Renata Costa, do Grupo Boticário: um ano sabático antes de voltar ao trabalho (Marcelo Almeida)
Da Redação
Publicado em 16 de outubro de 2013 às 09h36.
São Paulo - Interromper a carreira por causa do nascimento do filho foi uma decisão que a carioca Renata Costa, de 38 anos, gerente nacional de vendas e operações de varejo do Grupo Boticário, de Curitiba, jamais pensou que teria de tomar. Mas ainda no período da
licença-maternidade, em uma conversa com seu chefe, percebeu que o nascimento do filho — hoje com 2 anos — exigia uma revisão de seus planos profissionais.
Na época, ela era gerente de uma filial da C&A em Fortaleza e viajava pelo menos duas vezes por semana. "Percebi que aquela movimentação toda não cabia mais em minha rotina", diz. Constatar que estava diante de uma situação que a obrigava a mudar seus planos de vida surpreendeu Renata, uma profissional que até aquele momento colocava o trabalho no topo da lista de prioridades.
"Queria passear pela praia e ver o pôr do sol com meu filho", afirma. Após alguns dias, decidiu pedir demissão e iniciar um ano sabático — escolha facilitada pela reserva financeira de que dispunha. Depois de um ano curtindo o filho, Renata retomou a carreira. Em 2012, ingressou no Grupo Boticário, que lhe ofereceu uma rotina mais tranquila. Hoje, ela viaja por três dias a cada dois meses. "Tenho uma vida bem equilibrada hoje, com tempo para ser mãe, executiva e esposa", diz.
A história de Renata mostra que mesmo mulheres que dão grande valor ao crescimento profissional podem ficar divididas entre o trabalho e a maternidade. Uma pesquisa da Robert Half, firma de recrutamento de São Paulo, feita com 1.775 companhias de 13 países, inclusive o Brasil, reforça essa tendência.
Em 85% das empresas brasileiras, metade das mulheres deixa o emprego após o nascimento do filho. Segundo Daniela Ribeiro, gerente sênior das divisões de engenharia e marketing & vendas da Robert Half, tem sido comum mulheres tirarem um ano de afastamento após a licença-maternidade para se dedicar à primeira fase de vida dos rebentos. "Depois, parte delas volta a trabalhar", diz.
Essa interrupção mais longa reflete o desejo das mulheres de assumir de forma mais plena o papel de mãe. "Há uma necessidade crescente de ajuste entre a vida pessoal, a profissional e a familiar", afirma Tania Casado, professora do Programa de Estudo em Gestão de Pessoas da Fundação Instituto de Administração (Progep-FIA), de São Paulo.
Estímulo para voltar
Entre mulheres com cargos gerenciais, o cenário é um pouco melhor. Segundo o estudo da Robert Half, essas profssionais costumam voltar ao trabalho mais rapidamente: entre as gestoras, 37% deixam o emprego após o nascimento dos filhos. "Em geral, o perfil dessas mulheres é mais dinâmico e elas não se veem fora do mercado de trabalho", afirma Daniela.
Essa diferença se deve a alguns pontos. Primeiro, ao fato de que para a mulher é mais difícil alcançar um cargo de liderança. Ao chegar lá, ela não quer abrir mão dessa conquista. A questão financeira também pesa. Posições de liderança têm remuneração melhor, o que dá à profissional mais condição de pagar uma babá.
Com maior estrutura em casa, fca mais fácil retornar ao trabalho. Além disso, em alguns casos, o salário da mulher sustenta a família. "Meu salário faz diferença em casa", diz Cristiane Souza, de 38 anos, diretora de vendas da Unilever. Mãe de um bebê de 8 meses, ela voltou logo após a licença-maternidade e em ritmo acelerado. "Durante minha licença, já sabia que seria promovida ao voltar", diz.
Há 15 anos na empresa, ela nunca teve receio de engravidar por causa da carreira, já que a empresa onde trabalha oferece horários flexíveis, berçário, creche e outras formas de apoio a esse retorno. Trata-se de um caso isolado entre as empresas brasileiras, que em geral não oferecem essas facilidades. Cristiane pode, por exemplo, fazer pausas no expediente para amamentar.
Outro atrativo para que a mulher volte ao trabalho, de acordo com a pesquisa da Robert Half, seria a possibilidade de trabalhar em tempo parcial ou com flexibilidade de funções após retornar da licença-maternidade, aspecto pouco explorado no Brasil — apenas 31% das empresas adotam essa prática.
Segundo Daniela, a legislação brasileira e as companhias ainda são conservadoras em relação a horários e jornadas de trabalho. De acordo com a consultora ana carla Scaladrin, professora de gestão de pessoas da FIA, de São Paulo, trata-se de uma questão cultural. "Ainda são raras as empresas que conseguem estruturar boas ações nessa área", diz.
A falta de alternativas é o que leva muitas profissionais à decisão extrema de pedir demissão. "Não tinha flexibilidade alguma em meu horário de trabalho", diz Diana Lemos Benfatti , de 32 anos, que há três meses decidiu pedir demissão para se dedicar aos flhos e à família.
Diana, que tem dois flhos, uma de 3 anos e outro de 8 meses, vivia um bom momento de carreira no banco Santander e a opção de parar foi o desfecho de um conflito desgastante. "Gostava muito do meu trabalho, mas já não conseguia me dedicar como antes", diz. Diana fez um ano e meio de terapia até conseguir pedir demissão. "Tive de quebrar um mito e contrariar meu planejamento de vida", afirma.
Com o apoio financeiro do marido, ela pôde tomar essa decisão com mais segurança. Diana não descarta a possibilidade de voltar ao trabalho, desde que seja uma ocupação que se molde ao ritmo de vida que leva com a família.
Novos tipos de trabalho
O dilema da maternidade ganha força nas decisões de carreira das profissionais porque o mercado de trabalho mudou muito, embora as empresas e a legislação trabalhista insistam em repetir modelos prededefnidos que não correspondem à realidade profissional de mais ninguém.
"Não sei como alguém ainda pensa em trabalhar por jornadas", diz Rosiska Darcy, pesquisadora e escritora feminista, do Rio de Janeiro.
Para ela, é uma angústia de homens e mulheres. "Nunca houve tanto rebuliço entre o trabalho e a vida privada", aifrma Rosiska.
Ela aponta também mudanças sociais, como novas confgurações familiares, com pais do mesmo sexo ou vivendo em lares diferentes, e fatos que modifcam a maneira de se pensar a carreira. Na Unilever, por exemplo, a licença-maternidade é concedida até para casais do mesmo sexo que decidem adotar uma criança, e a fexibilidade de horário é normal.
Na Seguradora Banco do Brasil e na Mapfre, as mulheres têm cuidados especiais. Além da licença-maternidade de seis meses, as funcionárias recebem desde o início da gestação orientações sobre maternidade, cuidados de saúde da mãe e da criança e preparação para o retorno ao trabalho.
"Muitas vezes, a decisão da mulher de ter flhos está relacionada ao apoio que ela receberá no retorno ao trabalho, tanto em casa quanto
na empresa", diz Cynthia Betti, diretora de RH. A consequência desse descompasso entre o que está escrito na lei e a situação real das
mulheres na empresa é que as negociações de trabalho são feitas de forma individualizada.
Nem empresas nem chefes nem profissionais sabem exatamente que modelo seguir e acabam resolvendo as questões caso a caso. "Não estou desmerecendo isso, mas enquanto essa conversa continuar no plano informal, nada vai mudar", diz Tania, da FIA. Segundo ela, o ponto de partida passa por uma mudança cultural — o que leva tempo e deve envolver todos.
A psicóloga Weenna Ribeiro, de 35 anos, consultora em projetos especiais da Bosch, em Campinas, só voltou ao conseguir um modelo de trabalho que lhe permitisse estar mais com sua flha, hoje com 3 anos. Weenna trabalha das 8 às 12 horas e tem a tarde livre para fcar com ela. "Posso levá-la à natação e acompanhar mais de perto seu crescimento", afirma.
Mas, para conseguir esse arranjo — que faz parte do programa Part Time —, Weenna abriu mão de algumas coisas. Passou a ganhar metade do que recebia e tem apenas 15 dias de férias, mas afrma que a satisfação de fazer os dois papéis — de mãe e profissional — compensa.
Seja qual for a decisão da mulher, o mais importante é se planejar antes e durante a maternidade. De acordo com Danute Gardziulis Carneiro, diretor da Gardz, empresa de recrutamento de São Paulo, se a executiva optar por voltar, deverá se manter atualizada para que esse retorno ao trabalho seja natural. "A empresa não deve notar perda de desempenho", diz.
Muitas vezes, ela precisará se organizar para isso, com a redistribuição de tarefas em casa e a mudança de rotina. O importante é que a decisão esteja de acordo com as perspectivas e os desejos da mulher, e não baseada em cobranças do mercado.