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Como entender o Banco Central?

Não seria de se esperar uma postura um pouco mais ativa do Banco Central (BC) diante de todas as evidências sugerindo que a nau está fazendo água? Esta é uma das perguntas que não querem calar nestes dias carregados. A questão é bem mais complicada do que parece à primeira vista e é possível que […]

Banco Central: Ritmo de corte da Selic é reduzido (Ueslei Marcelino/Reuters)
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Da Redação

Publicado em 5 de dezembro de 2016 às 11h21.

Última atualização em 22 de junho de 2017 às 18h06.

Não seria de se esperar uma postura um pouco mais ativa do Banco Central (BC) diante de todas as evidências sugerindo que a nau está fazendo água? Esta é uma das perguntas que não querem calar nestes dias carregados. A questão é bem mais complicada do que parece à primeira vista e é possível que uma maior agressividade na condução da política monetária seja um tiro no pé. Ainda assim, as circunstâncias lastimáveis justificam o risco. Se não, vejamos.

O BC não faz milagres. Seu principal papel é controlar a inflação que, como se sabe, tem registrado valores elevados no Brasil. Entre 2013 e 2015, o dragão deitou e rolou por aqui – apenas 15% dos países registraram inflação superior à nossa. Refiro-me a lugares miseráveis, conflituosos, sujeitos a sanções, bolivarianos, etc. Fazemos parte de um seleto clube que inclui, por exemplo, Argentina, Irã, Malawi, Serra Leoa, Ucrânia e Venezuela. Não é fácil.

A inflação é um problema que afeta perversamente as camadas menos protegidas da sociedade. No frigir dos ovos, tem origem em uma deficiência crônica de poupança. Mais recentemente, a mazela voltou a adquirir vida própria como resposta às barbeiragens perpetradas sob a égide da Nova Matriz Econômica – o desastre que o país tenta superar.

O controle da inflação depende de um ajuste fiscal consistente e longevo porque apenas o governo é capaz de elevar a poupança nacional. O setor privado pode até ser levado à beira do rio, mas ninguém pode obrigá-lo a beber água. O juro, que parece “elevado demais”, reflete o déficit de poupança. Todas as experiências que tentaram subverter a ordem das coisas apenas ajudaram a enrolar mais o novelo que tem sufocado a nação.

Enquanto o governo procura aos trancos e barrancos avançar reformas para ajustar as contas públicas, atacando corretamente o cerne da questão, cabe ao BC fazer a economia operar dentro dos limites. Deve-se, portanto, comemorar o fato de que a autoridade monetária está focada em trazer a inflação novamente para a meta. Sabia-se que a conta encomendada pelos desmandos dos últimos anos seria elevada e é injusto neste momento atribuir a fatura ao BC.

Como colocar o trem nos trilhos?

No curto prazo, a inflação depende de quatro ingredientes: (i) “choques”, (ii) ociosidade, (iii) inércia e (iv) expectativas. Os “choques” referem-se às variações de preços relativos derivadas de oscilações cambiais, de preços de commodities e de tarifas fixadas pelo governo. A ociosidade determina como os “choques” são transmitidos para os demais preços da economia. A inércia e as expectativas retratam, respectivamente, os papéis da história e do futuro na explicação da inflação corrente.

O BC não tem muito que fazer a respeito dos “choques” a não ser cuidar para que eles não se transmitam com facilidade aos demais preços. Como? Por meio da política monetária, que regula tanto o uso dos recursos produtivos quanto as expectativas de inflação – o segundo e o quarto componentes. Os juros são elevados para induzir a formação de ociosidades e cristalizar a mensagem de que a meta de inflação é para valer. Quando o BC consegue passar segurança de que os desvios da inflação em relação ao objetivo de médio prazo serão temporários, a meta de inflação paulatinamente substitui a inflação passada na determinação dos preços.

É justamente na transição de um sistema fortemente inercial, que olha para trás, para um sistema em que a meta é a melhor referência para a inflação que reside o principal nó. Em tese, o BC consegue “quebrar” a inércia praticando uma política monetária dura. O problema é que o custo aumenta exponencialmente quando a inércia está enraizada firmemente.

Infelizmente esse é o nosso caso – fruto de um histórico de inflação alta e do gosto que os governos têm de repetir equívocos. Basta constatar que diante da maior recessão da história do país, com a taxa de desemprego rumando para 13%, os salários de admissão no mercado formal de trabalho têm aumentado 8% ao ano. Para quanto terá que ir o desemprego para reduzir esse ritmo pela metade?

Se não houvesse restrições, a resposta para o dilema seria endurecer ainda mais a política monetária levando, digamos, o juro e o desemprego para 20% até romper o vínculo da inflação corrente com o passado. Essa terapia geraria custos sociais elevados no curto prazo que teriam que ser minimizados por outras políticas. Apesar disso, no final, é o caminho de menor sofrimento no longo prazo porque todos ganham com uma economia estabilizada.

No entanto, há restrições à promoção de uma política monetária capaz de “quebrar” a inércia com rapidez. A situação do crédito está estressada não apenas pelo ciclo econômico adverso, mas pela derrocada das empreiteiras e dos investimentos improdutivos realizados durante a farra dos últimos anos. Além do mais, a solvência do governo encontra-se na berlinda. Não está muito longe o ponto em que o juro elevado passa a ter efeito oposto ao desejado ao induzir os investidores a desconfiarem da capacidade de pagamento do governo.

A escolha não é fácil. Olhando o imbróglio de forma holística, não apenas com base no manual de política monetária, desconfio ser o caso de aceitar que a inflação convirja um pouco mais lentamente à meta para evitar o risco de torcer demasiadamente o parafuso. É uma opção ruim, mas a alternativa parece ser pior. O BC deixou de classificar uma projeção de inflação de 4,7% como sendo “acima da meta”. Saberemos em breve o que isso quer dizer.

celsonovo

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Não seria de se esperar uma postura um pouco mais ativa do Banco Central (BC) diante de todas as evidências sugerindo que a nau está fazendo água? Esta é uma das perguntas que não querem calar nestes dias carregados. A questão é bem mais complicada do que parece à primeira vista e é possível que uma maior agressividade na condução da política monetária seja um tiro no pé. Ainda assim, as circunstâncias lastimáveis justificam o risco. Se não, vejamos.

O BC não faz milagres. Seu principal papel é controlar a inflação que, como se sabe, tem registrado valores elevados no Brasil. Entre 2013 e 2015, o dragão deitou e rolou por aqui – apenas 15% dos países registraram inflação superior à nossa. Refiro-me a lugares miseráveis, conflituosos, sujeitos a sanções, bolivarianos, etc. Fazemos parte de um seleto clube que inclui, por exemplo, Argentina, Irã, Malawi, Serra Leoa, Ucrânia e Venezuela. Não é fácil.

A inflação é um problema que afeta perversamente as camadas menos protegidas da sociedade. No frigir dos ovos, tem origem em uma deficiência crônica de poupança. Mais recentemente, a mazela voltou a adquirir vida própria como resposta às barbeiragens perpetradas sob a égide da Nova Matriz Econômica – o desastre que o país tenta superar.

O controle da inflação depende de um ajuste fiscal consistente e longevo porque apenas o governo é capaz de elevar a poupança nacional. O setor privado pode até ser levado à beira do rio, mas ninguém pode obrigá-lo a beber água. O juro, que parece “elevado demais”, reflete o déficit de poupança. Todas as experiências que tentaram subverter a ordem das coisas apenas ajudaram a enrolar mais o novelo que tem sufocado a nação.

Enquanto o governo procura aos trancos e barrancos avançar reformas para ajustar as contas públicas, atacando corretamente o cerne da questão, cabe ao BC fazer a economia operar dentro dos limites. Deve-se, portanto, comemorar o fato de que a autoridade monetária está focada em trazer a inflação novamente para a meta. Sabia-se que a conta encomendada pelos desmandos dos últimos anos seria elevada e é injusto neste momento atribuir a fatura ao BC.

Como colocar o trem nos trilhos?

No curto prazo, a inflação depende de quatro ingredientes: (i) “choques”, (ii) ociosidade, (iii) inércia e (iv) expectativas. Os “choques” referem-se às variações de preços relativos derivadas de oscilações cambiais, de preços de commodities e de tarifas fixadas pelo governo. A ociosidade determina como os “choques” são transmitidos para os demais preços da economia. A inércia e as expectativas retratam, respectivamente, os papéis da história e do futuro na explicação da inflação corrente.

O BC não tem muito que fazer a respeito dos “choques” a não ser cuidar para que eles não se transmitam com facilidade aos demais preços. Como? Por meio da política monetária, que regula tanto o uso dos recursos produtivos quanto as expectativas de inflação – o segundo e o quarto componentes. Os juros são elevados para induzir a formação de ociosidades e cristalizar a mensagem de que a meta de inflação é para valer. Quando o BC consegue passar segurança de que os desvios da inflação em relação ao objetivo de médio prazo serão temporários, a meta de inflação paulatinamente substitui a inflação passada na determinação dos preços.

É justamente na transição de um sistema fortemente inercial, que olha para trás, para um sistema em que a meta é a melhor referência para a inflação que reside o principal nó. Em tese, o BC consegue “quebrar” a inércia praticando uma política monetária dura. O problema é que o custo aumenta exponencialmente quando a inércia está enraizada firmemente.

Infelizmente esse é o nosso caso – fruto de um histórico de inflação alta e do gosto que os governos têm de repetir equívocos. Basta constatar que diante da maior recessão da história do país, com a taxa de desemprego rumando para 13%, os salários de admissão no mercado formal de trabalho têm aumentado 8% ao ano. Para quanto terá que ir o desemprego para reduzir esse ritmo pela metade?

Se não houvesse restrições, a resposta para o dilema seria endurecer ainda mais a política monetária levando, digamos, o juro e o desemprego para 20% até romper o vínculo da inflação corrente com o passado. Essa terapia geraria custos sociais elevados no curto prazo que teriam que ser minimizados por outras políticas. Apesar disso, no final, é o caminho de menor sofrimento no longo prazo porque todos ganham com uma economia estabilizada.

No entanto, há restrições à promoção de uma política monetária capaz de “quebrar” a inércia com rapidez. A situação do crédito está estressada não apenas pelo ciclo econômico adverso, mas pela derrocada das empreiteiras e dos investimentos improdutivos realizados durante a farra dos últimos anos. Além do mais, a solvência do governo encontra-se na berlinda. Não está muito longe o ponto em que o juro elevado passa a ter efeito oposto ao desejado ao induzir os investidores a desconfiarem da capacidade de pagamento do governo.

A escolha não é fácil. Olhando o imbróglio de forma holística, não apenas com base no manual de política monetária, desconfio ser o caso de aceitar que a inflação convirja um pouco mais lentamente à meta para evitar o risco de torcer demasiadamente o parafuso. É uma opção ruim, mas a alternativa parece ser pior. O BC deixou de classificar uma projeção de inflação de 4,7% como sendo “acima da meta”. Saberemos em breve o que isso quer dizer.

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