Volta ao escritório: liderança no pós-pandemia (Klaus Vedfelt/Getty Images)
Luísa Granato
Publicado em 2 de novembro de 2021 às 07h00.
Última atualização em 4 de novembro de 2021 às 16h31.
Com o avanço da vacinação, as expectativas para o retorno ao trabalho no escritório são tão numerosas quanto as incógnitas.
Entre as dúvidas sobre o melhor formato para o modelo híbrido, a data certa de retorno e as novas funções para o escritório, um dado da pesquisa global da JLL deve ser a maior preocupação para gestores e os profissionais de recursos humanos: 36% da força de trabalho está se sentindo sem energia e desmotivada.
A consultoria especializada em imóveis comerciais realizou a pesquisa com mais de 3 mil trabalhadores em 10 países para medir o sentimento de bem-estar e engajamento no momento e para o pós-pandemia.
E o resultado chama atenção para uma questão que deve ganhar destaque no planejamento do retorno ao presencial: a necessidade de reconexão.
No levantamento, um terço dos respondentes disseram que não consideram mais a empresa como um bom lugar para trabalhar e 25% relataram estar exaustos demais para cuidar de seu bem-estar.
Para os especialistas em comportamento organizacional Daniela Tessler, sócia Odgers Berndtson, e Yuri Trafane, CEO da consultoria Ynner, muito além da discussão sobre a quantidade de dias de trabalho presencial ou remoto, o primeiro ponto a se trabalhar para qualquer tipo de retorno (e até para aqueles que ficarão 100% remotos) é a confiança.
“As pessoas vão sair muito transformadas e muito machucadas desse período. Mesmo quem saiu igual, ainda vai ter certa dificuldade no retorno. E a relação de confiança é o pilar para o trabalho em equipe e a alta performance”, fala Tessler.
Washington Botelho, presidente da JLL Work Dynamics para América Latina comenta que o retorno ao escritório tem tido um quórum abaixo das expectativas. “O escritório voltou e não necessariamente funcionou. Se a expectativa era ocupar de 25 a 30%, tenho ouvido de executivos que a adesão é em torno de 5 a 10%”, comenta ele.
E grande parte do problema para trazer os funcionários para perto é justificativa para o trabalho presencial. Botelho explica que antes trabalho era representado por um local e houve uma quebra dessa mentalidade desde o início da pandemia. Agora, é necessário pensar na atratividade de cada espaço de trabalho.
A americana Tsedal Neeley, professora da prestigiada escola de negócios Harvard Business School e autora do livro “A revolução do trabalho remoto”, fala que a abordagem nesse momento deve vir acompanhada da resposta de duas perguntas: Por que os funcionários preferem o híbrido? E por que estamos retornando ao escritório?
Dessa forma, todos poderão estar alinhados com os objetivos e a forma de trabalho. A ida ao remoto foi forçada, mas o retorno precisa ser planejado e transparente.
“Se é para colaborar ou confraternizar, estar no mesmo ambiente ou inovar, você precisa pensar em formas em que isso fará sentido. Não adianta retornar ao escritório e replicar um dia de trabalho como antigamente, com todos sentados no computador fazendo coisas que poderiam realizar em casa. Muita gente não vai achar isso atrativo”, disse a pesquisadora.
Confira as recomendações dos especialistas para reconectar os funcionários no pós-pandemia:
O trabalho remoto na pandemia quebrou diversas barreiras de formalidade nas relações de trabalho. E não foi só a troca da camisa e sapatos por pijama e chinelos. Filhos, familiares, animais de estimação e outros elementos da vida pessoal infiltraram o mundo corporativo por meio das câmeras do computador.
Para reconectar os funcionários, Yuri Trafane, CEO da Ynner, acha improdutivo negar esse toque mais pessoal das relações.
“As pessoas sentem falta dos eventos sociais. A reconexão pode ocorrer com a volta de coisas mais simples que as pessoas perderam, como almoçar juntos, tomar um café ou ir a um happy hour. O que antes era um ‘feijão com arroz’, hoje é um luxo”, diz.
Assim, uma reunião mais formal – que poderia continuar acontecendo virtualmente – não será tão atrativa assim para unir os times.
O presidente da JLL concorda que atividades sociais, e ligadas à personalidade do grupo, serão atrativos.
“Não existe uma virada de estar em casa e agora voltar. Fica uma matemática que não funciona. A questão agora é emocional. Tudo que envolve soft skills deve ganhar prioridade máxima desde o momento zero do retorno”, diz.
Os executivos recomendam abraçar as atividades mais informais e que se relacionam com a dinâmica da equipe. Pode ser uma aula de ioga ou sessão de mindfulness para uns; outros podem preferir uma degustação de vinho ou um almoço.
“Você traz a lógica do ‘anywhere’ para o escritório também. Podemos conversar de trabalho em um café ou um vinho”, afirma.
Existem formas de reconstruir a confiança dentro de equipes. O Team Building é uma das apostas apontada pelo CEO da Ynner:
“Existem várias metodologias para isso, mas o team building é feito para conectar. Acho fundamental, principalmente depois do distanciamento. Com tantas metas e pressão, as pessoas perderam a chance de conhecer melhor o outro”, diz.
No Team Building, consultores fazem diagnósticos de personalidade e comportamento dos membros de uma equipe e depois propõem atividades para desenvolver ou fortalecer as relações.
Trafane dá como exemplo um time que joga sem treinar. Durante o período de distanciamento, foi isso que aconteceu. Cada jogador brilhou sozinho, muito do processo de trabalho em equipe se tornou impessoal e muitos estavam vendo apenas sua pontuação sem enxergar o campeonato.
A relação com esportes e treinos não é à toa. O recurso do Team Building ficou mais conhecido por atividades mais lúdicas realizadas por grupos corporativos, desde jogos de tabuleiro a esportes mais radicais.
No entanto, a sócia da Odgers Berndtson, Daniela Tessler, defende o uso de metodologias como a Patrick Lencioni, que aplica técnicas para fortalecer as equipes em situações práticas, como encontros estratégicos ou ao longo da execução de projetos.
As dinâmicas podem acontecer de qualquer lugar: no escritório, online ou em um hotel. O importante é que CEOs e diretores possam refletir sobre suas fortalezas e dos outros, podendo se observar em ação como um grupo único. O time treinando as jogadas para vencer cada jogo e o campeonato.
A consultoria apostou no lançamento desse novo serviço agora por ver a demanda por reaproximar a diretoria após a pandemia. “O que estamos propondo para esse momento é ajudar cada líder a realizar a transição do individual para o modo funcional do trabalho de equipe”, diz Tessler.
Botelho alerta que esse será o momento mais crítico para as empresas que começaram a tratar de questões de saúde mental e bem-estar na pandemia.
Com 75% dos profissionais na pesquisa falando que a expectativa é retornar a um ambiente seguro para sua saúde, a abordagem da liderança sobre esse retorno vai provar se o discurso de cuidado era real ou não.
O executivo explica que existem três abordagens da liderança: os 3Hs. Do inglês, eles são: head (cabeça), heart (coração) and hands (mãos). Ou seja:
“Dependendo do que usar, você pode errar na abordagem para um problema”, comenta ele.
Botelho recomenda que a abordagem de retorno seja liderada mais com o coração do que com as mãos. “A boa liderança não é só ter as competências, mas saber usar competências distintas em momentos distintos. E o grande desafio agora é desenvolver relacionamentos”, diz.