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Coisas fora do lugar nos EUA e na China

Há tempo que o ambiente externo não tem ares tão favoráveis. O FMI e grande parte da torcida vinham sistematicamente subestimando a atividade econômica global nos últimos anos. Recentemente, contudo, o tom mudou. O Fundo revisou para cima os prospectos para os principais países na última edição do World Economic Outlook – o crescimento do […]

JANET YELLEN, PRESIDENTE DO FED: se o passado serve de guia, no entanto, as duas maiores economias deverão passar por ajustes que cedo ou tarde trarão volatilidades ao cenário / Chip Somodevilla/Getty Images
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Da Redação

Publicado em 12 de junho de 2017 às 11h40.

Última atualização em 22 de junho de 2017 às 18h01.

Há tempo que o ambiente externo não tem ares tão favoráveis. O FMI e grande parte da torcida vinham sistematicamente subestimando a atividade econômica global nos últimos anos. Recentemente, contudo, o tom mudou. O Fundo revisou para cima os prospectos para os principais países na última edição do World Economic Outlook – o crescimento do PIB mundial deverá apresentar aceleração relevante, passando de 3,1% em 2016 para 3,5% em 2017. Pelo andar da carruagem, talvez até um pouco mais.

Além disso, a farta liquidez global e a predominância de políticas fiscais menos restritivas nos países desenvolvidos têm turbinado o apetite ao risco dos agentes. As principais bolsas mundiais vêm subindo festivamente, com destaque para a alta acumulada de mais de 17% do índice Nasdaq no ano. Os juros de longo prazo estão baixos e os termômetros de volatilidade registram os menores patamares desde a crise financeira.

Isso é muito bom para atenuar os efeitos dos impasses domésticos que, sem dúvida, causam a maior parte das dores de cabeça do leitor. Mas não custa lembrar que há coisas esquisitas fora das fronteiras, particularmente nos EUA e na China.

A situação política americana fica mais turva a cada dia. A taxa de desaprovação de Donald Trump não é estatisticamente diferente de 60%, patamar muito superior ao normal para tão pouco tempo de mandato – a desaprovação média dos presidentes após 1945 foi um pouco menor do que 25%. Em uma pesquisa recente do Wall Street Journal com economistas, mais da metade respondeu que já não incorpora mais estímulos fiscais relevantes em suas projeções. Como alguém com o temperamento de Trump reagirá a esse descrédito com um mandato pela frente?

Há dilemas econômicos correndo ao lado da situação política complicada. De acordo com algumas medidas, a ociosidade no mercado de trabalho chegou ao fim. A taxa de desemprego foi 4,3% em maio, resultado indubitavelmente positivo. Mas este nível é inferior ao que, em tese, é neutro em termos da inflação – 4,8%, segundo estimativas do FED. A prova do pudim, evidentemente, é o comportamento da própria taxa de inflação, que por ora está adormecida. Além disso, estimativas da taxa “natural” de desemprego são imprecisas. Ainda assim, a variação do custo trabalho vem descrevendo uma trajetória lentamente ascendente que, se continuar, ultrapassará em poucos meses o ritmo que vigorava antes da crise.

Neste contexto incerto, o FED vem sinalizando a necessidade de continuar subindo o juro, de forma lenta, gradual e segura. O mercado dá como certa uma elevação nesta quarta, mas o próximo passo ainda é dúvida. A grande maioria dos economistas segue a diretriz da autoridade monetária, projetando ajuste em setembro, mas há bastante gente achando que, se de fato vier, ele ocorrerá apenas em dezembro.

No geral, o FED tem superestimado a evolução da inflação e do juro. O mercado, vacinado, duvida de suas diretrizes. Para o final de 2018, por exemplo, há uma diferença de 75 pontos de porcentagem entre a indicação do FED (e previsões de economistas) e os preços de mercado. Esta discrepância é uma fonte potencial de volatilidades, especialmente se for resolvida a favor do FED. É verdade que a economia tem funcionado de forma bizarra e isso pode continuar por um tempo, mas é de bom alvitre estar preparado para o cenário em que as coisas voltam ao normal. Se isso ocorrer, o juro subirá mais do que o mercado espera.

Há coisas inusitadas ocorrendo também no lado real da economia. Tipicamente, a produtividade do trabalho costuma aumentar nas retomadas – o que, no final das contas, acaba dando a deixa para as empresas contratarem mais gente. Não é o que está ocorrendo. Apesar de o mercado de trabalho operar acima do que teoricamente é sua capacidade normal, a produtividade tem crescido bem menos do que a média dos últimos anos.

Pelas minhas contas, se a produtividade continuar se expandindo no ritmo recente, a expansão da economia americana será mais próxima de 1,5% ao ano nos próximos anos do que o consenso entre 2,0% e 2,5% esperados consensualmente. Aqui também tudo pode acontecer, até porque a produtividade costuma descrever movimentos erráticos. No entanto, os desequilíbrios existentes sugerem que não é totalmente implausível a ocorrência simultânea de duas surpresas desagradáveis: inflação e juros maiores aliados a crescimento menor do que o projetado.

A China também é fonte de preocupação apesar de, recentemente, ter desempenhado relativamente bem. Não se pode levar a ferro e fogo o que os dados dizem, mas a produção industrial registrou no trimestre encerrado em abril o maior crescimento desde meados de 2014 (contra o trimestre imediatamente anterior). Um belo registro para quem há pouco tinha como prioridade “rebalancear” a economia.

A interpretação mais comum para este novo despertar é o desejo do governo de evitar marolas antes do congresso do Partido Comunista aguardado para o final do ano. O objetivo maior de ajustar a economia, que necessariamente reduzirá o crescimento, teria sido empurrado com a barriga e o governo estaria pisando de novo no acelerador.

O setor de construção é um bom exemplo. Com os estímulos recentes, as vendas de imóveis atingiram os mesmos patamares inflados observados no Japão no período anterior ao estouro da bolha imobiliária que se verificou lá – já fazendo os ajustes para a diferença de tamanho dos países. Apesar das vendas avolumadas, os estoques existentes não estão caindo porque os lançamentos seguem a todo vapor. A produção de cimento por habitante é 25% superior ao pico registrado na Coréia do Sul antes da crise asiática – lembrando que este é o país mais “viciado” em cimento da região. Não são números que trazem conforto.

A história do setor de construção é parecida com a de outros segmentos industriais que têm crescido com baixa produtividade, rebocados por doses elevadas de estímulos – haja vista os problemas que têm pipocado no mercado de crédito, o outro lado da mesma moeda. Quando o governo voltar a puxar as rédeas, encontrará um cavalo galopando em velocidade bem maior do que a sustentável, aumentando o risco de tropeços.

O mundo vai bem e o cenário mais natural é que as coisas continuem assim por um tempo. Se o passado serve de guia, no entanto, as duas maiores economias deverão passar por ajustes que cedo ou tarde trarão volatilidades ao cenário.

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Há tempo que o ambiente externo não tem ares tão favoráveis. O FMI e grande parte da torcida vinham sistematicamente subestimando a atividade econômica global nos últimos anos. Recentemente, contudo, o tom mudou. O Fundo revisou para cima os prospectos para os principais países na última edição do World Economic Outlook – o crescimento do PIB mundial deverá apresentar aceleração relevante, passando de 3,1% em 2016 para 3,5% em 2017. Pelo andar da carruagem, talvez até um pouco mais.

Além disso, a farta liquidez global e a predominância de políticas fiscais menos restritivas nos países desenvolvidos têm turbinado o apetite ao risco dos agentes. As principais bolsas mundiais vêm subindo festivamente, com destaque para a alta acumulada de mais de 17% do índice Nasdaq no ano. Os juros de longo prazo estão baixos e os termômetros de volatilidade registram os menores patamares desde a crise financeira.

Isso é muito bom para atenuar os efeitos dos impasses domésticos que, sem dúvida, causam a maior parte das dores de cabeça do leitor. Mas não custa lembrar que há coisas esquisitas fora das fronteiras, particularmente nos EUA e na China.

A situação política americana fica mais turva a cada dia. A taxa de desaprovação de Donald Trump não é estatisticamente diferente de 60%, patamar muito superior ao normal para tão pouco tempo de mandato – a desaprovação média dos presidentes após 1945 foi um pouco menor do que 25%. Em uma pesquisa recente do Wall Street Journal com economistas, mais da metade respondeu que já não incorpora mais estímulos fiscais relevantes em suas projeções. Como alguém com o temperamento de Trump reagirá a esse descrédito com um mandato pela frente?

Há dilemas econômicos correndo ao lado da situação política complicada. De acordo com algumas medidas, a ociosidade no mercado de trabalho chegou ao fim. A taxa de desemprego foi 4,3% em maio, resultado indubitavelmente positivo. Mas este nível é inferior ao que, em tese, é neutro em termos da inflação – 4,8%, segundo estimativas do FED. A prova do pudim, evidentemente, é o comportamento da própria taxa de inflação, que por ora está adormecida. Além disso, estimativas da taxa “natural” de desemprego são imprecisas. Ainda assim, a variação do custo trabalho vem descrevendo uma trajetória lentamente ascendente que, se continuar, ultrapassará em poucos meses o ritmo que vigorava antes da crise.

Neste contexto incerto, o FED vem sinalizando a necessidade de continuar subindo o juro, de forma lenta, gradual e segura. O mercado dá como certa uma elevação nesta quarta, mas o próximo passo ainda é dúvida. A grande maioria dos economistas segue a diretriz da autoridade monetária, projetando ajuste em setembro, mas há bastante gente achando que, se de fato vier, ele ocorrerá apenas em dezembro.

No geral, o FED tem superestimado a evolução da inflação e do juro. O mercado, vacinado, duvida de suas diretrizes. Para o final de 2018, por exemplo, há uma diferença de 75 pontos de porcentagem entre a indicação do FED (e previsões de economistas) e os preços de mercado. Esta discrepância é uma fonte potencial de volatilidades, especialmente se for resolvida a favor do FED. É verdade que a economia tem funcionado de forma bizarra e isso pode continuar por um tempo, mas é de bom alvitre estar preparado para o cenário em que as coisas voltam ao normal. Se isso ocorrer, o juro subirá mais do que o mercado espera.

Há coisas inusitadas ocorrendo também no lado real da economia. Tipicamente, a produtividade do trabalho costuma aumentar nas retomadas – o que, no final das contas, acaba dando a deixa para as empresas contratarem mais gente. Não é o que está ocorrendo. Apesar de o mercado de trabalho operar acima do que teoricamente é sua capacidade normal, a produtividade tem crescido bem menos do que a média dos últimos anos.

Pelas minhas contas, se a produtividade continuar se expandindo no ritmo recente, a expansão da economia americana será mais próxima de 1,5% ao ano nos próximos anos do que o consenso entre 2,0% e 2,5% esperados consensualmente. Aqui também tudo pode acontecer, até porque a produtividade costuma descrever movimentos erráticos. No entanto, os desequilíbrios existentes sugerem que não é totalmente implausível a ocorrência simultânea de duas surpresas desagradáveis: inflação e juros maiores aliados a crescimento menor do que o projetado.

A China também é fonte de preocupação apesar de, recentemente, ter desempenhado relativamente bem. Não se pode levar a ferro e fogo o que os dados dizem, mas a produção industrial registrou no trimestre encerrado em abril o maior crescimento desde meados de 2014 (contra o trimestre imediatamente anterior). Um belo registro para quem há pouco tinha como prioridade “rebalancear” a economia.

A interpretação mais comum para este novo despertar é o desejo do governo de evitar marolas antes do congresso do Partido Comunista aguardado para o final do ano. O objetivo maior de ajustar a economia, que necessariamente reduzirá o crescimento, teria sido empurrado com a barriga e o governo estaria pisando de novo no acelerador.

O setor de construção é um bom exemplo. Com os estímulos recentes, as vendas de imóveis atingiram os mesmos patamares inflados observados no Japão no período anterior ao estouro da bolha imobiliária que se verificou lá – já fazendo os ajustes para a diferença de tamanho dos países. Apesar das vendas avolumadas, os estoques existentes não estão caindo porque os lançamentos seguem a todo vapor. A produção de cimento por habitante é 25% superior ao pico registrado na Coréia do Sul antes da crise asiática – lembrando que este é o país mais “viciado” em cimento da região. Não são números que trazem conforto.

A história do setor de construção é parecida com a de outros segmentos industriais que têm crescido com baixa produtividade, rebocados por doses elevadas de estímulos – haja vista os problemas que têm pipocado no mercado de crédito, o outro lado da mesma moeda. Quando o governo voltar a puxar as rédeas, encontrará um cavalo galopando em velocidade bem maior do que a sustentável, aumentando o risco de tropeços.

O mundo vai bem e o cenário mais natural é que as coisas continuem assim por um tempo. Se o passado serve de guia, no entanto, as duas maiores economias deverão passar por ajustes que cedo ou tarde trarão volatilidades ao cenário.

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