Entenda o lado mais cruel da MP que alterou a Reforma Trabalhista
Recolhimento complementar da previdência ficou na conta do trabalhador que recebe menos do que o salário mínimo
Camila Pati
Publicado em 1 de dezembro de 2017 às 06h00.
Última atualização em 1 de dezembro de 2017 às 06h00.
São Paulo - A Medida Provisória 808 publicada neste mês alterou algumas normas da Reforma Trabalhista (Lei 13.467/2017) e uma das mudanças, segundo especialistas, desfavorece trabalhadores que recebem mensalmente menos do que o salário mínimo.
A medida põe na conta destes profissionais o dever de complementar o recolhimento da contribuição ao INSS para que tenham direito ao benefício da previdência. Quem não fizer isso vai perder o status de segurado.
Roberta de Oliveira Souza, advogada especialista em direito e processo do trabalho, diz que podem ser afetados profissionais em regime intermitente, regime parcial e também os aprendizes pois são estes os trabalhadores que podem não atingir remuneração mensal equivalente ao salário mínimo por conta da jornada reduzida de trabalho. “Houve flagrante desproteção social”, diz.
Um trabalhador intermitente que durante um mês receba 200 reais como salário, por exemplo, terá que recolher para a Previdência mais 58,96 reais, ou seja, terá de arcar com mais de 25% de seus rendimentos para se manter como segurado do INSS.
O objetivo da MP foi resolver o problema tributário, já que benefícios previdenciários pela regra não podem ser menores que o salário mínimo, o que exige que a contribuição também incida sobre o mínimo, mas criou um problema social, afirma Igor Rodrigues, juiz do Trabalho e ex-procurador federal.
“Na prática, o custo proporcional desse recolhimento para o trabalhador é muito alto, sendo que por conta disso a tendência é que o trabalhador opte por não efetuar o recolhimento previdenciário”, diz o juiz.
Assim, ele antevê um grande número de profissionais sem nenhuma proteção para os riscos que a previdência cobre como, por exemplo, doença, invalidez, morte e idade avançada, por exemplo.
Segundo o juiz do trabalho, a complementação deveria ser obrigação da empresa contratante. “Proporcionalmente os valores são baixos para a empresa que se sentiria estimulada a contratar o mesmo empregado pelo maior tempo possível, de forma a minimizar sua contribuição, o que permitiria maior integração do trabalhador intermitente. Infelizmente, não foi essa a opção do legislador”, diz Rodrigues.
Como é possível que um trabalhador ganhe menos que o salário mínimo por mês?
No regime intermitente, o profissional recebe por hora trabalhada. O valor da hora deve ser corresponder ao salário mínimo, mas se ele pode não ser convocado para trabalhar o número mínimo de horas que atinjam o valor do mínimo mensal.
Segundo a advogada Roberta de Oliveira Souza, a possibilidade de receber menos do que salário mínimo mensal não foi inaugurada pelo regime intermitente. “Já existem na CLT modalidades de contratação que permitem o pagamento a menor do salário mínimo mensal quando a carga horária de 44 horas mensais não é cumprida. É o que ocorre com os aprendizes e com os empregados que trabalham tempo parcial”, explica.
Como vai funcionar o recolhimento complementar da previdência?
Na segunda-feira, a Receita Federal, publicou ato no Diário Oficial, regulamentando o recolhimento da contribuição do trabalhador intermitente confirmando o que já estava exposto na MP 808, segundo Rodrigues.
O prazo de recolhimento da cota previdenciária correspondente ao salário deve ser feito até o dia 20 tanto para o empregador quanto para o empregado que precisa complementar com a diferença para alcançar o valor correspondente ao salário mínimo mensal.
“O percentual é de 8% porque a complementação ocorre com base no salário mínimo, sendo esta a alíquota devida, não podendo o segurado recolher sobre um valor maior" explica o juiz.
O pagamento dessa diferença é individual e espontâneo. “O empresado acaba sendo responsável pelo seu próprio recolhimento, se assemelhando ao trabalhador autônomo”, diz Rodrigues.
E se ele esquecer de pagar em um mês? Para a previdência, será como se o trabalho não tivesse sido prestado, de acordo com o especialista. “Aquele mês de nada valerá para fins previdenciários, não garantindo permanência como segurado nem contagem de tempo de contribuição para carência dos benefícios”, explica.