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As Leis da Estupidez e o futuro da democracia brasileira

“Apenas duas coisas são infinitas: o universo e a estupidez humana, e não tenho certeza quanto à primeira” (Albert Einstein)

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Celso Toledo

Publicado em 23 de agosto de 2017 às, 11h22.

Última atualização em 23 de agosto de 2017 às, 12h26.

“Apenas duas coisas são infinitas: o universo e a estupidez humana, e não tenho certeza quanto à primeira”.

Albert Einstein

Lamentavelmente foi necessário meio século para que eu tivesse contato com as ideias do historiador econômico e professor da Universidade da Califórnia em Berkeley, o italiano Carlo Cipolla (1922 – 2000). Sua obra prima, concebida originalmente em inglês, é o ensaio The Basic Laws of Human Stupidity, de 1976. É uma pena que não tenha sido publicado no Brasil, pois a sabedoria infinita concentrada em tão poucas páginas ajuda a sistematizar o cenário atual e até mesmo a arriscar uns palpites para o futuro. Introduzo a seguir brevemente a teoria para poder aplicá-la à conjuntura brasileira. Peço desculpas pelo texto mais longo do que o usual e torço para que os que tiverem paciência aproveitem a leitura.

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A Terceira Lei Fundamental da Estupidez, considerada por Cipolla a “Lei de Ouro”, propõe que o indivíduo estúpido é aquele cujas ações causam malefícios aos outros sem que ele aufira ganhos privados, possivelmente mediante até mesmo a algumas perdas. Essa lei é, na verdade, um axioma que não deve suscitar grandes controvérsias. Acredito ser possível caracterizar as facetas da estupidez humana de forma mais colorida, mas poucos discordarão da noção elegante e parcimoniosa de que os indivíduos que agem sistematicamente em prejuízo próprio e dos outros podem ser seguramente considerados estúpidos.

A grande contribuição de Cipolla foi desvendar a Primeira Lei Fundamental da Estupidez. Observador de grande sagacidade, o historiador começou notando a existência de estúpidos nas universidades de elite em que estudou e lecionou, na Europa e nos EUA. A partir desse primeiro insight, reparou que em todos os lugares por onde passava não era possível se livrar das consequências nefastas de ataques desferidos pelos estúpidos que o rodeavam. Chegou à conclusão de que faria um bem à sociedade se estimasse a população de asnos, uma vez que essa contribuição poderia dar suporte à formulação de políticas públicas de caráter profilático.

Não passou muito tempo e Cipolla constatou que, independentemente do zelo empregado em suas averiguações, a realidade mostrava insistentemente à posteriori que a cifra verdadeira excedia as estimativas iniciais. O italiano concluiu que a missão de aquilatar o número de estúpidos em circulação é condenada ao fracasso, por definição. Esse resultado surpreendente levou à formulação da Primeira Lei Fundamental da Estupidez, segundo a qual a fatia de estúpidos é uma grandeza impossível de ser superestimada, sendo passível de caracterização apenas no mundo das ideias, por exemplo, por intermédio da letra grega ALFA.

É importante frisar o caráter científico do pensamento cipolliano. Sua teoria não esconde vícios reacionários com o intuito de discriminar pessoas por raça, classe ou qualquer atributo social, cultural ou histórico. O banco de dados que permitiu a formulação da Primeira Lei mostrou de forma inequívoca que a estupidez é uma característica do ser humano independente de qualquer outro traço e essa é justamente a base da Segunda Lei Fundamental.

Da mesma forma que a mãe natureza garante o nascimento de meninos e meninas em uma proporção mais ou menos fixa, neste caso conhecida, ela também determina a existência de uma fração ALFA de estúpidos em todo e qualquer segmento ou local, desde o primeiro homem macaco. Não há como escapar. Os grupos de ganhadores do prêmio Nobel, indígenas, devotos do Deus X ou Y, socialites, artistas, supremacistas brancos, etc., possuem inexoravelmente uma porção ALFA de estúpidos.

A “Lei de Ouro” enunciada no início conduz logicamente à segmentação dos indivíduos não estúpidos em três categorias. Pessoas que agem em benefício próprio e da sociedade podem ser consideradas inteligentes. A população de ingênuos, por sua vez, é composta por quem tende a beneficiar o próximo mediante perdas individuais. Por fim, os bandidos são aqueles que ganham prejudicando a sociedade. O diagrama no final do texto possibilita uma visualização ampla da taxonomia. Peço ao leitor ignorar por ora a linha tracejada que secciona os quadrantes relativos aos ingênuos e aos bandidos e contemple por alguns instantes os alicerces essenciais do monumento intelectual erigido por Cipolla.

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Em Teoria Econômica e economia aplicada, uma das questões mais intrigantes é entender por que algumas nações progridem e outras não. Segundo o ganhador do Nobel, Robert Lucas, “uma vez que se começa a pensar sobre crescimento econômico, é difícil pensar em outra coisa”. De fato, é espantoso ver que nações tão parecidas em tantos aspectos como a Coreia do Sul e a Coreia do Norte foram capazes de trilhar caminhos tão distintos em tão pouco tempo. Enquanto uma se transformou num dos grandes prodígios econômicos da atualidade, a outra escolheu a rota da servidão e do isolamento, tornando-se uma ameaça à harmonia mundial.

O arcabouço idealizado por Cipolla ajuda a identificar o cerne da perplexidade que tem afligido mentes brilhantes como a de Robert Lucas. O verdadeiro nó a ser desatado é desvendar como os países que andam para frente conseguem neutralizar os danos causados pelo seu contingente de estúpidos, evitando assim os caminhos percorridos pela Coreia do Norte, pela Venezuela e tantas outras nações que diligentemente optam pelo atraso. Esse é o xis da questão porque, de acordo com a Primeira Lei, a frequência asinina ALFA é a mesma em todos os lugares, na Bolívia, no Brasil, nos Estados Unidos, etc. Aliás, a última jogada dos americanos mostra que nenhum país, por mais próspero e poderoso que seja, está verdadeiramente livre de um surto de estupidez.

É justamente neste ponto que se encontra uma das implicações mais belas e sutis da teoria de Cipolla. Como (i) a fatia de estúpidos é aproximadamente constante em todos os lugares e (ii) alguns países avançam enquanto outros soçobram, é forçoso aceitar a validade do seguinte teorema: o sucesso ou fracasso de um país não é determinado pelo seu bocado de imbecis. Que fique bem claro, não se trata aqui de subestimar o poder destrutivo desse segmento da população, mas constatar que o subdesenvolvimento não é uma implicação direta da burrice em seu estado puro. Diga-se de passagem, esse é um aspecto da teoria que traz esperança para nós brasileiros. De resto, quando se adota um horizonte mais de longo prazo, é inegável e surpreendente ver que a humanidade tem avançado apesar do estoque inesgotável de ignorância, talvez maior até do que o próprio universo segundo a opinião de Albert Einstein citada no início.

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O teorema demonstrado acima implica que o caminho percorrido por um país é determinado pelas proporções de indivíduos inteligentes, ingênuos e bandidos, fatias que por desígnios misteriosos não são predeterminadas. Os países que progridem têm evidentemente uma fatia avantajada de pessoas inteligentes que ajudam a frear a estupidez. No entanto, a humanidade não teria chegado aonde chegou se dependesse apenas da minoria inteligente. Na verdade, essa é uma sabedoria consolidada há mais tempo, como sugere um diálogo envolvendo o político norte-americano Adlai Stevenson. Quando um apoiador se aproximou dizendo “todas as pessoas que pensam estão com o senhor!”, Stevenson respondeu “isso não é suficiente; preciso da maioria”.

O segredo dos países bem sucedidos está na existência de um balanço satisfatório entre as fatias de ingênuos e de bandidos. Quando há um número suficientemente grande de almas caridosas (que não agem de modo a empobrecer a sociedade) capaz de contrabalançar o segmento de bandidos, a Lei dos Grandes Números garante que, na média, a camada inteligente (com a ajuda inconsciente de metade dos estúpidos) ditará os rumos da nação. Nesse sentido, a pureza dos ingênuos é essencial para girar o destino de um país, evitando a predominância de bandidos nas eleições. Diga-se, esse é um dos pressupostos teóricos a favor da democracia.

Se, por descuido, complacência ou inferioridade numérica das forças progressistas os bandidos tomarem conta, o país cairá inexoravelmente em um abismo. Isso ocorre tipicamente quando a malandragem supera eleitoralmente a soma dos ingênuos e dos inteligentes, mas também pode ser o resultado de azar puro e simples, dado o número avantajado, mas desconhecido, de estúpidos, como se viu no Reino Unido, EUA e, quase, na França.

É muito simples entender porque o país não funciona governado por bandidos. As sanguessugas ganham mais adotando políticas que potencializam os estragos inevitáveis da estupidez – a experiência da Nova Matriz Econômica é prova irrefutável. Abrindo parênteses, apenas para constar e evitar confusões conceituais, “progressista” na acepção de Cipolla é aquele que age em favor da sociedade. Não se deve misturar essa noção com a normalmente utilizada na América Latina. Aqui, progressista é aquele que, sem saber direito porque, apoia as ideias propagadas por bandidos. Fechando parênteses.

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Todos os lugares sofrem as consequências da estupidez. Não é isso que torna o Brasil e demais nações que optam pelo subdesenvolvimento lugares especiais. Somos especiais basicamente porque aceitamos a delinquência. A importância da existência de um estoque de ingenuidade benevolente capaz de garantir o predomínio da inteligência sobre o banditismo exige uma análise mais aprofundada das camadas de indivíduos ingênuos e bandidos. Para dar conta do recado, Cipolla refinou teoricamente sua taxonomia básica, introduzindo a linha tracejada, com inclinação de 45 graus em relação ao eixo vertical, que divide pela metade os quadrantes relativos aos ingênuos e aos bandidos.

Considere-se o caso dos bandidos, sem perda de generalidade. Aqueles situados exatamente sobre a bissetriz definem o que pode ser chamado de “bandido perfeito”. É simples ver que esses marginais provocam dano à sociedade exatamente igual ao lucro que colhem. Desconsiderando eventuais externalidades, o ladrão do nosso cotidiano enquadra-se nessa categoria: o que ele vier a ganhar nós perderemos e, na média, a sociedade fica na mesma.

Assimilar o conceito de bandido perfeito é importante porque esse é o ponto de partida natural para definir uma categoria mais relevante, a de “bandido com traços de estupidez”, encontradiça na região B2 do diagrama de Cipolla, à esquerda da linha tracejada. Essa categoria de bandidos está na origem dos males da democracia porque seus atos provocam danos maiores do que o butim que eles amealham, empobrecendo a sociedade. Quando se diz que a incompetência é pior do que a corrupção, têm-se esses bandidos em mente.

É evidente que se não houvesse um contingente abundante de estúpidos, seria menos difícil evitar que os bandidos assumissem o poder. Nesse sentido, focando a essência das coisas, a estupidez é uma força mais daninha do que o banditismo e Cipolla demonstrou esse fato com clareza por meio de um corolário da Quinta Lei Fundamental da Estupidez – por falta de espaço, remeto o leitor à obra original. A despeito disso, é a determinação do bandido com traços de estupidez que potencializa os danos da estupidez pura e simples. A burrice é o oceano sobre o qual o banditismo navega.

Ao contrário do estúpido, cujas ações e opiniões são prejudiciais na média, mas irracionais e imprevisíveis caso a caso, o bandido age com racionalidade, determinação e foco, buscando benefícios pessoais a qualquer custo (pecuniários ou não). O uso do besteirol politicamente correto e de falácias que soam verdadeiras é sua arma principal, extremamente eficaz quando dirigida a uma plateia de estúpidos. Consulte o acervo da Presidência da República para bons exemplos.

Se o bandido tiver oportunidade, causará danos significativos aos demais, frequentemente com o beneplácito dos estúpidos e, em muitos casos, por intermédio deles, pois, como se sabe, é mais fácil obter notoriedade sendo estúpido do que inteligente. Em uma eleição majoritária, plataformas compostas por estúpidos renomados conduzidos por bandidos com traços de estupidez são poderosíssimas e costumam ser a principal causa dos grandes desastres, como constatamos nos últimos anos. O populismo nasce quando pessoas desonestas arrebanham um número suficiente de estúpidos – e de ingênuos com traços de estupidez – para perseguir as próprias agendas. A forma mais fácil de atingir esse objetivo é colocar um estúpido no poder.

Do ponto de vista teórico, define-se também o bandido com traços de inteligência (B1), aquele cujo lucro individual supera as perdas impingidas aos demais. Embora interessante do ponto de vista analítico, essa classe é numericamente desprezível porque a experiência mostra que, a partir de certo ponto, a inteligência é incompatível com motivações estritamente mesquinhas. A todo instante, há uma pequena parcela de bandidos na região B1, mas eles tendem com o tempo a compensar os prejuízos causados aos demais, demonstrando inteligência. O exemplo típico é o do empreendedor agressivo, mas competente, que atropela deslealmente e às vezes desonestamente os concorrentes menos competentes e, no futuro, doa parte dos lucros auferidos para fundar uma universidade. Há vários exemplos em países desenvolvidos como os EUA.

Resumindo, a baixa representatividade numérica da população inteligente e a concentração de bandidos na região B2 faz com que o sucesso de uma democracia dependa crucialmente de sua porção de ingênuos, especialmente daqueles que possuem traços de inteligência, situados na região I1 do diagrama de Cipolla. A escassez de cidadãos de boa vontade, dispostos a fazer sacrifícios para o bem comum e suficientemente alertas para não cair no conto do vigário dos bandidos condena o país à ruína.

Note-se que, muitas vezes, a existência de uma fatia grande de ingênuos com traços de estupidez – categoria comum entre professores universitários, artistas e os mais jovens, por exemplo – é insuficiente para bloquear o avanço dos bandidos porque estes ingênuos são mais complacentes e propensos a serem iludidos pelas artimanhas retóricas da bandidagem. Felizmente, a experiência sugere que parte não desprezível desses ingênuos com traços de estupidez (I2) migram, mesmo que temporariamente, para a região I1 quando percebem com algum atraso os estragos perpetrados pelos bandidos. Esse é o motor dos ciclos de avanço e retrocesso tão comuns em regiões atrasadas como a América Latina porque, ao menor sinal de alívio, eles voltam de I1 para I2. A força centrípeta da estupidez faz o trabalho.

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A partir desses elementos, é possível especular um pouco sobre o que nos aguarda. Aviso que daqui para frente o rigor científico é sacrificado, pois, como se sabe, a incerteza sobre o futuro já normalmente elevada é muito maior em um país que obviamente não tem conseguido controlar os assaltantes – por falta de provas convincentes, para que o leitor não me acuse de injustiças.

O leitor dessa coluna sabe que, a meu ver, um dos desdobramentos recentes mais espantosos tem sido constatar a tranquilidade dos mercados financeiros diante de um enredo que parece ser a crônica do desastre anunciado. Vide, por exemplo, as reações cândidas diante da revisão de mais de 60% da previsão de déficit primário para o médio prazo.

Reconheço que, por estupidez ou qualquer outra razão, posso não ter percebido que a sociedade brasileira teria já aprendido que a vaca costuma ir para o brejo quando bandidos quase estúpidos são colocados no poder e que, portanto, deveremos escapar de escolhas ruins no futuro. Oxalá. Ainda assim, a história do país e alguns dados recomendam a adoção de uma postura um pouco mais cautelosa.

O banditismo, no sentido mais usual, mas particularmente na acepção de Cipolla, tem sido a pedra de toque da história brasileira. Não porque os políticos democraticamente eleitos tenham virado as costas para o eleitorado, mas porque não há inteligência e bondade numericamente suficientes para evitar a eleição de malandros. A democracia tem produzido exatamente as preferências da maioria. O problema é que a maioria é composta por estúpidos e bandidos desde nossa formação, como demonstram as obras de Raymundo Faoro, Mário de Andrade e Sérgio Buarque de Holanda. Basta uma inspeção casual da composição da casa do povo, no planalto central.

Os dados da última onda da World Values Survey (WWS), conduzida entre os anos 2010 e 2014, tendem a confirmar a conjectura de que o atraso brasileiro é decorrência direta de nossa propensão ao banditismo. A WWS começou a ser feita em 1981 e é a maior investigação global, não comercial e sistemática de crenças e valores dos habitantes de quase 100 países. A tabela no final reproduz alguns resultados, incluindo Argentina, Chile e EUA, separados em quatro blocos.

O brasileiro tem um entendimento peculiar da democracia. Exibimos entusiasmo com o sistema que não é tão avultado quanto o dos Argentinos e dos Chilenos, mas parecido com o dos norte-americanos. No entanto, ao mesmo tempo, aceitamos melhor o autoritarismo (e, por extensão, a bandidagem). Os números desse bloco não trazem bons presságios e ajuda a entender o atual perfil dos candidatos favoritos à corrida presidencial de 2018.

O segundo bloco mostra que o brasileiro tende a reconhecer a importância da política em sua vida, bem mais do que o argentino e o chileno. Apesar disso, atua contra si ao preferir não participar do jogo, seja pelo baixo engajamento partidário, seja pelo parco interesse em acompanhar o que se passa, por exemplo, lendo os periódicos.

Uma possível explicação pode estar na descrença marcante com o funcionamento do sistema (que ele acha bom), manifestada, por exemplo, na impressão de que os eleitores são “comprados” e na desconfiança desproporcional em relação aos políticos e aos partidos. Um sinal de que a população está conformada e confortável com o governo de bandidos.

O segundo bloco mostra também que o brasileiro tem viés “privatista” maior do que o de nossos pares regionais, o que poderia ser à primeira vista um sinal alvissareiro. No entanto, ao mesmo tempo, acredita que o governo deve interferir mais para melhorar sua vida. Curiosamente, apesar das descrenças e do desinteresse revelados nas primeiras respostas do bloco, o brasileiro parece confiar mais no governo.

No geral, esse segundo bloco ilustra como o estúpido não consegue perceber o mal que causa a si e aos outros e sugere, para nossa desgraça, que os ingênuos brasileiros podem estar muito próximos da região de estupidez (I2 no diagrama de Cipolla).

O terceiro e o quarto blocos revelam mais claramente alguns toques “macunaímicos” de nossa cultura, completando o quadro que explica o predomínio do banditismo. Quando olhamos para o espelho, vemos o reflexo de um indivíduo íntegro e que pensa no bem de todos – bem mais que argentinos, chilenos e americanos. Ao mesmo tempo, desconfiamos bastante de nossos conterrâneos e aceitamos com mais benevolência atos de banditismo como o de sonegar impostos. Além disso, temos “consciência” e valorizamos temas politicamente corretos como a preservação ambiental, desde que não tenhamos que pagar pelo benefício. Se fôssemos fumantes, certamente optaríamos pela marca Vila Rica.

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Os raros momentos de esperança (e de alguma prosperidade) de nossa historia recente derivaram de: (i) uma aposta errada dos bandidos no sucesso da estabilização em meados dos anos 90, que abriu espaço efêmero para a concretização de uma agenda inteligente, mesmo com ambiente internacional adverso, (ii) no empurrão dado pela China nos 2000, quando os ventos viraram, o que mascarou temporariamente os efeitos perversos da pilhagem que voltou a comer solta (permitindo, por outro lado, que ela atingisse níveis estratosféricos) e, mais recentemente, (iii) da derrapada da democracia, que abriu espaço para uma rara associação entre bandidos e inteligentes, com o primeiro grupo adotando a agenda do segundo simplesmente por uma questão de sobrevivência.

O problema é que a natureza do escorpião não muda: bandidos são bandidos; não há como progredir com eles no poder. É uma classe muito numerosa que reúne a vasta maioria dos grupos de interesse como o dos empresários avessos à competição e sócios do estado, o dos sindicatos de patrões e de trabalhadores, o da elite dos funcionários públicos de todos os poderes, unidos para advogar em causa própria, algumas ONGs e algumas classes profissionais e por aí vai.

Gostaria de estar errado, mas a maioria bandida é mais do que suficientemente grande para condenar a nação, daí meu pessimismo estrutural com relação ao futuro do país. O Brasil é um paradoxo em que o progresso pela via democrática exige contar com a cooperação sistemática dos estúpidos. Isso é impossível no longo prazo e, ciclicamente, ocorre apenas em crises muito profundas ou por sorte. Nesse sentido, a tímida retomada atual, que cada vez ganha mais consistência, curiosamente joga contra o país.

A anestesia de uma recuperação econômica de caráter meramente cíclico pode gerar complacência no segmento progressista da população, especialmente uma migração perigosa de ingênuos da região I1 para a I2, tornando-os mais susceptíveis às mentiras dos bandidos. Se isso ocorrer, a chance de nova vitória do bandidismo em 2018 é grande. Os últimos resultados das pesquisas de intenção de voto sugerem ser cedo para apostar no progresso. Dirão que também é cedo para acreditar em pesquisas, como disseram em 2001/2002. A desonestidade intelectual dos bandidos dá a esse grupo grande vantagem eleitoral.

Não sei se serve de consolo, mas prometo tentar fazer a minha parte em 2018. O problema é que um estúpido sozinho não faz verão. Para aqueles que apostam as fichas na possibilidade de que Deus seja brasileiro, é bom tomar cuidado. Segundo Schiller: “contra a estupidez, até mesmo os deuses lutam em vão”.