Carreira

Desça do salto

Ser aprovado no programa de trainee não é o mais difícil. O complicado é não deixar que essa conquista suba à cabeça

EXAME.com (EXAME.com)

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Da Redação

Publicado em 21 de maio de 2013 às 14h29.

São Paulo - Até ser aprovado em um programa de trainee, o candidato enfrenta uma bateria de testes e entrevistas. O aspirante deve ter um excelente currículo, passar por testes de personalidade, se destacar nas dinâmicas de grupo, apresentar painéis de negócios aos gestores da empresa e, em alguns casos, encarar uma série de entrevistas com a diretoria e até com o presidente da companhia — uma etapa em que cada resposta é decisiva para a contratação ou para a exclusão do candidato.

Superar uma seleção como essa significa deixar milhares, ou dezenas de milhares de concorrentes para trás. Ser aprovado significa fazer parte de um seleto clube no qual, supostamente, as grandes companhias esperam encontrar seus futuros líderes. Considerando tudo isso, não é tão difícil entender o efeito colateral que afeta muitos trainees recém-aprovados: o chamado salto alto. Basta circular pelos corredores de qualquer empresa com um programa de trainees para reunir histórias de colaboradores estupefatos com a atitude de jovens trainees com experiência zero e arrogância que faria supor um cargo diretivo. 

O hoje coordenador de marketing da BR Malls, Raul Cilento, de 26 anos, admite que no começo de seu programa de trainee, na Johnson & Johnson, pecou pelo excesso de confiança. “Hoje vejo claramente que sabia muito menos do que achava que sabia”, diz. Foi durante o rodízio nos departamentos, ou job rotation, que ele percebeu que teria de mudar de atitude. “Saí do setor de marketing, no qual já tinha experiência, e sentia que estava brigando por uma posição, para a área de vendas, na qual eu não sabia nada. Tive que baixar a bola e apanhei bastante para aprender o serviço e para encontrar o meu espaço dentro da equipe”, recorda-se.

A mudança de comportamento valeu a pena. “Saí do programa fortalecido. Desenvolvi minha capacidade de relacionamento e aprendi a fazer alianças de trabalho para chegar aos resultados”, diz. O conselho dele para não passar uma imagem errada é diminuir a cobrança sobre si mesmo. “A gente acha que precisa se destacar a agregar valor sempre. Mas há momentos em que você simplesmente não sabe nada e não há problema em admitir isso”, afirma Raul Cilento. Esse é um grande aprendizado e também uma prova de maturidade que muitos jovens ignoram. 

Ambição pelo topo

Para os especialistas, parte da responsabilidade sobre o comportamento equivocado de alguns jovens profissionais é da própria empresa. “É comum que, nas palestras do início do programa, as companhias coloquem ex-trainees que já chegaram a cargos mais altos para falar de sua trajetória de sucesso. Isso gera uma ansiedade nos novos jovens, porque acham que o próximo passo é uma posição gerencial”, diz Danilo Castro, diretor da consultoria Page Personnel.

Na maior parte das organizações, o trainee assume o posto de analista ao fim do programa. Uma pesquisa feita pela Page Personnel com 19 000 candidatos mostra que 23% deles, quase um quarto, afirmam que seu objetivo é assumir um posto de gerente na companhia após o programa. “Seria interessante que as empresas apresentassem um plano de carreira claro aos trainees, para que eles entendessem que vão ter de ganhar muita experiência até chegar ao sonhado posto gerencial”, diz Danilo Castro.


Fruto da ansiedade ou não, o fato é que uma atitude considerada arrogante pode ter impacto negativo sobre a carreira do jovem profissional. “O programa de trainee dura até três anos. Depois disso, é vida normal. E para crescer na empresa vai ser preciso apresentar resultados e construir bons relacionamentos”, diz Bruna Dias, gerente de orientação de carreira da consultoria Cia de Talentos. Para não passar uma imagem negativa e prejudicar o networking, Bruna orienta aos trainees a ter atenção ao uso que fazem do contato privilegiado com diretores e vice-presidentes durante o programa. “Se o jovem comenta que vai tratar do assunto com um VP ou que já falou do projeto com o diretor, isso pode soar arrogante para os colegas”, adverte Bruna. 

Ter humildade ajuda

Se alguém ainda acredita que a humildade é um ingrediente secundário no perfil de um trainee de sucesso, pode se surpreender ao descobrir a importância dessa característica dentro da cultura de várias empresas. É o caso do grupo Ale Combustíveis. “Como somos uma companhia que valoriza muito o respeito às pessoas, o trabalho em equipe e a humildade, buscamos como trainees jovens com uma história pessoal alinhada com esses valores”, diz Vladimir Barros, gerente de RH do grupo Ale.

Um dos selecionados para o programa da empresa foi o engenheiro Bráulio Moreira, de 24 anos, que tem um perfil bem diferente do estereótipo de um trainee. “Sempre estudei em escola pública. Minha mãe trabalhava em casa de família e meu pai é técnico em contabilidade”, diz. Antes e durante a faculdade de engenharia de produção, ele precisou trabalhar como torneiro mecânico e garçom para se sustentar. “Mesmo trabalhando e estudando durante o curso, me destaquei.”

Para fazer parte do curso no exterior, Bráulio vendeu seu Fusca e trabalhou na universidade que o acolheu, na Alemanha. Experiências que ele hoje acredita contar a seu favor no programa de trainee. “Para conseguir resultados, não basta ter talento, é preciso ter as ferramentas. E quem tem as ferramentas são os funcionários mais antigos e experientes. Para que meu potencial aflore, preciso do apoio do resto da equipe”, afirma Bráulio. “Com humildade, se ganha o respeito das pessoas. E só se conquista a liderança tendo o respeito dos demais.” 

Atitude arrogante

Os especialistas também alertam para a confusão que muitos trainees fazem entre a agressividade na busca pelos resultados, ou ambição por crescer, e a arrogância pura e simples. “Quem agrega valor colabora com o trabalho e aponta soluções. Quem é arrogante apenas critica sem ter conhecimento de causa”, diz Danilo Castro, da Page Personnel. Mesmo em empresas altamente competitivas, como as instituições financeiras, a atitude salto alto vem sendo combatida. “Desde o princípio do programa, os superintendentes nos orientam a ter humildade, paciência e a valorizar o trabalho em equipe”, diz Paula Matsuda, trainee do Itaú-Unibanco.

Numa época em que a maneira como os resultados são obtidos conta tanto quanto os resultados propriamente ditos, fica a lição: “A competitividade saudável estimula a superação. Arrogância é passar por cima dos outros para alcançar resultados. Você pode até conseguir, mas o estrago no clima organizacional é enorme”, afirma Vladimir Barros, RH do grupo Ale.

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