Pesquisa da Talenses Group: Para a maioria dos entrevistados (55,5%) a transparência salarial é uma coisa boa (Divulgação: Paper Boat Creative/Getty Images)
Repórter
Publicado em 8 de janeiro de 2024 às 16h14.
O salário ainda é o fator mais importante na hora de avaliar uma oportunidade de emprego. Após ele, aparecem os benefícios e as condições de trabalho flexível. É o que mostra a pesquisa do Talenses Group, feita em parceria com a FGV-Eaesp e o apoio da Talent.com, que contou com 887 respondentes no Brasil, predominantemente do Sudeste (85%), e que ocupavam cargos variados, entre diretores, gerentes, coordenadores, analistas e especialistas.
O que mais chama a atenção em um processo seletivo?
A remuneração tende a ser um fator de atração e engajamento muito importante, ainda mais em países emergentes e/ou com pouca proteção dos desempregados, afirma Paul Ferreira, professor de estratégia e liderança da Escola de Administração de Empresas de São Paulo da Fundação Getúlio Vargas (FGV Eaesp). "Estudos mostram que os trabalhadores que descobrissem que eram mal pagos sentiriam a moral mais baixa e reduziriam o seu esforço no trabalho. Inversamente, ao saber que você está ganhando mais, isso pode dar um impulso no seu engajamento."
Sobre os impactos de conhecer o valor do salário, seja no processo seletivo ou dentro da empresa, surge o termo "transparência salarial", que divide até hoje opiniões entre funcionários e gestores.
A transparência salarial, é a ação de divulgar as remunerações dos funcionários dentro da empresa ou no processo seletivo, com o objetivo de combater a discriminação salarial, principalmente entre homens e mulheres. Segundo Ferreira, algumas regulamentações pioneiras apareceram nos Estados Unidos em 1938, quando o Fair Labor Standards Act (FLSA) foi promulgado, lei que buscava proteger funcionários de salários injustos. "Em 1945, o Congresso introduziu a Lei da Igualdade Salarial para as Mulheres e, em 1963, a Lei da Igualdade Salarial. Houve atualizações nessas leis e novas leis introduzidas ao longo do caminho."
A transparência salarial, de acordo com o professor da FGV, conta com 18 tipos de políticas que estão distribuídas em 32 países, inclusive no Brasil.
"Algumas políticas são de nível nacional, outras a nível estadual, provincial ou municipal. Vão desde políticas que proíbem os empregadores de punir os trabalhadores que partilham informações salariais, até políticas que obrigam as empresas a divulgar estatísticas sobre remunerações internas, até declarações fiscais públicas. Estas políticas estão concentradas na América do Norte e na Europa, com alguma cobertura na América do Sul, Ásia e Austrália. Fato é que a maioria das políticas de transparência salarial a nível mundial visa combater a discriminação salarial."
A dúvida que fica é: se esse tema incentiva a justiça salarial, porque ainda divide opiniões no mercado de trabalho?
Entre os respondentes que viram a transparência salarial como algo positivo, os motivos mais listados no estudo foram:
“Para o funcionário, pode ser positivo. Se um trabalhador descobre que um colega com o mesmo emprego está ganhando significativamente mais do que ele, ele raciocina que o seu empregador deve estar disposto a pagar um salário mais elevado pelo trabalho que ele realiza e, portanto, procurará renegociar o seu salário. Essas renegociações levam a salários mais altos”, diz o professor da FGV.
Para aqueles que não acreditam ser benéfico, os principais motivos foram:
“Os empregadores podem pensar de forma diferente, porque a transparência total conduz a um efeito secundário não intencional: transfere de facto o poder de negociação para o empregador e a empresa obtém um poder de definir o salário, nomeadamente para baixo,” diz Ferreira.
Quando separados pelo nível hierárquico, pode se perceber que a liderança mais alta é menos propensa a querer que se divulgue o salário em descrições do cargo, e junto a isso também consideram menos o salário em uma oferta de emprego.
Quando questionados se os empregadores deveriam ser obrigados a divulgar os salários nas descrições de cargo, responderam que sim:
Ao serem questionados o quão importante era saber o salário para uma oferta de emprego antes de se candidatar, responderam que sim:
“Conforme as posições ficam mais sêniores, maior é a chance de o empregador deixar para falar sobre remuneração apenas nas etapas finais do processo seletivo. Isso porque geralmente uma das estratégias da empresa é fazer um mapeamento de mercado e entender o quanto os profissionais daquela determinada posição estão ganhando em média, e, a partir disso, avaliar a estratégia de remuneração que será utilizada”, diz Alexandre Benedetti, diretor geral da Talenses e cofundador do Talenses Group.
Além disso, Benedetti reforça que os critérios para uma eventual decisão de mudança de trabalho são diferentes para a alta liderança. “Ainda que pacotes de remuneração, que vai muito além de salário para cargos de alta de liderança, sejam muito importantes para a tomada de decisão, outros fatores passam a ter mais relevância, como o desafio do projeto, qual será o legado que este executivo poderá deixar, a cultura da empresa e com quem e para quem ele irá trabalhar.”
Os primeiros registos históricos mostram que os trabalhadores eram compensados com as necessidades de subsistência, principalmente comida e abrigo, afirma Ferreira. Por exemplo, rações diárias de cerveja eram fornecidas aos trabalhadores na Mesopotâmia.
“Esse tipo de sistema de troca ainda existia por volta de 50 a.C., quando os soldados romanos eram pagos em sal, uma mercadoria altamente valorizada na época. Na verdade, a palavra ‘salário’ vem da palavra latina “salarium”, que significa dinheiro salgado”, diz professor da FGV Eaesp.
Com o início da Revolução Comercial, no século 16, surgem as economias baseadas no comércio em que os trabalhadores começaram a serem pagos pelos períodos trabalhados ou pelas peças produzidas.
“Por volta deste período, temos também o início do sistema bancário moderno que permitiu que a moeda se tornasse o pagamento de troca pelo trabalho. À medida que grandes organizações como as empresas das Índias Orientais começam a surgir, os gestores também começam a ser compensados com participações nos lucros da empresa”, afirma Ferreira.
Com a Revolução Industrial do final do século XIX, as corporações empresariais modernas tornaram-se um elemento central do mercado de trabalho e contribuíram para o surgimento da classe do trabalhador profissional, afirma o professor da FGV.
“Muitos trabalhadores começaram a receber um salário fixo em intervalos regulares pela primeira vez na história. Na era moderna, o salário chegou a incluir comissões e participações nos lucros, além de benefícios e gratificações.”
Considerando as gerações, a amostra ficou dividida entre 40% da geração Y, 30% da Z, 26% da X, e 4% representando baby boomers. Com essa divisão, a pesquisa identificou que para os mais experientes do mercado é mais fácil falar de salário na entrevista de emprego.
Discutir o salário durante a entrevista de emprego é muito fácil:
Independente da geração, para Benedetti, o salário sempre fará parte dos critérios mais importantes entre todas as gerações, inclusive a geração Z.
“Não apenas porque precisamos de dinheiro para seguir com nossas vidas, mas também porque a forma como somos remunerados continua sendo um fator fundamental de reconhecimento e valorização do nosso trabalho. O curioso é notar como o salário passa a ser um fator secundário para as novas gerações. E isso tem a ver com ‘poder de escolha’ e a sensação de liberdade que este conceito traz.”
“Trabalhar de forma remota e com mais flexibilidade de horário pode possibilitar uma vida menos engessada e com mais alternativas - algo que as novas gerações parecem estar bastante interessadas”, diz o diretor.
Algumas vagas abrem o salário em momentos diferentes do processo seletivo. Por exemplo, algumas empresas já divulgam o salário no próprio anúncio da vaga. “Geralmente quando isso acontece significa que o empregador não tem tanta flexibilidade para trabalhar na faixa de remuneração”, diz Benedetti, que reforça que o ponto positivo disso é que ao se candidatar a expectativa de remuneração já está alinhada desde a primeira etapa, possibilitando mais transparência e equidade salarial entre todos os profissionais que participarão do processo seletivo.
“Não há necessariamente uma melhor etapa para discutir o salário. Isso dependerá de profissional para profissional. Se salário e benefícios são critérios inegociáveis para o profissional, é válido tentar entender logo no início do processo seletivo. Isso evitará frustrações para os dois lados – candidato e recrutador”, afirma Benedetti.
A percepção sobre transparência aparenta ser para a maioria dos entrevistados uma medida boa, porque acreditam que teria um impacto positivo no ambiente de trabalho.
Apesar de o projeto de lei 1149/22, que exige que as empresas informem sobre o valor do salário na oferta de vagas de emprego, segundo Benedetti a discussão caminha a passos lentos dentro das organizações no Brasil.
“O tema é complexo e envolve um jogo de interesses entre diferentes atores que são parte dessa equação. Se por um lado a visão das empresas sobre transparência salarial pode trazer um conflito interno entre as remunerações de seus funcionários, por outro lado sabemos que mais transparência corrobora para um cenário de mais equiparidade salarial entre gêneros / grupos minorizados. O ponto de partida é termos mais dados para uma discussão saudável que leve em consideração a complexidade deste cenário.”