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Geoff McDonald, guru de saúde mental: chegou a hora de falar desse tema

Nesta semana, McDonald vai participar do Summit de Saúde Mental nas Organizações, evento promovido pela EXAME para discutir o tema

Geoff McDonald, da MindsatWork: após ter sido diagnosticado com depressão, o britânico virou um dos maiores entusiastas da saúde mental nas organizações (Divulgação/Divulgação)

Geoff McDonald, da MindsatWork: após ter sido diagnosticado com depressão, o britânico virou um dos maiores entusiastas da saúde mental nas organizações (Divulgação/Divulgação)

LB

Leo Branco

Publicado em 6 de dezembro de 2020 às 08h36.

Última atualização em 10 de fevereiro de 2021 às 17h05.

O britânico Geoff McDonald é um dos principais entusiastas em saúde mental no mundo. McDonald trabalhou por 25 anos na área de recursos humanos da multinacional Unilever em Londres. Em 2008, ele foi diagnosticado com um quadro de ansiedade devido à depressão.

Cansaço? Estafa? Burnout? Faça da pandemia uma oportunidade de reset mental

Após seu processo de recuperação, McDonald encontrou um propósito pessoal: diminuir o estigma associado às questões de saúde mental no ambiente de trabalho. Em 2014, ele deixou a Unilever para fundar a organização MindsatWork, que tem 2 mil membros dedicados a apoiar as organizações a apoiarem seus funcionários a resolver problemas de saúde mental.

Nesta semana, McDonald vai participar do Summit de Saúde Mental nas Organizações, evento promovido pela EXAME para discutir o tema. Na entrevista a seguir, conduzida por Toya Lorch, sócia-fundadora da consultoria Get Ahead, especializada no tema, McDonald aborda os benefícios de adotar uma perspectiva estratégica para promoção de saúde mental.

Qual é sua definição de saúde mental e de questões de saúde mental no ambiente de trabalho?

Saúde mental no contexto do trabalho está associada, por exemplo, à capacidade de concentração, processamento de informações complexas, tomada de decisão e manutenção de relacionamentos interpessoais de qualidade. Quando uma pessoa está fisicamente doente, não ficamos surpresos quando ela apresenta um sintoma.  Por que então ficamos surpresos e não sabemos como agir quando uma pessoa apresenta sintomas associados à questões de saúde mental? Quadros de depressão e ansiedade costumam comprometer a capacidade cognitiva. Por exemplo: capacidade de resolução de problemas, baixa concentração e memoria) e impactam negativamente a vivência emocional (irritabilidade, falta de motivação, medo de falhar. Abordamos problemas físicos com naturalidade e investimos na saúde física como forma de prevenir várias doenças. Chegou a hora de endereçar questões de saúde mental com a mesma naturalidade e proficiência! O estigma continua sendo a maior barreira para atingirmos esse objetivo.

Qual a importância de diminuir o estigma associado as questões de saúde mental?

Diminuir o estigma é o primeiro passo para as pessoas se sentirem a vontade para pedir ajuda quando não estão se sentindo bem emocionalmente. Além de saber pedir ajuda é fundamental saber oferecer ajuda quando você percebe que alguém está numa condição emocional vulnerável. É fundamental saber iniciar uma conversa sobre problemas de saúde mental.  Para isso, as pessoas precisam aprender a escutar, acolher e conhecer quais são os sinais que podem indicar que uma pessoa corre o risco e/ou apresenta questões de saúde mental. Conversar sobre saúde não significa dar disgnóstico e/ou solucionar o problema da outra pessoa pois esse é o papel dos profissionais da saúde. O papel do gestor e/ou colega é ajudar a pessoa a “sentir-se ok apesar de não estar ok” e a procurar ajuda qualificada, dentro ou fora da empresa.

E o que as empresas podem fazer para isso?

Nesse sentido as empresas têm um papel fundamental: assim como realizam treinamentos e campanhas sobre obesidade e câncer, elas podem disponibilizar informações e dar treinamentos sobre a importância de endereçar problemas de saúde mental com a mesma naturalidade e engajamento quando a questão é saúde física. Só é possível diminuir estigma por meio de um processo educativo que envolve autoconhecimento em saúde mental. Sim, em inglês chama-se literacy: saber diferenciar estresse positivo do negativo, tristeza de depressão, cansaço de burnout, níveis de ansiedade proporcionais e desproporcionais ao estímulo. Muitas pessoas acham que abordar questões de saúde mental implica em tolerar baixa performance. Esse é mais um motivo para alfabetizar os gestores. Assim eles terão mais facilidade para diferenciar baixa performance devido aos fatores inerentes ao mundo do trabalho (descontentamento em relação à empresa, problemas de relacionamento interpessoal, disputa de poder) dos casos que a baixa performance é consequência de questões de saúde mental. Até aqui falamos sobre do gestor nas situações em que um colega e/ou subordinado está vulnerável. Outro papel fundamental do gestor é desenvolver um estilo de gestão e liderança que constrói um ambiente de trabalho que promove saúde mental. Nesse sentido, as competências de liderança que há muitos anos já vem sendo disseminadas são fundamentais: empatia, dar feedback, definir metas atingíveis, construir uma visão de futuro que engaje as pessoas. Não podemos esquecer que o trabalho tem um papel fundamental na promoção de saúde mental pois promove o sustento financeiro e contribui para a construção da identidade e senso de propósito das pessoas.

Por que endereçar questões de saude mental com perspectiva estratégica é uma vantagem competitiva?

Os indicadores financeiros levantados pela Organização Mundial de Saúde já demonstram o custo de não endereçar questões de saúde mental. O impacto negativo no engajamento e produtividade é inquestionável. Empresas que estão genuinamente e proativamente preocupadas com o bem-estar emocional e saúde mental dos colaboradores tem um turn-over menor e atraem talentos. Observei inúmeras situações que o colaborador desenvolveu uma relação de “carinho” pela empresa pois percebeu que o gestor teve um papel fundamental no processo de superação de um subordinado que teve questões de saúde mental. Nesse caso, o papel do gestor pode passar por adaptar as rotinas de trabalho, ajustar suas expectativas em relação às entregas e buscar contornar o impacto de um colaborador que não está bem na performance e clima do time. Caso o colaborador precise ser afastado, é fundamental que o gestor saiba como abordar esse tema com os demais membros da equipe e como acolher após a licença.

Quais são as técnicas para endereçar questões de saúde mental? O que funciona e não funciona?

Não existe uma solução mágica pois construir uma cultura organizacional que promove saúde mental exige rever paradigmas e crenças sobre qual é papel das organizações na sociedade. Isso não quer dizer que nada pode ser feito “aqui e gora”.  O primeiro passo é investir em ações de desestigmatização para que as pessoas se sintam à vontade para pedir ajuda no ambiente de trabalho sem sentir medo que serão estigmatizadas e/ou retaliadas.  O segundo passo é capacitar os gestores para que construam relações de confiança que permitem conversas corajosas e efetivas sobre saúde mental com seus colaboradores. Os líderes sêniores têm como responsabilidade modelar comportamentos que promovem saúde mental e gradativamente construir uma cultura de trabalho baseada no pressuposto que promoção de saúde mental e produtividade devem sempre andar juntos.

Há exemplos de melhores práticas?

Programas de capacitação de gestores e líderes formais e informais para destigmatizar o tema (alfabetização). Encorajar os colaboradores (principalmente líderes seniores) a compartilhar suas próprias histórias de enfrentamento e superação de questões de saúde mental. Disseminar técnicas e ferramentas que aumentam a efetividade e confiança do gestor para abordar o tema com seu subordinado de forma assertiva e acolhedora.  Treinar alguns colaboradores para atuarem como “mental health first aider” (pessoa de referência que qualquer colaborador pode procurar caso ele não se sinta a vontade para conversar com seu gestor ou com a área de Recursos Humanos; o papel dessa pessoa é apoiar e apontar o caminho para que pessoa sinta-se pronta para pedir ajuda dentro ou fora da empresa). Definir e monitorar indicadores que sustentem a construção de um business case que reforça o impacto positivo de investir em promoção de saúde mental. Formar grupos de advocacy ou de influenciadores, pessoas cuja motivação é construir organizações mais saudáveis. Esses grupos podem ser formados dentro das empresas e fazer parte das iniciativas de Diversidade e Inclusão. Na Inglaterra temos grupos de advocacy específicos para alguns mercados, como City Mental Health Alliance, que agrega empresas do mercado financeiro, tais como bancos, consultorias, escritórios de advocacia.

E quais são as oportunidades para as empresas com esse trabalho?

As empresas têm receio de abrir a “Caixa de Pandora” da saúde mental pois isso implica expor os líderes, aumentar as expectativas dos colaboradores em relação ao que as empresas podem/devem fazer para promover saúde mental e apoiar colaboradores vulneráveis. Em algumas situações isso pode até esbarrar em questões legais.

Como ajudar as empresas a lidar com esse desafio?

Um caminho é adotar a perspectiva positiva, ressaltando os benefícios de endereçar temas de saúde mental (ex: diminuição dos custos associados à saúde ocupacional, aumentar engajamento, diminuir turn-around). É essencial envolver e implicar as lideranças sêniores nos esforços de promoção de saúde mental e desestigmatização das questões de saúde mental.

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