escaramuças no Congresso e, ao fim e ao cabo, na melhor das hipóteses, elevação de incertezas com consequências perversas para a economia global.
Como entender essa onda populista?
O fato de que algumas das lições mais importantes da teoria econômica são pouco intuitivas cria terreno fértil para vigaristas em momentos de crise. É necessário algum esforço para compreender que, no longo prazo, a prosperidade decorre da ampliação de mercados e da capacidade de fazer mais com menos – lógica que vale para o todo, mas não para o indivíduo. Em tempos bicudos, é mais confortável acreditar que a salvação está em plataformas de vendedores de sonhos que identificam a causa de todos os males na competição “desleal” dos outros países, na imigração, na falta de regulação, no progresso tecnológico, etc.
No Brasil, um exemplo emblemático dessa enfermidade ocorreu recentemente quando um ministro da Ciência e Tecnologia repudiou inovações poupadoras de mão-de-obra. Coisas desse naipe são useiras e vezeiras nas bandas de cá. Ver surtos tão ou mais grotescos no Reino Unido e nos EUA são outros quinhentos.
Não é de admirar que o VIX tenha subido. Oxalá seja apenas mais um susto.