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Crescimento mundial deve surpreender positivamente com avanço da vacinação

A premissa essencial é que as variações de mobilidade afetam as economias dos países com a mesma intensidade

Covax Facility: acordo internacional organizado pela Organização Mundial da Saúde para que os países tenham acesso a novos imunizantes contra covid-19 (Gonzalo Fuentes/Reuters)
Covax Facility: acordo internacional organizado pela Organização Mundial da Saúde para que os países tenham acesso a novos imunizantes contra covid-19 (Gonzalo Fuentes/Reuters)
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Celso Toledo

Publicado em 25 de fevereiro de 2021 às, 12h20.

A atividade econômica (PIB) é normalmente associada à movimentação das pessoas. Sempre foi assim, mas, após as restrições impostas pela pandemia, as duas coisas praticamente viraram sinônimos. Dessa forma, Apple, Google, Moovit, Waze etc., passaram a disponibilizar dados de acessos, permitindo a análise dos padrões existentes entre deslocamentos e produção.

As informações sobre mobilidade começaram a ser divulgadas diariamente no começo do ano passado. Os números do PIB, no entanto, além de trimestrais, demoram para serem conhecidos – muitos países, Brasil inclusive, não divulgaram dados referentes ao quarto trimestre de 2020. Ou seja, abundam informações de um tipo, mas faltam do outro.

Um caminho para superar a escassez de dados, seja por históricos curtos, seja por divulgação infrequente, é adotar a hipótese de que a mobilidade afeta o PIB de modo parecido em todos os lugares e ver se a realidade corrobora a premissa. Seguindo a última moda entre os economistas, fiz as minhas contas nesse carnaval – além, é claro, de assistir o BBB21.

Parti de uma amostra de 53 países que, juntos, representam 85% do PIB mundial. As informações sobre mobilidade por modo e destino são disponíveis para quase todos, sendo a China a omissão mais importante. No tocante ao PIB, os dados são completos até o terceiro trimestre e, para 20 países, até o quarto. Apesar das lacunas, a amostra é decente, com 177 observações.

A premissa essencial é que as variações de mobilidade afetam as economias dos países com a mesma intensidade, possivelmente de forma distribuída no tempo, a menos de características particulares e imutáveis de cada nação, doravante tratadas pelo apelido de “efeitos fixos”.

É fácil entender o que são esses efeitos. Tome-se, por exemplo, o caso do Brasil que, por ser um país emergente, deveria crescer mais do que nações desenvolvidas. Isso não ocorre por questões arraigadas, como a qualidade sofrível da educação, a tributação excessiva e mal distribuída, o Estado inchado, ineficiente e corrupto, enfim, a cantilena de sempre.

É certo que essas características deprimem o dinamismo do país, mas elas não mudam da noite para o dia. Há também razões circunstanciais que acabam entrando na conta dos efeitos fixos simplesmente porque não são consideradas explicitamente. Por exemplo, a generosidade dos auxílios emergenciais variou bastante entre os países e eles têm, obviamente, impactos tanto sobre a mobilidade quanto sobre a economia.

Rodando a tralha estatística, é possível explicar quase toda a saga econômica de 2020 a partir de uma equação trivial em que a variação contemporânea do PIB de cada país depende da observada no passado recente acrescida de uma fatia da variação da mobilidade – além, é claro, dos efeitos fixos de cada país. Mais precisamente, 75% dos vaivéns da mobilidade batem instantaneamente no PIB e um restinho do efeito se espalha pelos trimestres subsequentes.

A título de curiosidade, a equação retratou muito bem a evolução do PIB do Brasil. As taxas de crescimento estimadas para o primeiro, segundo e terceiro trimestres de 2020 foram de ‑1,3%, ‑9,2% e +7,2%, respectivamente, bem próximas das efetivamente registradas: -1,5%, ‑9,6% e +7,7%. Mas, apesar de ter praticamente cravado o desempenho tupiniquim, é melhor usar o modelo para analisar o PIB agregado de todos os países, pois os erros para mais em alguns casos são compensados por desvios para menos em outros.

Para que o modelo não se limite a “explicar burro a partir de patas de burro”, lembrando a máxima de um dos mestres que me ensinaram o ofício, é preciso entender as variações da mobilidade. Há dois determinantes principais: (i) a evolução da pandemia e (ii) a adoção de medidas de distanciamento. A melhor estatística para acompanhar o avanço da COVID-19 é a variação de mortos e um time de pesquisadores de Oxford disponibiliza diariamente um índice de rigor das medidas de distanciamento adotadas no mundo.

O resultado é um trem que liga mortes, distanciamento, mobilidade e PIB. Funciona assim: (i) a natureza designa o rumo da pandemia, (ii) os governos reagem com medidas de distanciamento que controlam o avanço do vírus, mas prejudicam a mobilidade e (iii) esta determina o PIB. Os dois primeiros vagões são menos precisos do que a relação entre mobilidade e economia. Não surpreende, pois a sensibilidade dos governos às mortes é heterogênea e, da mesma forma, há populações mais e menos propensas a aderir às políticas de distanciamento.

Por incrível que pareça, simulações a partir dos parâmetros encontrados sugerem certo otimismo com relação ao crescimento mundial no futuro próximo. Se as relações do passado permanecerem válidas por um tempo, o modelo prevê crescimento no primeiro semestre de 2021 maior do que o atualmente esperado pela agregação dos consensos entre economistas, mesmo na hipótese extrema e claramente irrealista de estabilidade do número de novas mortes.

Provavelmente, boa parte da população mundial deverá estar imunizada daqui uns meses e isso tenderá a ter, naturalmente, um efeito expressivo na atividade dos serviços que hoje estão praticamente parados. Apesar da queda de mobilidade “contratada” para o primeiro trimestre, o modelo prevê retomada forte no segundo, com impacto relevante sobre a atividade. Isso é meio óbvio, mas o legal desses exercícios é por números na história.

Por exemplo, se o total de novas mortes cair no segundo trimestre para dois terços do previsto para o primeiro trimestre em todos os países (com base em dados até meados de fevereiro), o volume de produção mundial do segundo trimestre pode ser 1,5% maior que o atualmente projetado pela profissão. Parece pouco, mas não é. A diferença anualizada é quase igual ao valor de tudo o que o Brasil produz em um ano.

É evidente que um modelito simplório e agregado não pode ser levado totalmente a ferro e fogo. Mesmo que pudesse, o crescimento econômico tenderá a evoluir de forma heterogênea no mundo. O sucesso depende da imunização das pessoas, do controle da pandemia e dos impactos disso sobre a confiança das famílias e empresas. A agressividade da segunda onda dá medo e as variantes idem. Além disso, é sempre bom manter um pé atrás, especialmente em lugares onde existe base para duvidar da competência dos governos.

Feitas as ressalvas de praxe, os números sugerem que os efeitos agregados da crescente imunização num contexto em que praticamente todos os governos estimulam suas economias podem estar sendo subestimados. O mundo, que já está bombando, pode bombar bem mais quando as amarras começarem a ser retiradas. Nesse sentido, os mercados de ativos parecem refletir melhor a realidade do que as projeções econômicas. Do lado negativo, o tema da inflação deve ganhar cada vez mais destaque.