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A proposta do teto e os cem anos de populismo latino

Assisti ao vídeo de um debate sobre a “proposta do teto” ocorrido na Comissão de Assuntos Econômicos do Senado no dia 16 de Agosto. Finda a maratona de mais de quatro horas, recorri ao livro The Macroeconomics of Populism in Latin America, organizado pelo saudoso Rudiger Dornbush e o economista chileno Sebastian Edwards a partir […]

DILMA ROUSSEFF E NICOLÁS MADURO:  os ciclos de populismo e ajuste se repetem na América Latina há gerações  / Evaristo Sa / Getty Images
DILMA ROUSSEFF E NICOLÁS MADURO: os ciclos de populismo e ajuste se repetem na América Latina há gerações / Evaristo Sa / Getty Images
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Celso Toledo

Publicado em 12 de setembro de 2016 às, 13h17.

Última atualização em 22 de junho de 2017 às, 18h48.

Assisti ao vídeo de um debate sobre a “proposta do teto” ocorrido na Comissão de Assuntos Econômicos do Senado no dia 16 de Agosto. Finda a maratona de mais de quatro horas, recorri ao livro The Macroeconomics of Populism in Latin America, organizado pelo saudoso Rudiger Dornbush e o economista chileno Sebastian Edwards a partir de uma conferência realizada no final dos anos 80. Traduzindo com alguma liberdade, nossos amigos escreveram há mais de 25 anos:

“A história econômica da América Latina repete-se incessantemente a partir de ciclos irregulares e dramáticos. A circularidade é particularmente marcante no uso de políticas macroeconômicas populistas com fins redistributivos. Entra ano, sai ano, hoje em um país, amanhã em outro, governos abraçam programas econômicos baseados no uso de políticas expansionistas e câmbio valorizado para acelerar o crescimento e redistribuir a renda. No uso dessas políticas não há preocupação com a existência de restrições”.

“Após um período curto de crescimento, surgem pressões macroeconômicas insustentáveis derivadas de gargalos estruturais. O resultado final geralmente envolve inflação galopante, crises e o colapso do sistema econômico. Na sequência, não resta alternativa a não ser aplicar programas de estabilização drasticamente restritivos e custosos. A natureza autodestrutiva do populismo fica evidente pelo forte declínio da renda per capita e dos salários reais no final dos experimentos.”

O uso recorrente de políticas de desenvolvimento equivocadas não se deve apenas à falta de memória ou ignorância. A opção pelo atraso faz parte da estratégia de políticos que, a partir de intenções que podem ser boas, vendem sonhos para abocanhar o poder, empurrando as economias para o abismo. Como em Cem Anos de Solidão, a região é assombrada por fantasmas velhos e teimosos e, por isso, é possível prever com antecedência aventuras que, em nosso caso recente, provocou uma das maiores recessões da história.

O debate no senado tratou da enorme conta que está aí para ser paga. A sessão começou com exposições certeiras feitas pelo Ministério da Fazenda sobre o projeto que propõe estabelecer um teto para os gastos públicos. A determinação de um limite e a criação de meios para efetivá-lo são pré-requisitos para evitar o caos inflacionário. As exposições de Mansueto Almeida e Marcos Mendes mostraram de forma cristalina o enrosco em que os últimos governos nos meteram, de certa forma antecipando a fatura armada pela Constituição de 1988. A dupla enfatizou que o rumo a ser seguido terá que sair da área política, mas esclareceu que há apenas duas alternativas: ajuste ou inflação. Vale a pena ver.

Dois economistas heterodoxos fizeram o contraponto. A partir de um cipoal que incluiu a comparação do Brasil com países desenvolvidos e a equiparação da noção de responsabilidade fiscal com o que seria a introdução de uma agenda neoliberal de “austeridade”, chegou-se a conclusões bizarras como a de que, aspas, títulos públicos não financiam os gastos do governo (?), que a taxa de juro de longo prazo é uma variável que pode ser livremente escolhida (e, portanto, só pode ser mantida elevada por maldade) e que não há problema de solvência – se entendi corretamente, por definição. Um corolário que poderia ter sido explorado é o de que todos os episódios de inflação crônica documentados no livro citado devem ter sido miragens. Repetiu-se também a narrativa segundo a qual a crise atual é culpa do Joaquim Levy. Se o padre Nicanor tivesse levitado, ninguém ficaria surpreso.

Apesar de todas as evidências mostrando que não há muito tempo para estancar a hemorragia, os apartes dos senadores mostram que o debate ainda é travado entre surdos e mudos. Muitos parlamentares não conseguem ou se recusam a ver que as reformas em pauta são uma imposição da aritmética e fogem à questão verdadeira e urgente, preferindo o discurso fácil de que a solução de todos os problemas passa por alocação de verbas orçamentárias inexistentes. Uma exceção é o Senador Cristóvão Buarque, cujas intervenções provam que não é preciso agredir a lógica para “ser de esquerda”. Em um momento ele achou pertinente ponderar que a soma das fatias destinadas a saúde, educação e demais áreas não poderia exceder 100%. Não há dúvida de que este é um desafio cognitivo que ainda tem que ser superado.

Vamos torcer pelo sucesso das reformas porque a alternativa é ruim para todos, principalmente aos menos favorecidos. No entanto, os genes do populismo que tornam repetitiva a história latino-americana e a avant-première surreal do dia 16 são elementos que não trazem bons presságios. É provável que a ficha esteja caindo para uma parte do Congresso e que isso seja suficiente para que se dê um ou dois passinhos à frente. Mas, no início dos anos 2000, com a inflação estabilizada e um governo de esquerda que decidiu preservar o ajuste fiscal, alguém imaginaria que voltaríamos a discutir o beabá?

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