Carreira

A reforma administrativa vai acabar com o sonho da carreira pública?

A reforma administrativa foi enviada ao Congresso. Entenda o impacto na carreira dos profissionais buscando um concurso, segundo especialistas

Congresso Nacional (Paulo Whitaker/Reuters)

Congresso Nacional (Paulo Whitaker/Reuters)

Luísa Granato

Luísa Granato

Publicado em 5 de setembro de 2020 às 08h00.

Na quinta-feira, dia 3, a equipe econômica encaminhou para o Congresso Nacional o Projeto de Emenda Constitucional (PEC) da primeira parte da Reforma Administrativa.

A proposta não será válida para os servidores atuais, mas deve altera o serviço público civil nos poderes Legislativo, o Executivo e o Judiciário. Militares, magistrados e parlamentares ficam de fora das novas regras.

Entre as principais mudanças estão o fim do regime jurídico único, a alteração na regra para desligamentos, o fim do adicional por tempo de serviços e aumento da autonomia do presidente da República.

Após um ano difícil para quem se prepara para um concurso público e planeja uma carreira na área, com diversas inscrições postergadas e provas canceladas por causa da pandemia, a proposta do governo aumenta a apreensão sobre o futuro para os candidatos.

No entanto, segundo o advogado Willer Tomaz, sócio do escritório Willer Tomaz Advogados Associados, não há motivo para pânico.

“Os concursos continuarão ocorrendo porque o Estado depende de estrutura e recursos humanos suficientes para que suas instituições funcionem. O novo paradigma não é o de eliminação das oportunidades, mas de otimização da máquina pública e de recompensação ao bom servidor, eficiente e compromissado com as suas funções. Este não deve se preocupar com a reforma administrativa", opina o advogado.

Para Gabriel Henrique Pinto, diretor da Central de Concursos, o projeto para reforma já foi mais ambicioso na limitação de benefícios, com ideias como o fim total da estabilidade.

Ele defende que ainda exista a estabilidade, por ser um mecanismo que ajuda na prevenção da corrupção --- mas acredita que a regra necessita de uma atualização.

“Não há no mundo uma estabilidade como no Brasil. Estatais como a Caixa ou a Petrobras não possuem estabilidade e ainda são atraentes para os candidatos. Agora, é justa a preocupação do governo com cargos obsoletos e a promoção automática. Hoje, apenas existir em um cargo garante um ajuste anual”, comenta ele.

Pela PEC, funcionários públicos poderiam ser demitidos por mau desempenho ou por sentença judicial. A regra atual apenas permite a infração disciplinar e uma condenação transitada em julgado.

Sobre os aumentos, muitos funcionários ainda recebem um reajuste de 1% no salário todo ano, mesmo com a regra sendo extinta há 20 anos. Hoje, técnicos do governo afirmam a União gasta R$ 8 milhões por ano com esse tipo de pagamento para funcionários que ganharam o direito antes do fim da regra.

Da forma como está posto, o projeto de reforma é muito generalista, segundo Pinto. O fim da promoção automática é um bom exemplo. O texto coloca uma proposta de mérito para o avanço na carreira, mas não detalha como isso se aplica para diferentes funções da máquina pública.

“Como você mede isso para um policial, um juiz ou um gari? Ainda vamos sentir como será a reforma quando for tratada no Congresso. E também veremos muita pressão dos servidores públicos como oposição”, comenta ele.

E, mesmo com as mudanças, ele vê que a carreira pública mantém sua atratividade. Primeiro pelos salários iniciais superiores aos de empresas privadas, com profissionais com ensino superior completo podendo receber 7 ou 8 mil reais na entrada do serviço.

Segundo, as carreiras consideradas típicas do estado ficaram fora da reforma e são as mais cobiçadas pelos concurseiros. “Quando se fala do mercado de concursos, ele é para ser policial, delegado, juiz ou promotor, essas são as carreiras mais procuradas em absoluta maioria. É difícil ver alguém atrás de cursinho preparatório para a prova de enfermeiro, por exemplo”, explica.

Para Leonardo Freitas, presidente da HW Human Capital, consultoria em recrutamento executivo, a reforma administrativa apresentada pelo governo federal vem a resolver uma série de gargalos na máquina pública brasileira.

“As pessoas enxergam no serviço público uma oportunidade de ganhar dinheiro, uma situação totalmente diferente dos Estados Unidos ou da Europa onde os cidadãos trabalham nos governos com o objetivo de servir à nação”, diz Freitas. “Temos que acabar com o fisiologismo nos governos.”

Um ponto positivo da reforma, na visão do especialista, é o fato de ela incluir critérios de meritocracia na máquina pública, como a possibilidade de demissão do gestor por mau desempenho.

“Se isso for aprovado, há chances de uma melhora na qualidade da prestação do serviço público em linha com o praticado em outros lugares do mundo”, diz Freitas, lembrando que em países como os Estados Unidos não existe concurso público – o servidor é contratado por competência profissional.

“Caso este servidor público não cumpra as metas e não tenha o desempenho desejado para a função a demissão é plenamente admitida nestes casos”, diz.

O endurecimento das regras aos novos servidores públicos não deve mexer, contudo, na vontade de profissionais imbuídos de um espírito de servir ao país.

“A questão do propósito é um dos pontos que vejo motivando muitas pessoas a irem para esse caminho de carreira e ele vai continuar existindo”, diz Isis Borge, diretora da empresa de recrutamento e seleção Talenses Group.

Entre os pontos positivos na reforma, segundo a especialista, está a introdução de inovações nas carreiras públicas como promoções com base em mérito e a eliminação por exemplo da promoção por tempo de serviço.

“Além disso a eliminação de mordomias como a licença-prêmio ou aumentos por tempo de serviço, aumentos retroativos ajudam a tornar o setor público mais eficiente e ele não fica tão distante do setor privado”, diz a especialista, que vê com bons olhos o fato de a efetivação passar a acontecer após o estágio probatório.

“O funcionário terá a oportunidade de avaliar se gosta da atividade e ao mesmo tempo terá que mostrar aos gestores que tem aptidão e bom desempenho na função antes de ser de fato efetivado, como é no setor privado.”

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