Em educação, o Vietnã é aqui
PISA é um programa internacional de avaliação de estudantes que permite comparar os sistemas educacionais de uns 70 países a partir dos desempenhos de jovens de 15 anos em testes de ciências, matemática e leitura. A pesquisa é realizada a cada três anos e a última edição é de 2015. Em matéria de educação, pode-se […]
Publicado em 18 de setembro de 2017 às, 12h15.
Última atualização em 18 de setembro de 2017 às, 14h46.
PISA é um programa internacional de avaliação de estudantes que permite comparar os sistemas educacionais de uns 70 países a partir dos desempenhos de jovens de 15 anos em testes de ciências, matemática e leitura. A pesquisa é realizada a cada três anos e a última edição é de 2015. Em matéria de educação, pode-se dizer que é a principal referência. Consultei recentemente os dados para incluir em uma apresentação.
Meu objetivo era ilustrar a condição desastrosa da educação no Brasil, tarefa que não exige muito esforço: em 2015, os escores de nossos mancebos colocaram o Brasil na zona de rebaixamento, entre os dez países com a educação mais sofrível do planeta. Até aí, pouca novidade. O que acabou motivando a redação desse texto foi o resultado excepcional dos alunos vietnamitas, algo novo e surpreendente para mim.
O Vietnam tem uma história conflituosa. É extremamente corrupto, mais do que o Brasil – por incrível que possa parecer. O povo é oprimido e nunca experimentou a democracia. O vietnamita está longe de ser feliz. Vê a vida com satisfação inferior à média mundial, comparável ao julgamento feito pelos somalis, que habitam a nação mais corrupta do mundo. É muito pobre, com renda por habitante inferior à da Bolívia – e equivalente a 38% da brasileira.
O nome do país asiático remete ao horror e à loucura da guerra descrita nas memórias de Philip Caputo no excelente “A Rumor of War”. Uma estupidez ilimitada que inspirou o diretor Francis Coppola a transportar do Congo para lá o enredo do clássico de Joseph Conrad, “O Coração das Trevas”. Mesmo após o fim das hostilidades dramatizadas em Apocalypse Now, o país continuou metido em escaramuças com a Tailândia, Camboja, China e diversos grupos insurgentes. Para eles, desgraça pouca é bobagem.
Embalado por essas impressões, meu queixo bateu no chão quando constatei que o escore médio no PISA registrado pelos jovens vietnamitas sobrepujou o obtido pelos alunos do Reino Unido, Suécia, França e Estados Unidos. A renda média dos 20 países que superaram os asiáticos é oito vezes maior! A dos 20 países que ficaram logo atrás, seis vezes. Imagine o Catanduvense mandando bem na Champions League. É mais ou menos por aí.
A primeira figura no final ajuda a visualizar o prodígio. Ela mostra a relação existente entre o desempenho médio dos estudantes dos países que participaram do PISA e as respectivas rendas per capita em 2015 segundo dados do FMI. Conforme o que seria de se esperar, os países mais ricos tendem a ser mais bem educados. No entanto, o resultado apresentado pelo Vietnam, destacado em vermelho, representa o maior desvio em relação à expectativa de desempenho formada exclusivamente a partir da renda (retratada pela curva tracejada). A China também vai bem nesse quesito. O Catar é o exemplo negativo.
Recorri ao oráculo para obter mais informações. Segundo o diretor de educação da OCDE, Andreas Schleicher, o fenômeno vietnamita deve-se ao desenho de um curriculum eficiente e do compromisso do governo com uma estratégia de longo prazo para alavancar a educação, incluindo a preocupação com a formação dos professores.
Os educadores desenharam um programa básico focado não na cobertura enciclopédica e superficial de noções facilmente resgatáveis por meio de um smartphone. Ao invés disso, o sistema é baseado na fixação aprofundada de um número reduzido de conceitos essenciais e no desenvolvimento de habilidades a partir da aplicação desses conceitos em contextos distintos dos que foram usados para apresentá-los. Em poucas palavras, as crianças são treinadas a pensar. Se non è vero, è bem trovato.
Segundo dados da UNESCO, a educação realmente parece ser uma prioridade para o governo do Vietnam, que destina uma fatia equivalente a 18,5% de suas despesas totais à área. É bastante quando se compara com os EUA (13,3%) e com a Cingapura (20,0%), considerando que os jovens da admirável Cidade-Estado tiraram as melhores notas no PISA.
O investimento em educação como proporção do PIB também é elevado (5,7%), bem mais do que nos EUA (4,9%) e na Cingapura (2,9%). Em termos absolutos, no entanto, os números são menos impressionantes, algo que não chega a causar estranheza quando se considera a diferença cavalar de renda entre os países. O dispêndio público médio por aluno é mais de oito vezes maior nos EUA e na Cingapura, demostrando que, claramente, dinheiro não é tudo nesta frente de batalha.
O quadro não é totalmente belo – nem poderia. As pessoas com diploma universitário têm encontrado dificuldade em se empregar em suas respectivas áreas. Por ser um país muito pobre, a vantagem comparativa do Vietnam é fazer trabalhos menos complexos, com custo competitivo.
No entanto, outros países que conseguiram decolar para estágios de desenvolvimento mais elevados também formaram seus trabalhadores olhando para o futuro. Foi o caso em Cingapura, Coréia do Sul e Taiwan, que tiveram na população bem educada uma base sólida para a adoção de políticas desenvolvimentistas. Por este prisma, o desemprego maior entre os jovens mais qualificados não necessariamente sugere um prognóstico negativo para o futuro do Vietnam.
Um problema mais preocupante é o fato de que, nos estágios mais avançados, o governo não parece ser tão focado em qualidade quanto no ensino básico. Uma fatia elevada do tempo dos professores universitários parece ser torrada com proselitismo ideológico. Ao invés de mirar o desenvolvimento de raciocínio crítico e habilidades avançadas desde o início, os cursos superiores desperdiçam os primeiros anos louvando o líder revolucionário Ho Chi Minh, o marxismo e o partido. Por essa razão, muitas famílias fazem das tripas coração para mandar os jovens para universidades no exterior, Japão, por exemplo – lá, a educação é culturalmente valorizada.
O Vietnam não será um novo tigre asiático se não aparar estas arestas, mas há quem diga que o problema é conhecido, o que já é alguma coisa. Se a lucidez prevalecer e o governo aplicar no ensino superior critérios semelhantes aos adotados no ensino básico, o país continuará firme na rota impressionante de convergência das últimas décadas, como pode ser observado na segunda figura. Do fim da guerra ao início dos anos 90, a renda per capita vietnamita oscilou em torno de 4% da americana. De lá para cá, multiplicou-se por três, embalada pelo que eles chamam de “socialismo orientado pelo mercado” – sistema que tem aparência, consistência e cheiro de capitalismo com a grande vantagem de poder ser chamado de socialismo. Algo provavelmente melhor do que o “capitalismo orientado pelo governo” que temos por aqui. A literatura econômica sugere que a existência de educação de qualidade é essencial para alçar voos mais altos, encenando-se um futuro melhor para os sofridos vietnamitas.
O lado triste dessa história é constatar quão longe estamos de sair do atoleiro. O Brasil investe em educação uma proporção do PIB maior do que a do Vietnam e gasta quase três vezes mais por estudante. Ao contrário do país asiático, que consegue fazer muito com pouco, nossos alunos têm um desempenho significativamente pior do que o que seria de se esperar pela nossa renda e pelo montante de gastos. Nosso escore médio no PISA deveria ser 10% maior se os recursos fossem usados como na média dos outros países. E muita gente ainda acha que o problema se encontra na falta de dinheiro – consigo até entender a opinião dos oportunistas que enriquecem com o desperdício, mas é assustador constatar o número elevado de pessoas que realmente acreditam que a solução do problema da educação está simplesmente na destinação de mais verbas.
Ao contrário do Vietnam, a educação não é valorizada no Brasil. O brasileiro torce o nariz para a noção de meritocracia – inclusive professores, para quem a missão da escola é “formar cidadãos” e não ensinar matemática e português. Os alunos são bombardeados com discursos politicamente engajados de viés esquerdista, como demonstra o episódio vergonhoso da coleção “Nova História Crítica”, um amontoado de bobagens e simplificações grotescas e enviesadas aprovada pelo MEC e que vendeu 10 milhões de cópias há não muito tempo. O cérebro de cerca de 30 milhões de alunos brasileiros foi danificado por este exemplo de incompetência (ou pura maldade) – Conrad não chegou a conhecer o verdadeiro “horror” em suas andanças pelo Congo.
Não será surpresa se, daqui algumas décadas, a educação brasileira estiver ainda emaranhada no labirinto de mediocridade em que se encontra hoje e o país engolfado na “armadilha da renda média”, observando o Vietnam evoluir a passos rápidos para o primeiro mundo.