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Cautela é bom, mas o juro parece alto para as condições atuais

Se o crescimento não estivesse decepcionando tanto, a cautela seria mesmo a melhor terapia. Mas esse não é o caso

Banco Central: Autonomia do BC será votada nesta terça pela Câmara (//Getty Images)
Banco Central: Autonomia do BC será votada nesta terça pela Câmara (//Getty Images)
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Celso Toledo

Publicado em 27 de março de 2019 às, 11h49.

Na estreia de Roberto Campos Neto, o Banco Central (BC) manteve a taxa básica de juros (Selic) em 6,5% ao ano. O desfecho foi amplamente antecipado por quem acompanha os passos do BC. No entanto, o comunicado da decisão veio com três mudanças importantes.

Primeiro, a autoridade monetária vê que a economia está patinando. Segundo, passou a avaliar o balanço de riscos como sendo “simétrico” – quando as chances de surpresas inflacionárias para cima ou para baixo são iguais. Antes havia mais receio em relação às pressões altistas.

O terceiro recado foi o acréscimo de um trecho em que, essencialmente, o BC informa que esperará o horizonte se desanuviar para poder avaliar com mais precisão o estado da economia. Nesse ínterim, implicitamente os juros ficarão onde estão.

O BC tem motivos para ser conservador. Uma das doutrinas que norteiam a prática da política monetária é o de evitar marolas diante das incertezas. Formalizado no final dos anos 60, o “Princípio de Brainard” foi recentemente evocado pelo presidente do BC europeu, Mario Draghi, quando ele disse que “em um quarto escuro caminha-se com passos curtos”.

Difícil imaginar penumbra mais densa que a do quarto dos brasileiros. Enquanto o pau come solto, o governo e as reformas esfarelam. Quem dera pudéssemos contar nesse momento difícil com a clareza de ideias, raciocínio sagaz e propensão ao diálogo de Dilma. É simples racionalizar o comedimento do BC nesse quadro melancólico.

Além disso, uma das principais tarefas da autoridade monetária é coordenar as expectativas do setor privado, mantendo a capacidade de reagir às eventuais surpresas. Ou seja, o BC não pode ter as mãos amarradas, mas deve ser relativamente previsível. Esse objetivo é cumprido por uma comunicação mais ou menos vaga complementada por ações.

A tarefa é mais fácil se as preferências do guardião da moeda forem conhecidas.

Quando o BC é novo, o mercado busca nos primeiros passos dicas para inferir se possui um tipo suave (pomba) ou durão (falcão). Estrategicamente, portanto, faz sentido pegar pesado no início para garantir a potência da política monetária no futuro – como o juiz que dá logo um cartão amarelo para manter o controle da partida. Pasmem vocês, a sociedade ganha quando é assim.

Se tudo isso é verdadeiro, também é certo que há um acúmulo de sinais sugerindo que o juro pode estar salgado para o que parecem ser as condições novas da economia brasileira (e global). A fé que tenho em exercícios econométricos já foi mais ardorosa, mas é forçoso reconhecer que o comportamento recente da inflação, especialmente o de seu “núcleo”, é explicado com mais facilidade a partir das medidas de ociosidade que produzem as estimativas mais avolumadas do “hiato do produto” – a distância entre o que produzimos e o que podemos produzir.

A julgar pelos componentes menos erráticos do IPCA, não há pressões inflacionárias relevantes no curto prazo. Os analistas projetam inflação inferior à meta em 2019 e as expectativas convergem burocraticamente para os objetivos do BC no médio prazo. As simulações feitas pela autoridade monetária sugerem um quadro de controle.

Se o crescimento não estivesse decepcionando tanto, a cautela seria mesmo a melhor terapia. Mas esse não é o caso e, a julgar pela manifestação recente, o BC admite que a economia esteja frustrando. O mercado de crédito tem emitido sinais contraditórios, que sugerem perda de fôlego no dinamismo dos empréstimos e elevação de custos para as concessões a empresas.

Não seria a hora de ousar um pouco?

Três economistas italianos publicaram recentemente uma análise interessante na página Vox defendendo a tese de que o “Princípio de Brainard” pode ser contraproducente quando a economia é submetida a “choques” persistentes ao mesmo tempo em que há incerteza grande com relação ao tamanho da ociosidade e sua força desinflacionaria. É o caso aqui.

Em um momento em que o governo parece empenhado em instalar o caos chega a ser ridículo escrever um texto tratando do ajuste fino da política monetária – pareço o paramédico que presta atenção na frieira de um paciente infartado. Ainda assim, aqueles que heroicamente estiverem dispostos a acreditar que o bom senso prevalecerá nas próximas semanas podem sonhar com juros menores.

Se a paz reinar novamente, em breve o jeitão do novo BC será conhecido e ele poderá se soltar, dando mais peso à vagarosidade persistente da economia, que justificaria um pouco mais de agressividade sem que isso fosse interpretado como complacência inflacionária ou coisa do gênero. Além disso, o FED liberou geral e a liquidez continuará folgada no mundo.