Nova lei de licitações avança na transparência, mas exagera na punição
Para especialistas reunidos em webinar da Bússola a lei é um marco, ao garantir melhores práticas em contratações por órgãos públicos
Mariana Martucci
Publicado em 17 de março de 2021 às 20h48.
A recente aprovação pelo Senado da Nova Lei de Licitações (PL 4.253/2020) representa um marco para o Brasil em direção às melhores práticas de contratações de obras e serviços pela administração pública.
Essa é a avaliação dos especialistas que participaram de webinar realizado hoje, 17 de março, na Bússola.
Participaram do evento Valdir Simão, ex-ministro da CGU e do Planejamento e sócio no Warde Advogados; Sergio Etchegoyen, ex-ministro do GSI, presidente-executivo do IBRIC e vice-presidente do Conselho de Administração da FSB; José Eugênio Gizzi, membro do Conselho de Infraestrutura da CNI e vice-presidente da CBIC; e José Guilherme Berman, sócio do BMA Advogados e vice-presidente da Comissão de Direito Administrativo da OAB/RJ. A moderação foi do jornalista Rafael Lisbôa, diretor da Bússola.
Mas embora os ganhos sejam significativos, a lei ainda possui brechas e precisa de regulamentação para garantir a aplicação correta do texto, segundo os debatedores.
O projeto – que agora vai à sanção presidencial –, substituirá a atual Lei de Licitações (Lei 8.666, de 1993), a Lei do Pregão (Lei 10.520, de 2002) e o Regime Diferenciado de Contratações (Lei 12.462, de 2011), modificando as normas referentes aos sistemas de contratação.
A redação final da matéria cria modalidades de contratação, tipifica crimes relacionados a licitações e disciplina itens do assunto em relação às três esferas de governo – União, estados e municípios.
Entre as mudanças estão o seguro-garantia nas licitações, que poderá contribuir para a redução de obras inacabadas, e um portal nacional de contratações públicas, com o objetivo de centralizar os procedimentos licitatórios dos entes federados por meio de um banco de dados unificado.
A transparência está entre os principais ganhos com a nova Lei de Licitações, segundo o ex-ministro Valdir Simão. “A lei é muito bem-vinda e é um claro incentivo a medidas necessárias para o avanço da sociedade.” Ele cita como exemplos os critérios de desempate que levam em conta programas de integridade, de equidade de gênero e de responsabilidade socioambiental, dialogando com práticas ESG.
Sergio Etchegoyen defende a autorregulamentação como uma forma de garantir ainda mais transparência nos processos.“O IBRIC (Instituto Brasileiro de Autorregulamentação no Setor de Infraestrutura) surgiu há um ano tendo como um dos objetivos o fortalecimento da ética, da integridade e da transparência, combatendo a corrupção e aumentando a concorrência. Assim, é possível fomentar de maneira igualitária as oportunidades para todas as empresas do segmento de infraestrutura”, afirma.
Segundo ele, a nova Lei de Licitações poderá dar ao Brasil a chance de se tornar uma referência internacional de integridade em autorregulamentação, desafogando as disputas judiciais e trazendo as discussões para o âmbito do mercado.
José Eugênio Gizzi, da CBIC, afirma que é um desejo das empresas avançar em melhores práticas de governança, mas que somente uma lei menos burocrática e mais objetiva conseguirá trazer resultados.
“O setor da construção conseguiu estabelecer um diálogo com os parlamentares e com o governo, contribuindo para desenhar um melhor sistema de aquisição de serviços e produtos pela administração pública. Se compararmos à legislação anterior (Lei 8.666, de 1993), não há dúvidas de que a nova lei representa um avanço a favor da administração, dos contribuintes e dos usuários.”
Gizzi afirma que a eficácia da nova lei depende de desburocratização e aplicação da forma de contratação de projetos valorizando questões técnicas e qualidade.
De acordo com o advogado José Guilherme Berman, do BMA, os principais avanços em relação à Lei 8.666 dizem respeito à regulação contratual.
“Não é só uma lei que regula contratos administrativos. É muito mais que isso; é uma lei que visa disciplinar a contratação dos serviços e regular as relações durante todo o período de execução do contrato para atendimento do interesse público. Outro ponto muito positivo é a possibilidade de o contrato prever riscos contratuais com a especificação do que caberá ao contratado e à administração pública. Sem dúvida, trata-se de ferramenta importante para resolver questões relacionadas ao desequilíbrio econômico-financeiro e trazer mais segurança jurídica às contratações”, afirma.
Os especialistas alertam para brechas na lei que poderão colocar em xeque sua aplicação em caso de não regulamentação.
Entre elas estão o esforço adicional que será demandado do poder público para avaliar impugnações e esclarecer questionamentos que poderão ser solicitados por qualquer cidadão, a preocupação em relação a definição de parâmetros, critérios e procedimentos para o reequilíbrio econômico-financeiro dos contratos e a perda de oportunidade da lei de ser mais ousada em relação aos programas de integridade ao não exigir como condição obrigatória para os licitantes participarem de concorrências em geral.
Também há uma preocupação com o endurecimento das sanções previstas na lei. “A legislação vem com sanções mais severas e inovações do ponto de vista punitivo. Talvez na esteira da Lava-Jato. Mas houve um exagero’, diz o ex-ministro Valdir Simão.
Ele cita como exemplo o caso do prazo de impedimento de contratação por inidoneidade, que passa dos atuais dois anos para de três a seis anos. “Nesse período, a empresa já deixou de existir.”
O Projeto da Nova Lei de Licitações ainda seguirá para sanção presidencial.
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