Em crise hídrica, Brasil desperdiça energia de uma Itaipu por dia
Volume de gás natural devolvido aos reservatórios no mês de junho poderia gerar grande quantidade de energia elétrica
Bússola
Publicado em 1 de agosto de 2021 às 10h00.
O Brasil atravessa um contexto de crise hídrica sem precedentes, a pior em 91 anos, segundo alerta do Ministério de Minas e Energia. No final de junho, o Operador Nacional do Sistema Elétrico (ONS) divulgou uma nota técnica em que prevê dificuldades para atender a demanda de energia do país em novembro.
A razão seria decorrente do “esgotamento de praticamente todos os recursos [de potência de energia] no mês de novembro”, justificou o ONS, organismo responsável pela coordenação e controle da operação das instalações de geração e transmissão de energia elétrica do Sistema Interligado Nacional (SIN).
“A nota técnica reforça a preocupação com a segurança energética do país no final do ano. O quadro pode ser crítico caso tenhamos, entre novembro e dezembro, um período chuvoso tão ruim como o que tivemos neste ano”, diz à Bússola o sócio-diretor-fundador do Centro Brasileiro de Infraestrutura (CBIE), Adriano Pires.
Na visão de Pires, a situação deveria gerar uma reflexão sobre o uso insuficiente do gás natural. “O Brasil continua desperdiçando potencial energético com a reinjeção de gás do pré-sal”, diz o especialista.
De acordo com os dados mais recentes da Agência Nacional do Petróleo, Gás Natural e Biocombustíveis (ANP), o Brasil reinjetou, somente em junho, 60,343 milhões de metros cúbicos/dia de gás natural, somando sua produção em todo os campos, do pré-sal com os da região amazônica.
“Apenas para que as pessoas tenham ideia do quanto isso significa, em termos de energia, não seria exagero afirmar que o Brasil vem desperdiçando, diariamente, o equivalente a uma usina de Itaipu, caso esse gás pudesse ser integralmente aproveitado”, afirma o sócio-diretor-fundador do Centro Brasileiro de Infraestrutura (CBIE), Adriano Pires.
A reinjeção, explica Pires, é um recurso técnico usual em campos associados de óleo e gás de todo o mundo, notadamente na produção offshore (em alto mar), com a finalidade de maximizar a extração de petróleo. “Sob a ótica dos produtores, a prática faz sentido – permite que o ativo possa ser monetizado mais rapidamente. Mas do ponto de vista de interesse brasileiro, essa prática tem retardado o desenvolvimento do mercado de gás”, pondera o consultor.
De acordo com o diretor do CBIE, a alegação técnica – a presença de gás carbônico no insumo – não justifica integralmente os atuais patamares de reinjeção no Brasil. “A concentração de CO₂ médio é de 0% a 15% nas principais bacias produtoras de gás natural, Santos e Solimões. O aumento de produção é viável”, afirma.
Segundo um estudo do CBIE, países com predominância de gás associado ao petróleo como Noruega (21%) e Nigéria (26,8%) praticam patamares de reinjeção inferiores às praticadas no Brasil, onde a devolução de gás para os campos foi de 31% em 2018, de 35% em 2019 e chegou a 42,9% em 2020. Em 2021, os números estão próximos de 45%.
Os reais motivos para tamanha reinjeção, na análise da associação que representa o setor de distribuição, a Abegás, está no gargalo de infraestrutura e a falta de políticas que ampliem uma demanda firme. “Para viabilizar um novo mercado de gás, efetivamente, é necessário ter uma oferta de gás novo no mercado. Isto pode ser conseguido com o escoamento de parte significativa do volume hoje reinjetado nos campos de exploração”, diz o diretor de Estratégia e Mercado da Abegás, Marcelo Mendonça.
A situação poderá ser agravada com a parada programada a partir do dia 15 de agosto, para manutenção da plataforma de Mexilhão e do gasoduto Rota 1, que escoa gás natural produzido em plataformas do pré-sal da Bacia de Santos para termelétricas. A estimativa é que o sistema de energia elétrica do Brasil venha a perder cerca de 3,5 mil megawatts por um mês – no auge do período seco.
“Entendemos que haja uma reinjeção por motivos técnicos, mas parte expressiva do volume reinjetado poderia perfeitamente ser endereçada ao mercado se o país acelerar o compartilhamento e investimento em novas rotas de escoamento”, afirma Mendonça.
Antes da pandemia, o Gasoduto Rota 3 chegou a ser anunciado para começar sua operação em 2020, mas o começo das atividades ainda não foi confirmado. O projeto, de aproximadamente 350 quilômetros de extensão total, ligará o pré-sal da Bacia de Santos até o polo petroquímico da Comperj, em Itaboraí, com capacidade de escoamento de aproximadamente 18 milhões de metros cúbicos de gás por dia.
De acordo com Jorge Celestino Ramos, ex-diretor de Refino e Gás Natural da Petrobras, é importante promover o aumento na demanda firme de gás natural. “O País deveria incluir na agenda projetos âncoras com consumo intensivo de gás, como termoelétricas e indústrias de siderurgia e de fertilizantes. São elas que promoverão a capilarização do uso do gás natural”, afirma.
“Precisamos criar uma robusta articulação dos diversos agentes do setor para criação dos mecanismos e arcabouço legal que assegurem os investimentos nas infraestruturas para escoamento do gás natural offshore, bem como nos projetos que garantirão a demanda e sustentarão a viabilidade econômica dos projetos.”
Para a Abegás, o país não deveria ficar refém do clima. “O gás natural representa uma segurança de energia firme e com potência, dando respaldo e segurança à expansão das novas renováveis. Precisamos de sinais mais assertivos para que os investimentos em infraestrutura possam acontecer, aproveitando o gás natural, ampliando a produção do gás nacional”, diz o diretor da Abegás.
Siga a Bússola nas redes: Instagram | LinkedIn | Twitter | Facebook | Youtube