Bússola

Um conteúdo Bússola

Danilo Maeda: Quando ser “humano” virou um elogio?

Nossa natureza contém grandes doses de condições e aspectos emocionais e relacionais; “humano” não deveria ser um elogio ou sinal de diferenciação

Precisamos de uma cultura corporativa na qual seres humanos que se comportam de forma “humana” sejam a regra (Noam Galai/Getty Images)

Precisamos de uma cultura corporativa na qual seres humanos que se comportam de forma “humana” sejam a regra (Noam Galai/Getty Images)

B

Bússola

Publicado em 21 de dezembro de 2021 às 14h44.

Por Danilo Maeda*

Se a época de Natal é propícia para reflexões sobre o que realmente importa, como os laços com pessoas que se ama, aproveito para lembrar algo que me aconteceu recentemente, quando fiz um post nas redes sociais para me engajar com a campanha #meufilhonocurriculo. Foi oportuno refletir sobre filhos e carreira porque além de todos os significados e transformações na vida pessoal, a paternidade foi o gatilho para uma decisão de me ocupar mais com temas relevantes para o futuro.

Tive o privilégio de não só ter meus filhos no currículo, mas de ter sido inspirado por eles e pela minha esposa a fazer o que faço da melhor maneira que consigo fazer. É preciso reconhecer que tal privilégio é inacessível para muita gente, especialmente mães e cuidadores(as) de pessoas com necessidades especiais, que além da jornada dupla enfrentam preconceito e desconfiança.

Ao acompanhar comentários e outras reflexões de pessoas que participaram da campanha, outro aspecto chamou minha atenção: a frequência com que o adjetivo “humano” é usado como elogio. Nos relatos de experiências positivas, quase sempre se falava sobre a sorte de ter chefes que procuraram compreender o momento de vida e que demonstraram apoio antes de se preocupar com o que seria feito no período de licença.

Nossa obsessão com indicadores imperfeitos de eficiência desumaniza o ambiente corporativo. O comportamento normal ou desejado passa a ser aquele sem emoções, pautado apenas pela frieza de modelos e ferramentas (que são ótimos para apoiar decisões, mas incompletos para reproduzir a complexidade da vida real). Liderar permitindo que aspectos como empatia sejam parte do processo torna-se algo digno de nota. A distopia é tão grande que me sinto obrigado a escrever uma grande obviedade: como seres humanos, nossa natureza contém grandes doses de condições e aspectos emocionais e relacionais. “Humano” não deveria, portanto, ser um elogio ou sinal de diferenciação. O fato de que seja diz muito sobre nossa cultura.

Talvez alguém ache que esteja fugindo do tema ao fazer tais reflexões neste espaço, que se dedica a sustentabilidade e estratégias ESG. Eu penso que tem tudo a ver. Essas são agendas de futuro, que condensam nossa responsabilidade em relação às próximas gerações. São também uma proposição de transformações de grande alcance, que só serão obtidas com uma mudança de mentalidade. Precisamos de uma cultura corporativa na qual seres humanos que se comportam de forma “humana” sejam a regra. Do contrário, a pressão imediatista dos resultados de curto prazo irá se impor e silenciar a voz do futuro.

Para terminar, desejo que a urgência da vida e a desigualdade estrutural não nos impeçam de sonhar. Além de colocar os filhos no currículo, que possamos construir modelos que façam mais sentido, nos quais é o trabalho que se submete à vida. Que cada indivíduo possa pensar em carreira não só como subsistência que consome e domina, mas com senso de propósito e impacto, para ter orgulho de contar sobre o tal currículo no qual as crianças agora estão mencionadas.

*Danilo Maeda é head da Beon, consultoria de ESG do Grupo FSB

Este é um conteúdo da Bússola, parceria entre a FSB Comunicação e a Exame. O texto não reflete necessariamente a opinião da Exame.

Siga a Bússola nas redes: Instagram | LinkedInTwitter | Facebook | Youtube

Veja também

Mais de Bússola

Uma nova estratégia para gestão de tempo, baseada em presidente dos Estados Unidos

650 cozinheiros da periferia se formarão graças a curso gratuito patrocinado pela Andorinha

Bússola Poder: a corrida maluca pela prefeitura de SP

TIM chama Ivete Sangalo para anunciar que fará Pix para clientes

Mais na Exame