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Pandemia faz 50 mil brasileiros deixaram de ser diagnosticados com câncer

Com a pandemia de coronavírus, muitos pacientes com câncer tiveram seu tratamento interrompido e biópsias e cirurgias foram adiadas

Saúde: 70% das cirurgias de câncer foram adiadas em abril (Jasmin Merdan/Getty Images)
EC

Estadão Conteúdo

Publicado em 13 de maio de 2020 às 14h05.

Última atualização em 13 de maio de 2020 às 14h08.

Desde o início da pandemia de covid-19 no país, ao menos 50 mil brasileiros deixaram de ser diagnosticados com câncer . Outros milhares de pacientes, já com o tumor detectado, tiveram os tratamentos suspensos. Só em abril, cerca de 70% das cirurgias de câncer foram adiadas.

As estimativas são das Sociedades Brasileiras de Patologia e de Cirurgia Oncológica e refletem dois fenômenos: os cancelamentos de procedimentos não urgentes, como exames, consultas e cirurgias; e a recusa de pacientes com outras doenças ou sintomas em procurar um hospital ou clínica por medo de pegarem o coronavírus.

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Números levantados pela Sociedade Brasileira de Patologia com alguns serviços de referência do País mostram a queda expressiva no número de biópsias realizadas. Desde meados de março até hoje foram 5.940 exames do tipo realizados na rede pública de São Paulo, ante 22.680 biópsias no mesmo período do ano passado. Em um centro de referência que atende o Ceará, o número caiu de 18.419 para 4.993 no mesmo intervalo. "Há serviços que ficaram uma semana inteira sem receber um único material para análise. O nosso medo é que tenhamos, daqui a alguns meses, uma epidemia de câncer em estágio avançado, inoperáveis, com baixa chance de cura", alerta Clóvis Klock, presidente do Conselho Consultivo da Sociedade Brasileira de Patologia.

A sociedade estimou que houve queda de ao menos 50% no número de diagnósticos de câncer no País nos últimos dois meses - o que leva à estimativa de 50 mil casos que continuam desconhecidos pelos pacientes. No Instituto do Câncer do Estado de São Paulo (Icesp), o número de pacientes novos que chegam para iniciar tratamento no local despencou 30%, segundo Paulo Hoff, diretor da unidade e professor da Faculdade de Medicina da Universidade de São Paulo (FMUSP). "Além do risco de muitos desses tumores não diagnosticados evoluírem e ficarem mais graves, temos um segundo problema, que é o represamento desses casos por vários meses. Nosso sistema de saúde não tem uma capacidade infinita de atendimento. Se já tínhamos problema de acesso e demora antes da pandemia, imagine acumular diagnósticos de quatro ou cinco meses e eles aparecerem todos de uma vez mais para frente. Teremos dificuldades para dar conta dessa demanda", ressalta Hoff.

Somados aos casos novos estarão ainda os milhares de pacientes que tiveram de postergar seus tratamentos. "Desde o início da pandemia, suspendemos muitas cirurgias e mantivemos só as dos tumores mais agressivos. No começo não sabíamos quanto a fase mais crítica da pandemia iria durar. Com a expectativa de que teremos de três a quatro meses até passar o pico e começar um declínio de casos, teremos de adaptar os serviços de saúde para retomar esses atendimentos suspensos", destaca Heber Salvador, vice-presidente da Sociedade Brasileira de Cirurgia Oncológica.

A fisioterapeuta Dulce de Jesus Gonçalves, de 61 anos, vive o drama da espera pela cirurgia oncológica da mãe, de 90 anos. Diagnosticada no ano passado com um câncer no ovário, a idosa tinha uma operação agendada para março, que foi adiada. "Nós, da família, e a equipe médica tomamos a decisão de adiar. Nós ficamos assustados com a situação dos hospitais. Ela já é idosa. Seria uma cirurgia difícil. Imagine nesse cenário. Mas é um dilema horrível. É a escolha entre o tratamento do câncer com risco de pegar covid-19 ou a segurança de ficar em casa e o risco do tumor crescer", diz Dulce.

Para reduzir as chances de agravamento da doença enquanto espera pela cirurgia, a idosa passou a tomar uma medicação via oral em casa, com o objetivo de manter o tumor sob controle. "Ela vai monitorar por exames para ver se está fazendo efeito, mas a angústia é que não sabemos quando tudo isso vai passar", lamenta a filha.

Fluxos separados

Para que os atendimentos possam voltar à normalidade dentro do possível, a Sociedade Brasileira de Cirurgia Oncológica elaborou um documento em que faz uma série de recomendações aos hospitais para que separem as áreas de atendimento para pacientes com suspeita de covid dos demais.

No Icesp, foi criada uma área específica de pronto-atendimento para pacientes com suspeita de doença respiratória. Os pacientes oncológicos internados com quadro de covid-19 são encaminhados para o Hospital das Clínicas para não ficarem no mesmo prédio dos demais doentes.

No Hospital Albert Einstein, o pronto-socorro para doentes com suspeita de covid-19 também foi segregado, até com elevadores separados. O centro de oncologia tem uma entrada exclusiva. Assim como os outros acessos do hospital, ele conta com medidor de temperatura e distribuição de máscaras.

"Nem sempre temos tempo de postergar por alguns meses um tratamento de câncer. Por isso é importante os pacientes entenderem que dentro do hospital há alas separadas e segurança para fazerem os procedimentos quando necessário", ressalta Sérgio Araújo, diretor médico do Centro de Oncologia e Hematologia do Einstein.

Elevadores

Para evitar que pacientes com outras doenças graves, como câncer ou problemas cardíacos, deixem de procurar atendimento por medo da covid-19, hospitais estão criando fluxos de atendimento totalmente separados para pacientes com suspeita de doença respiratória para que os demais usuários não estejam no mesmo espaço de quem possa estar contaminado pelo coronavírus.

A nova organização inclui não só a criação de um pronto-atendimento exclusivo para quadros respiratórios, como também separação de elevadores, andares de internação e de equipes.

No Hospital Albert Einstein, onde o primeiro caso de coronavírus do País foi diagnosticado, o alerta para a necessidade da separação completa dos fluxos de atendimento foi maior quando a unidade percebeu que pacientes com sintomas graves de outras doenças estavam deixando de procurar a unidade por considerar os hospitais "ambientes contaminados".

"Vimos um caso de uma paciente que chegou a desmaiar em casa e demorou horas para vir ao hospital e, quando chegou, teve um diagnóstico de aneurisma. Também tivemos uma gestante com um bebê já em momento expulsivo preso à placenta. Todos casos de pessoas que estavam adiando a vinda ao hospital por medo. Não podemos deixar isso acontecer. Independentemente da pandemia, precisamos continuar cuidando dos outros pacientes e deixar claro que os espaços são separados e seguimos regras para deixar o ambiente seguro", diz Tatiane Canero, gerente de apoio assistencial e fluxo do paciente do Einstein.

Além dos espaços separados para pronto-atendimento de casos covid e não covid, há entrada segregada para o centro de oncologia e maternidade. Deixou de ser necessário passar pelo setor de internação para assinar documentos antes de subir ao quarto. "Abolimos todos os papéis porque as pessoas tinham medo até de pegar em canetas. A pessoa que for internada vai da recepção direto para o quarto", explica Tatiane.

"Como o Einstein teve esse protagonismo na identificação dos primeiros casos, percebemos que alguns pacientes ficavam com medo de vir. A recomendação é de fato para que, quem puder, fique em casa. Mas há tratamentos que não podem ser interrompidos e os hospitais mantêm uma série de protocolos de higiene e segurança. Costumo brincar que me sinto mais seguro aqui do que dentro do hortifrúti", diz Sérgio Araújo, diretor médico do Centro de Oncologia e Hematologia do Einstein.

Antes de qualquer cirurgia, seja uma operação de retirada de tumor ou uma cesariana, o paciente passa por um exame de coronavírus bancado pelo hospital. A ideia é identificar infecções ainda assintomáticas e proteger tanto o paciente de complicações quanto os profissionais de saúde e demais doentes.

Se o paciente é diagnosticado positivo, a cirurgia é adiada, quando possível. Caso não seja, a operação é feita em salas com pressão negativa para reduzir o risco de disseminação do vírus e proteção extra aos profissionais.

Até no estacionamento foram feitas mudanças. Todos os carros deixados no valet do Einstein têm o volante, o câmbio e os bancos cobertos por capas plásticas protetoras antes de serem estacionados por manobristas

"Quando vi o medidor de temperatura na entrada, as máscaras e álcool em gel em todos os lugares me senti segura. O andar da oncologia está completamente isolado do restante", diz a pedagoga Maria Célia de Toledo Garcia Petto, de 67 anos, que continua tratamento de câncer no Einstein mesmo em meio à pandemia.

No A.C. Camargo Cancer Center, os atendimentos também foram separados. "Ao chegar ao pronto-socorro, o paciente com síndrome gripal vai para um lado e os demais doentes vão para o lado oposto. Se o paciente com suspeita de coronavírus está grave e tem de ficar internado, fica em um andar de isolamento exclusivo para pacientes com câncer e covid", diz José Marcelo de Oliveira CEO do A.C. Camargo. As informações são do jornal O Estado de S. Paulo.

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