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Além das ruas, polarização política é desafio dentro das empresas

Especialistas ouvidos pela EXAME apontam caminhos para que empresas administrem melhor possíveis crises causadas por polarização política

WASHINGTON, DC - 06 de janeiro: Um manifestante grita dentro da Câmara do Senado em 6 de janeiro de 2021 em Washington, DC. O Congresso realizou uma sessão conjunta hoje para ratificar a vitória do Colégio Eleitoral 306-232 do presidente eleito Joe Biden sobre o presidente Donald Trump. Manifestantes pró-Trump entraram no prédio do Capitólio dos EUA durante manifestações em massa na capital do país. (Foto de Win McNamee / Getty Images) (Win McNamee/Getty Images)

Victor Sena

Publicado em 27 de janeiro de 2021 às 15h29.

Última atualização em 27 de janeiro de 2021 às 16h26.

Brasil, Estados Unidos, Europa. Apesar de terem sistemas políticos diferentes, esses lugares viram a polarização política crescer nos últimos anos, com aumento da radicalização e das defesas apaixonadas por certas ideias.

O impeachment da ex-presidente Dilma Rousseff, em 2016, a eleição do presidente Jair Bolsonaro em 2018 e a recente invasão do Congresso americano por eleitores do ex-presidente Donald Trump são exemplos de episódios que são causa e consequência do abismo entre as recentes divisões na sociedade. 

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O tema ainda é observado por cientistas políticos e historiadores e as conclusões ainda são poucas. Em meio a isso, as empresas não saem imunes porque são formadas por pessoas.

Entre os novos desafios dos gestores e departamentos de recursos humanos estão a polarização e a hostilidade por quem pensa diferente dentro das equipes. 

A situação ganhou tanta relevância, que a Fuqua Business School, da Universidade de Duke, dos Estados Unidos, lançou um curso para treinar executivos a estimular o diálogo e a lidar com a polarização.

O curso da universidade não dá um manual para resolver esses conflitos, mas apresenta situações reais e exemplos para estimular os líderes a encontrar os caminhos que permitam o convívio da diferença. 

Por trás disso está o que o reitor da escola de negócios, William Boulding, chama de “decência”.

Ela não tem tanto a ver com o conceito tradicional de boa postura, mas está ligada mais à empatia e à capacidade de enxergar o outro como uma pessoa digna, apesar das diferenças.

Alcançar esse modelo ideal, porém, é desafiador e existe a ameaça de que a polarização rompa com essa dinâmica positiva. Agora, o desafio está além de “como aumentar a receita da empresa”.

Na visão do professor, existe uma questão em aberto: as empresas assumirão um papel de lutar contra a divisão política ou vão sucumbir a essa dinâmica? 

“Eu noto que há uma expectativa crescente na sociedade de que líderes entrem nessa responsabilidade, que eles ajudem a curar feridas e juntar pessoas, agindo amplamente, fora dos seus negócios. Mais líderes estão agindo no espaço que antes era visto só para políticos”

William Boulding, professor da Duke University

Essa lição que as empresas podem dar para a sociedade tem a ver com a possibilidade de atingir um propósito em comum, aprender um com o outro.

Entre os objetivos do curso da Duke University está o de criar pertencimentoevalor, para que todos sintam que dão o melhor no serviço. 

Além das habilidades técnicas e inteligência emocional, o professor prega um "Quociente de Decência" nas lideranças.

Isso é o que garante um dos pontos fundamentais ao lidar com a polarização: as pessoas têm o direito de expressar suas visões e com isso todos podem aprender. 

"Nós acreditamos que um bom time é formado por bons indivíduos e acreditamos que existem algumas condições especiais que você deve colocar em uma lugar para criar bons times, e uma delas é que ele precisa de diversidade", defende Boulding.

Esse mundo polarizado politicamente ganhou força, na visão de David Braga —  executivo e CEO da Prime Talent Brasil —, com a massificação do uso das redes sociais.

Para ele, ali são espaços em que as pessoas podem “fazer uma guerra sem levantar uma arma”. Com a ascensão de fake news, as pessoas têm sido arrastadas com veemência para suas causas.

“No ambiente corporativo, tem sido frequente a gente observar essa divisão porque não temos visto mais tanta diferenciação entre vida pessoal e profissional. Se a pessoa não tem ética e compliance na vida pessoal, não vai ter na vida profissional, porque seus comportamentos e habilidades vão de um para outro”

David Braga, CEO da Prime Talent

Assim como o professor Boulding, Braga entende que esse contexto força as lideranças a orquestrar interesses diversos, exigindo dos gestores novas habilidades.  

O gerenciamento de crises é fundamental para garantir um clima harmônico e retenção de profissionais.

William Boulding, da Duke University, destaca que, ao ignorar esses comportamentos, as pessoas deixarão de gostar umas das outras no trabalho porque elas caracterizarão os outros com base em características superficiais. 

David Braga também explica que se as empresas não encararem os conflitos causados pela polarização haverá problemas para a sustentabilidade do negócio, porque a inovação deixa de acontecer.

Nesse contexto, o assédio moraltambémpode ocorrer mais facilmente. Esse tipo de violência acontece mesmo fora da hierarquia de chefia e funcionário.

“Quando você divide e não tem senso de comunidade, você não atinge o senso comum, o propósito e o legado”, opina.

O papel das empresas para ajudar a diminuir a polarização na sociedade também é o de educar as equipes, na visão de David.

Segundo ele, profissionais costumam ser contratados sem inteligência emocional e com carência de valores.

“Muitas vezes as pessoas chegam às empresas sem maturidade emocional, sem maturidade para lidar com polarizações e diversidade. Isso dá para o líder um papel social que é educar. De nada vale ter um melhor currículo do mundo se você não sabe nada de  empatia, escuta ativa, controle emocional. Isso é a pólvora da polarização”

Entre os caminhos para tirar o melhor da diversidade de opiniões e evitar conflitos está o monitoramento das habilidades e do perfil de cada profissional. 

David defende que os departamentos de recursos humanos conheçam as pessoas com perfil “agressivo” ou questionador e verifique se há possíveis “gaps” em suas capacidades emocionais. A partir disso, é necessário uma mentoria: 

“Com falta de controle emocional, você não tem ascensão na carreira. Um líder que tem ideias fixas é o próximo que será trocado nas empresas porque vivemos um tempo de compartilhamento e da diversidade”.

Outras questões passadas no curso da Universidade de Duke são: como você recupera a habilidade de reconhecer o ponto que esses grupos diferentes têm em comum? Onde eles convergem? Onde diferentes soluções podem se tornar viáveis?

Para responder a essas questões, é necessário retomar a ideia de decência, defendida pelo professor Boulding:

"Essa é a ideia que você se importa com outras pessoas, e você quer aprender com elas e quer ser transparente, comunicar de forma efetiva. Decência é servir os outros, em vez de ser egoísta. E uma vez que você tem essa visão, eu acredito que boa parte da raiva que existe nas divisões políticas pode ir embora".

 

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