Gerar valor a todos e também garantir lucro é possível – e necessário
Capitalismo Consciente foi tema da live de hoje, que trouxe especialistas e líderes da Cosan e Unipar para discutir como aplicam o conceito na prática
Mariana Martucci
Publicado em 25 de agosto de 2020 às 21h08.
Embora não conste da literatura uma data exata para seu aparecimento, o termo capitalismo consciente é usado há cerca de uma década para designar a prática empresarial pautada no propósito de transformar a relação da empresa com seus stakeholders e demais agentes sociais.
O atual entendimento do termo surgiu como resposta à pergunta proposta por um estudo acadêmico conduzido por Raj Sisodia, Jaf Shereth e David Wolf, nos Estados Unidos, que buscava entender por que algumas empresas conseguiam manter alta reputação e fidelização dos clientes sem, para isso, gastar milhões em publicidade.
O conceito praticado atualmente possui, portanto, uma premissa mais ampla daquela que conhecemos como sustentabilidade. Sua finalidade vai além ao propor que as organizações busquem se adaptar a uma sociedade cada vez mais atenta a valores sociais e ambientais, sem prejuízo à busca por gerar lucros a seus investidores e acionistas.
Webinar trouxe conceitos
Para debater a tendência do capitalismo consciente e traçar o perfil das corporações com futuro sustentável, a Bússola, parceria entre a revista Exame e o grupo FSB, promoveu uma live, nesta terça-feira, 25, com quatro representantes do mundo dos negócios.
Participante do encontro, Ana Luisa Almeida, consultora de marca e reputação e professora da Fundação Dom Cabral, avalia que as empresas vêm gradativamente se conscientizando da relação entre seus processos socioambientais e o impacto sobre as marcas: “É uma mudança global. O investimento vai cada vez mais se dar nas organizações com estratégias de sustentabilidade. O lucro será maior se ela fizer aquilo que é correto para o meio ambiente e ético da perspectiva da sociedade”, indica.
Segundo a consultora, as empresas aderem ao capitalismo consciente por duas razões: a primeira, por ter esse propósito em seu DNA de negócios; a segunda, após um enfrentamento de crise, quando a empresa não estava preparada para as novas demandas da sociedade.
A professora ainda adverte: “Durante a pandemia, assistimos a campanhas vazias ou oportunistas. O consumidor está mais crítico, mais exigente e muito atento. As organizações precisam agir mais e falar menos. Menos narrativa, menos discurso vazio, menos espuma e mais transparência. A sociedade vai cobrar essas empresas por diferentes canais” alerta.
Negócios criam valor a todos
Para Hugo Bethlem, presidente do Conselho do Instituto Capitalismo Consciente, um negócio só é bom quando ele cria valor: “Entendemos que o capitalismo é o melhor sistema para gerar riqueza e inclusão social, desde que as oportunidades sejam iguais para todos. O capitalismo consciente busca a humanização da prática dos negócios como forma de diminuir as diferenças. E a atual geração busca esse valor”, avalia.
Um dos representantes da indústria presentes no evento, Luis Henrique Guimarães, presidente do grupo Cosan, acredita que o Brasil está vivendo uma ótima oportunidade de liderar esse processo de transformação para o capitalismo consciente, especialmente por sua riqueza ambiental: “Por exemplo, temos 45% de nossa matriz energética renovável. A média mundial é de 15%. Ou seja: somos um objeto de desejo. Podemos transformar o Brasil numa indústria de carbono verde, pois o mundo vai precisar disso. Mas, para isso, precisamos da mobilização do mercado, do governo, das entidades e da sociedade em geral”, enumera.
Outro representante das indústrias, Frank Geyer, presidente do Conselho de Administração da petroquímica Unipar, diz que usou das lições aprendidas ao longo de gerações para enfrentar a pandemia de um modo mais humanitário: “Tivemos uma responsabilidade aguda no enfrentamento dessa crise, porque nossos produtos são necessários para dezenas de milhões de pessoas. Quando percebemos o risco de desabastecimento de água, por exemplo, decretamos: vamos garantir água para boa parte do hemisfério Sul. O lucro não interessa agora”, conta.
Evolução para a sustentabilidade
O executivo lembra ainda que, na década de 1980, a cidade de Cubatão, onde a Unipar mantém uma planta, era considerada a mais poluída do mundo. “Entendemos lá atrás que aquilo não era sustentável. Se não fizéssemos um processo produtivo que garantisse o futuro do meio ambiente, a própria atividade não faria sentido. Se eu não puder proporcionar um futuro, qual o sentido?”, reflete.
“Hoje, nossa indústria deixa uma marca de preservação do meio ambiente. Não podemos só ficar no discurso, na hipocrisia. Garantimos um lucro justo, preservando todas as partes”, complementa.
Para Geyer, que se comunica por Instagram para mais de 5 mil seguidores, o capitalismo consciente precisa se alicerçar sobre arcabouços regulatórios que garantam a convergência entre todos os stakeholders: “Hoje, no Brasil, temos como uma das principais pautas o debate sobre as florestas. Mas se não tivermos segurança para nos proteger de produtos oriundos de países que sequer discutem a questão, das duas, uma: ou não teremos competitividade e demitiremos, ou teremos de realizar as mesmas práticas predatórias destes países. Por isso, uma regulamentação nacional e global é fundamental, para gerar convergência entre todos os stakeholders, em que todos têm retorno proporcional ao seu esforço e seu risco. Isso passa pelo acionista, pelos prestadores de serviço e por todos no entorno do processo”, completa.
Para o empreendedor que se questiona agora se seu negócio está na trilha sustentável proposta pelo capitalismo consciente, Hugo Bethlem finaliza com o exercício: “Faça a você mesmo a seguinte pergunta: o meu negócio pode curar alguma dor na sociedade? Se sua resposta for sim, seu negócio está no caminho certo”.