Romero, da Anfip: o CARF facilita a corrupção
Vilson Antonio Romero, presidente da Associação Nacional dos Auditores Fiscais da Receita Federal, afirma que ajuste fiscal não resolve problemas do país
Gian Kojikovski
Publicado em 29 de julho de 2016 às 17h46.
Última atualização em 22 de junho de 2017 às 18h33.
O brasileiro médio só foi saber da existência do CARF, o conselho administrativo de recursos fiscais criado em 2009, por meio da operação Zelotes. E da pior forma possível: a suspeita é que conselheiros da autarquia recebiam propinas para aliviar a barra de grandes empresas que estavam em débito com a Receita Federal. As fraudes podem ter custado 19 bilhões de reais à União. As irregularidades já deram origem a duas CPIs – a última delas foi encurtada pelo novo presidente da Câmara, Rodrigo Maia. Em entrevista a EXAME Hoje, Vilson Antonio Romero, presidente da Associação Nacional dos Auditores Fiscais da Receita Federal do Brasil (Anfip), diz que a composição do CARF facilita a corrupção e que o ajuste fiscal proposto pelo presidente interino Michel Temer não resolve os problemas do país.
Muita gente diz que o CARF é uma excrescência. Como seria o CARF ideal? O correto seria criar um tribunal administrativo somente com auditores fiscais. A Receita Federal tem 10 superintendências com as suas delegacias de julgamento e as decisões podem ser diferentes de uma para outra. Assim, ele serviria para normatizar que uma superintendência não tenha julgamento diverso de outra em uma questão igual. Obviamente seria permitida a manifestação dos contribuintes, mas que não deveria haver representantes do contribuinte, como acontece hoje. Eles acabam sendo representantes de organismos empresariais ou consultores que têm algum tipo de vinculação com essas empresas. Eles abrem margem a toda essa corrupção que a gente viu na Operação Zelotes.
Terminar mais cedo prejudica de alguma forma o resultado da CPI?
Não acredito nisso. A CPI do Senado debateu amplamente o assunto. Na Câmara, estamos replicando o que já aconteceu e dificilmente teremos novos indiciamentos, a não ser casos surgidos recentemente, como essa pessoa que integrava o colegiado do CARF e foi detida em um shopping de Brasília recebendo propina. Por coincidência, ela era vinculada a confederações empresariais, mais uma prova que representantes do contribuinte causam um problema ao tribunal administrativo.
Houve denúncias recentes sobre a utilização dessa CPI na Câmara para um possível achaque de empresários, que seriam cobrados financeiramente para não serem convocados. Alguns nomes de grandes empresas deveriam comparecer na CPI caso ela fosse prorrogada. A decisão do deputado Rodrigo Maia pode ter relação com evitar essa prática?
É difícil julgar esse tipo de situação, até porque a gente sabe que a casa parlamentar funciona sob pressão. Dizer algo quanto a isso seria leviano. Então, não dá para saber qual foi o motivo da decisão do deputado. Estão abertas as possibilidades. Novas convocações poderiam afetar quem? Financiadores de campanhas municipais?
O governo interino assumiu com o discurso de que levaria a cabo uma reforma fiscal para estancar a dívida pública. É o melhor caminho?
Existem duas grandes questões sendo tratadas: o ajuste fiscal e a reforma tributária. Sobre o ajuste fiscal, fala-se da busca do equilíbrio nas contas públicas com a fixação de um teto. Não sabemos se isso pode se tornar problema para a área social na medida em que, se fixarmos o avanço desse teto de gastos na inflação do ano anterior, daqui a pouco estaremos comprimindo principalmente os programas de distribuição de renda. Outro ponto do ajuste é a ameaça do governo de que haverá uma elevação de alíquotas ou criação de novas contribuições – já que não se cria impostos porque contribuições têm livre arbítrio nas receitas da União e impostos, não. Mecanismos para evitar a sonegação seriam mais efetivos.
Uma reforma tributária que simplificasse nosso sistema poderia ajudar? Sim. A Anfip, em conjunto com outras entidades, apresentou uma série de propostas ao presidente da Câmara, Rodrigo Maia. O objetivo final é deslocar a nossa carga tributária, que é essencialmente sobre o consumo e sobre salário, para uma sobre a renda. Efetivamente, precisamos de uma maior progressividade no sistema tributário, além de rever isenções fiscais e, principalmente, reduzir a informalidade no pagamento de impostos. Um a cada três reais é sonegado no Brasil. Não vimos essa iniciativa vinda do governo.
A reforma tributária não é uma maneira de acabar com a sonegação?
É uma das maneiras. Também temos que equipar os instrumentos de auditoria, fiscalização e controle e ao mesmo tempo ir no caminho da simplificação da estrutura tributária. Não podemos conviver com cerca de duas ou três mil normas tributárias editadas a cada ano, com cerca de 30% dos trabalhadores das empresas formais ocupados com obrigações que não são a atividade fim da empresa.
O governo já afirmou que a reforma previdenciária não deve sair este ano. A Anfip estuda esse assunto há muito tempo e tem dito que, ao contrário do que diz o governo, a previdência é superavitária. É isso mesmo?
O governo pretende fazer algo tendo como parâmetro as nações desenvolvidas, como a comunidade europeia, ou os países escandinavos, quando se sabe que o Brasil ainda está em via de desenvolvimento e não consegue acompanhar em termos de retorno e redução da desigualdade os parceiros do BRICS. E o ministro Padilha resolve dizer que pretende fixar uma idade mínima para todos. Fixar uma idade mínima de 70 anos, com 40 de trabalho, vai condenar uma parcela expressiva de trabalhadores a falecer antes de fazer jus ao benefício. Uma implicação muito grave. Por mais que a expectativa de sobrevida do brasileiro aos 60 anos gire em torno de 18 anos a 20 anos, o que significa que ele viveria até os 78 anos, em média, a esperança de vida ao nascer de um paraense é de 64 anos.
O que os estudos da Anfip dizem?
Com os dados oficiais da seguridade social brasileira, que são estudados pela Anfip, nós comprovamos que o sistema que financia a seguridade na verdade tem superávit, não déficit como diz o governo. Justamente por isso o governo usa a Desvinculação de Receitas da União, ou a DRU, para poder usar uma parcela das receitas da União que seria destinada ao trabalhador e às causas sociais para fazer outras coisas. Cada imposto tem seu fim específico. O Cofins foi criado exclusivamente para financiar a seguridade social nas áreas de saúde, assistência e previdência; a Contribuição Social Sobre o Lucro Líquido foi criada para financiar a seguridade social, e é assim com todos os outros. A grande maioria deles tem fins sociais. O governo diz que ela apresenta déficit, mas quer tirar 30% dela para usar em outras questões. Então o sistema não é deficitário.