Haverá uma aceleração do crescimento?
A questão é saber se dá para contar com uma aceleração decente agora que a agenda de reformas avança no congresso
Publicado em 11 de julho de 2019 às, 13h54.
Última atualização em 11 de julho de 2019 às, 17h53.
2019 está perdido. Dificilmente o Brasil crescerá mais do que 1%, talvez nem 0,5%. Se o consenso estiver certo, a taxa anual deverá aumentar um pouco em 2020, convergindo para 2,5% a partir de 2022 – esse seria o nosso ritmo de cruzeiro.
Matematicamente, portanto, a resposta à pergunta do título é afirmativa. No entanto, classificar como “aceleração” o lento e doloroso retorno a uma cadência anual de 2,5% após vários anos de inhaca chega a ser ofensivo – os países ricos crescem a esta taxa.
A questão que se coloca é saber se dá para contar com uma aceleração decente, capaz de fazer o Brasil se aproximar dos países que dão certo, agora que a agenda de reformas avança no congresso. Em minha última coluna argumentei favoravelmente. Volto ao assunto.
Antes de mais nada, se o cenário borocoxô dos 2,5% se concretizar, será motivo mesmo assim para erguer as mãos aos céus e agradecer o dia em que o programa “progressista” de Dilma foi engavetado. Comparado a esse legado, qualquer passo à frente é vitória e a ressalva faz-se necessária porque a igrejinha de sempre culpa o “neoliberalismo” pelo baixo crescimento.
Dito isso, a conjuntura econômica tem preocupado também os observadores que rejeitam a heterodoxia obsoleta que inspirou a “Nova Matriz”. Afinal, a política econômica vem sendo pautada com inteligência desde meados de 2016, e, por enquanto, nada.
Ao invés de soltar rojões por termos escapado do destino da Argentina ou da Venezuela, é preciso subir a barra e sonhar com voos mais altos, olhando, digamos, para o Chile. Isso não é uma quimera, pois, em 1994, quando o Plano Real logrou estabilizar a inflação que castigava o país, o nosso poder de compra era semelhante ao deles.
Na época, a única forma de controlar o câmbio – e, por tabela, a inflação – foi praticar juros estratosféricos, dada a incapacidade de segurar o crescimento das despesas do governo. Essa situação beneficiou os poupadores, mas a raiz do problema sempre foi (e continua sendo) fiscal – falar em conspiração de “rentistas” é conversa para boi dormir.
Além disso, o cenário externo foi muito conturbado nos anos 90, com crises em México, Ásia e Rússia. A cada episódio, a percepção de que o Brasil seria o próximo fazia o risco associado aos papéis do país se elevar, pressionando as taxas de juros e estrangulando a economia.
Após a flutuação cambial, em 1999, a estabilidade passou a ser assegurada pelo sistema de metas de inflação e a política fiscal tornou-se então contracionista, permitindo que o juro caísse paulatinamente. Mas o crescimento não veio por duas razões. Primeiro, os superávits primários foram obtidos mediante a expansão das receitas (as despesas continuaram subindo).
Segundo, além do peso da tributação, a economia continuou sendo bombardeada por “choques”: (i) os EUA entraram em recessão após o estouro da bolha de tecnologia e, pouco depois, sofreram os ataques terroristas; (ii) tivemos o “apagão” de 2001; (iii) a Argentina colapsou em 2002 e; (iv) as eleições foram marcadas por incertezas, pois não dava para saber qual Lula assumiria – à dorê ou en su tinta. Nosso poder de compra havia caído para nível 21% menor do que o dos chilenos.
Lulinha paz e amor, que de tonto não tem nada, deu um chega para lá nas ideias retrógradas do partido e, após divulgar uma bela carta aos brasileiros, chamou o Meirelles para tocar a economia. Com isso, governou sem restrições, aproveitando a onda favorável produzida pela entrada da China na OMC. O Brasil cresceu como há muito não crescia.
Por outro lado, os governos petistas encabeçaram a maior roubalheira da história do país. Durante a farra, muito capital foi alocado em projetos que não deram em nada. A produtividade da economia foi para o ralo e, sem ela, o crescimento não tem vida longa.
É conveniente olhar para o Chile para colocar os anos dourados em perspectiva. A verdade é que o Brasil evoluiu menos do que poderia ter evoluído, pois pioramos mais um pouco em relação à renda dos irmãos andinos. Em 2012, ganhávamos 28% menos. Além de aproveitarem melhor a época boa, os Chilenos não taparam o sol com a peneira quando o ambiente internacional piorou.
Por aqui, Dilma solapou quase todos os pilares que a duras penas haviam sido armados para o Brasil se desenvolver. Seu esquema diabólico só não foi perfeito porque, milagrosamente, as reservas internacionais foram preservadas e o país não sofreu uma crise bancária. De resto foi um arrastão. Em 2016, cada brasileiro comprava 36% menos do que os chilenos.
Aí o rumo mudou. A política econômica voltou a ser convencional, mas o governo que assumiu perdeu logo a legitimidade e foi abatido quando estava para decolar – afinal, era sócio do anterior na pilhagem. A boa gestão da economia não impediu que as eleições migrassem aos extremos. Evitou-se novo retrocesso, mas houve danos colaterais.
A “nova política” estreou com um festival de abobrinhas tão cintilante quanto o anterior, agora supostamente “de direita”. Os ruídos mantiveram a incerteza elevada e, até o momento, a economia não acordou. Ganhamos hoje 39% menos que os chilenos e esse quadro não mudará se as projeções de consenso mencionadas no início estiverem corretas.
O fenômeno que marcou a história econômica brasileira desde a “Constituição Cidadã” foi o crescimento insustentável das despesas públicas, sobretudo das transferências. Mesmo que o propósito fosse apenas reduzir desigualdades, e não também garantir os privilégios da nata do funcionalismo, esses gastos achatariam, como achataram, o investimento do governo.
O dispêndio público consome um pouco mais de 38% de tudo o que é produzido no Brasil, segundo os dados do FMI. Dessa montanha, pouco é investido. O governo chileno, por sua vez, gasta o equivalente a 26% do PIB, abaixo da média dos países emergentes, e investe mais do que o brasileiro. Nosso Estado inchado torra a poupança nacional, afastando o setor privado, que é o verdadeiro motor da produtividade.
De acordo com o Fórum Econômico Mundial, o cipoal regulatório brasileiro está entre os mais perversos do planeta. Complexidade, falta de transparência e insegurança jurídica não nascem do nada: só assim um país de renda média consegue cobrar impostos como se fosse rico. A elevada percepção de corrupção também é filhote do Estado paquidérmico. Enquanto o Brasil figura abaixo da mediana mundial no ranking da roubalheira, o Chile está entre os 20% melhores.
Apesar de gastarmos (e tributarmos) mais, os serviços públicos são deficientes. No quesito “qualidade das estradas”, por exemplo, o Brasil está entre os 20% piores e o Chile entre os 20% melhores. Além disso, eles vivem mais e têm educação melhor. Por isso saímos de uma situação de igualdade em 1994 e hoje ganhamos quase 40% a menos.
A digressão mostra que quem pensa que o Brasil está condenado a ver os outros decolando enquanto usamos o Twitter para cuidar da rebinboca da parafuseta apoia o pessimismo em uma longa história. Em que pese esse fato doloroso, agora pode ser diferente porque, pela primeira vez, parece haver alguma concordância com relação à causa do problema.
O setor público está apertando o cinto para valer. As despesas do governo central encontram-se congeladas desde janeiro de 2016 em termos reais. O crédito direcionado que, como se viu, foi alocado politicamente e não com o objetivo de bancar projetos lucrativos, está caindo como proporção do PIB há três anos.
Esses desdobramentos ajudam a entender o péssimo desempenho da economia no curto prazo, mas representam um ataque às origens da improdutividade. É lógico que a solução de todos os males não fica por aí, mas ao menos o dedo está sendo colocado na ferida. A reforma previdenciária vai progredindo e, quiçá, teremos até mesmo a tributária. Em breve o Banco Central baixará o juro. Parece um milagre diante da confusão de Brasília.
Esses fatos não garantem uma aceleração do crescimento digna do nome. Além disso, é sempre possível que os ventos mudem repentinamente. Vai saber, estamos no Brasil. Somos a nação da complacência, que toma calor do Peru com o jogo ganho. Os grupos organizados não entregarão as boquinhas sem brigar. Mas faz tempo que as chances de progresso não são tão favoráveis. Essa esperança não depende de uma crença tola na “fada da confiança” como dizem por aí. Deriva da constatação de que, finalmente, e talvez por falta de opção, a sociedade tenha começado a ver onde está a raiz do fracasso econômico.