Dólar acima de R$ 5,00 antes da eleição faz sentido?
Apostar em uma disparada violenta da moeda americana neste momento parece ser ousado demais, apesar do cenário desafiador sobre a mesa
Publicado em 25 de junho de 2018 às, 15h17.
Última atualização em 25 de junho de 2018 às, 15h45.
A volatilidade recente dos mercados estimulou alguns analistas a imaginar o dólar superando a barreira dos 5,00 reais. Trata-se de cenário plausível por duas razões. Primeiro porque já estivemos lá. Corrigindo para os efeitos da inflação, o dólar custou mais do que isso em boa parte dos anos 1960, parte dos 1980 e no início dos 2000. Em 2002, por exemplo, viajamos para a Disney pagando mais de R$ 7,00 pela verdinha em moeda atual. Em segundo lugar, o país está desgovernado e completamente dividido às vésperas de eleições que definirão se a economia será tocada de acordo com o que funciona no mundo ou se embarcaremos novamente em uma aventura populista que terminará em inflação.
Os leitores dessa coluna sabem que não estou entre os mais otimistas com relação ao futuro do país no médio prazo e nunca comprei a história de que o brasileiro teria aprendido com a crise e provavelmente votaria com lucidez em outubro. Além disso, independentemente de quem venha a ganhar o páreo, creio que pastaremos por um bom tempo até entender coletivamente o que precisa ser feito para o país evoluir. Dito isso, apostar em uma disparada violenta do dólar neste momento parece ser ousado demais, apesar do cenário desafiador sobre a mesa. A hora de jogar as fichas na moeda americana sem medo de ser feliz passou. Agora é o momento da cautela.
Em um trabalho famoso dos anos 1980, os economistas Kenneth Rogoff e Richard Meese mostraram que o melhor método para prever taxas cambiais em horizontes curtos, digamos de um a dois anos, é chutar que elas valerão amanhã o mesmo que valem hoje. Não é preciso dizer que o resultado causou embaraço na profissão, pois reduziu o poder preditivo dos modelos apoiados na teoria a um jogo de cara ou coroa. No entanto, os autores simplesmente reafirmaram a inexistência de almoços grátis em mercados de ativos. É tão difícil projetar as variáveis que alimentam os modelos quanto o câmbio diretamente e, para piorar, as relações entre as variáveis mudam também de forma imprevisível. É claro que as moedas costumam caminhar para cima ou para baixo, mas os valores atuais são as melhores projeções porque os movimentos são aleatórios.
Essa doutrina é útil para avaliar a verossimilhança dos diversos palpites cambiais, especialmente os mais extremos. Supondo que o histórico de quase vinte anos de flutuações represente bem a frequência e a intensidade dos eventos que costumam fazer o dólar subir ou cair, é possível estimar decentemente o tamanho do intervalo que incluirá a taxa cambial em qualquer prazo com graus variados de precisão. Aceita a premissa, é fácil calcular, por exemplo, que o dólar valerá daqui a seis meses o preço atual mais ou menos 20 centavos com 50% de probabilidade, ou em bandas de 50 e 80 centavos para cada lado com 90% e 99% de probabilidade, respectivamente.
No momento em que digitava essa frase, o terminal da Bloomberg dizia que o dólar estava sendo vendido a R$ 3,75. Ao avaliar as chances dos eventos relevantes para o mercado, vendedores apostam na baixa, compradores na alta e só será possível saber quem acertará quando a “natureza” mostrar suas cartas – a única coisa que sabemos é que ninguém é pato. Seguindo o raciocínio do parágrafo anterior, se a distribuição das surpresas que atingiram o mercado desde 1999 servir de guia para avaliar o que vem por aí, o dólar valerá em dezembro algo entre 3,55 e 3,95 reais com 50% de chance, entre 3,25 e 4,25 reais com 90% e entre 2,95 e 4,55 reais com 99%.
Esse exercício simples indica, portanto, que o cenário de superação do patamar de 5,00 reais pressupõe implicitamente (i) que o mercado está bobeando espetacularmente e não enxerga a ocorrência iminente de um evento negativo improvável; ou (ii) que a frequência e intensidade das alavancas do dólar teria mudado para um regime mais turbulento do que no passado. Abrindo parênteses, não custa lembrar que as duas últimas décadas não foram propriamente tranquilas. Incluíram distúrbios como os ataques de 11 de setembro, o risco de que Lula não escreveria a carta aos brasileiros, a agradável surpresa quando ele se mostrou pragmático, a entrada da China na OMC e o “boom” das commodities, o estouro do Lehman Brothers, a crise europeia e a catástrofe produzida por Dilma. Ou seja, os intervalos acima levam em conta que a maré costuma mudar de forma violenta, de uma hora para outra. Fechando parênteses.
Se o Brasil fosse um país normal em que os candidatos à presidência não negassem a teoria econômica estabelecida, arriscaria afirmar que o cenário de dólar acima de 5,00 reais seria impossível nas circunstâncias atuais. A posição das contas externas está tão confortável que o Banco Central consegue conter uma corrida contra a moeda operando com derivativos denominados em reais, algo que é simplesmente um luxo em mercados emergentes. O problema é que o Brasil não é um país normal e uma das formas de colher os votos da ala “progressista” é prometer usar irresponsavelmente as reservas internacionais, mexendo no único pilar que sobreviveu à destruição perpetrada pela Nova Matriz Econômica. Diante dessa possibilidade, ninguém deverá ficar surpreso se, de fato, o dólar alçar a estratosfera no caso de elegermos um candidato “desenvolvimentista”.
A possibilidade de tropeço em outubro é alta, mas é possível afirmar o risco está no preço agora. Façamos uma conta de padaria. São cinco os principais candidatos a ocupar o Palácio da Alvorada. Como o mercado caiu na real e descobriu que a disputa encontra-se indefinida, uma aproximação razoável é supor que os preços praticados no mercado reflitam o cenário em que cada um dos candidatos tem 20% de chance de ganhar. Nenhum é a oitava maravilha, mas um deles claramente tenderá a fazer escolhas de forma sensata, olhando para o que dá certo no resto do mundo. Vamos usar a letra A para denominar esse candidato. A qualidade das políticas de B, C, etc. é muito variada e, seguramente, menos previsível. Sendo assim, o mercado tende a ver esses candidatos com mais desconfiança.
É quase impossível estimar para onde irá o dólar se um maluco ganhar, mas é menos difícil palpitar se o candidato A tiver êxito. Olhando o descolamento recente do real em relação a moedas que costumam oscilar de forma semelhante, o preço do dólar deverá cair para R$ 3,35 se o bom senso triunfar em outubro. Chego a esse valor supondo retorno ao valor médio registrado contra os nossos pares desde 2016. O resultado é parecido em exercícios que supõem uma normalização do prêmio de risco (que subiu com força recentemente). Não há a menor dúvida de que o alívio será grande se a sorte estiver do lado do Brasil.
Se essa e as demais hipóteses estiverem certas, é simples deduzir matematicamente o que está na cabeça do mercado se A perder, evento que tem 80% de chance de se concretizar. Deixo para o leitor se convencer que o número mágico é R$ 3,85. Resumindo, o patamar atual do câmbio representa uma média ponderada do cenário de vitória de A com 20% e de derrota com 80% nos quais, respectivamente, o dólar será negociado a 3,35 e 3,85 reais.
Note-se que o salto de 3,75 para 3,85 reais (em média) esperado no caso de um resultado desfavorável é moderado. Não poderia ser diferente porque o ajuste das últimas semanas ocorreu exatamente porque os agentes se deram conta de que a vaca está indo para o brejo. É verdade que o grupo alternativo é bastante heterogêneo, incluindo desde candidatos claramente incapazes e vigaristas a gente que parece ser bem intencionada e lúcida. Ou seja, a variância em torno dos 3,85 reais tende a ser razoável, mas o ponto é que o princípio de Meese-Rogoff, que atribui 95% de chance de o dólar se situar abaixo de 4,25 reais parece cobrir as hipóteses piores.
Explorando um pouco mais o cenário eleitoral, parece que o mercado migrou de um extremo ao outro quando a ficha de que o cenário político estava indefinido caiu. Gente que achava que A era favorito há dois meses agora diz que ele é carta fora do baralho. Isso é um erro porque a força de sua campanha só poderá ser medida após a veiculação da propaganda gratuita na TV, lembrando que ele disputará com a coalizão que terá mais tempo. Certamente subirá nas pesquisas. Apesar de insípido e convencional na superfície, é muito eficiente e implacável no jogo dos bastidores. Sua tarefa é dificílima, mas o jogo não acabou.
É fundamental também evitar o equívoco de subestimar a capacidade que B e C têm de falar bobagens, como se viu na semana passada. Além disso, o grupo alternativo inclui gente lúcida que sabe avaliar o despautério de Dilma e que, se ganhar, tenderá a usar a cartilha. Ainda, é possível que pelo menos um dentre os mais tresloucados esteja apenas exagerando no teor das asneiras para atrair a ala “progressista”. Admito que a possibilidade de um estelionato estratégico seja difícil de comprar, mas é inegável que a melhor forma de garantir o voto da esquerda é concatenar um plano consistente para arruinar a vida do povão, quebrando o país – o político em questão, que é tudo menos burro, sabe disso.
Concluindo, apostar em dólar a 5,00 reais no final do ano pode fazer sentido para quem tiver certeza que a eleição produzirá um resultado desastroso. Felizmente, no entanto, o traço que define as sociedades que costumeiramente optam pelo atraso é a aleatoriedade de suas escolhas. Se não fosse assim, não teríamos escolhido o time competente que arrumou a casa em meados dos anos 90 no meio de um cenário externo hostil, abrindo espaço para a farra que veio depois. É claro que ninguém empobrece apostando no triunfo da insensatez, mas prudência também ajuda.