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Randolfe, da Rede: As manobras contra a Lava-Jato

Senador fala sobre as alianças que os partidos têm feito para garantir sobrevida no Congresso Nacional, reforma política e foro privilegiado

Senador Randolfe Rodrigues (PSOL) (Marcelo Camargo/Agência Brasil)

Senador Randolfe Rodrigues (PSOL) (Marcelo Camargo/Agência Brasil)

Raphael Martins

Raphael Martins

Publicado em 6 de abril de 2017 às 09h22.

Última atualização em 22 de junho de 2017 às 17h52.

A extinção do foro privilegiado saiu da pauta do Senado e, agora, está de volta à Comissão de Constituição e Justiça (CCJ), para passar por nova análise. Era a última sessão no plenário antes que os senadores pudessem votar a proposta em primeiro turno. Para o relator Randolfe Rodrigues (Rede-AP), a manobra é uma tentativa de atrasar o andamento do projeto e, assim, continuar blindando parlamentares de investigações da Operação Lava-Jato.

Em entrevista a EXAME Hoje, Randolfe falou sobre as alianças que os partidos têm feito para garantir sobrevida no Congresso Nacional.

A Proposta de Emenda à Constituição (PEC) que trata sobre o fim do foro privilegiado voltou para a Comissão de Constituição, Justiça e Cidadania (CCJ). Isso é uma manobra de protelação?
O requerimento de apensamento, com as emendas que tem, foi aprovado contra o nosso voto. Parece claro, né? Essa PEC do senador Acir Gurgacz já existia há algum tempo. O requerimento de apensamento tem claramente o intuito de ela voltar para a CCJ, para ficar lá pela Comissão. Nós vamos emitir o parecer com celeridade, com urgência. E, além do parecer com celeridade, vamos dar um parecer sobre as emendas.

O senhor está otimista de que a tramitação seja rápida?
Não, se não houver pressão, eu não fico otimista em relação a nada aqui no Plenário. Se a opinião pública não se manifestar, não pressionar, não se mobilizar em relação a esse tema, não avança, porque não é de interesse da maioria dos parlamentares.  Há um projeto sobre o foro tramitando aqui entre os parlamentares e outro no Supremo Tribunal Federal, em que há um esforço do ministro Roberto Barroso para tentar colocar isso em pauta por lá.

O senhor acredita que qual seria a via correta para abordar o tema? Pelo Supremo ou pelo parlamento?
Eu acho que o parlamento tem que deixar de terceirizar suas atribuições. O foro é um tema que está na Constituição, e é a nós que cabe modificar a Constituição, não ao Supremo. É um tema da responsabilidade do Congresso Nacional, e os notórios acontecimentos recentes no país mostram que não tem mais razão e circunstância alguma de existir foro privilegiado no Brasil, para ninguém. Como ocorre na maioria dos países democráticos e civilizados.

O senhor também não acredita no projeto de criar varas especiais. Todos deveriam ser submetidos à Justiça comum?
Vara especial é eufemismo para manter o foro. É fazer de conta que acaba para manter tudo como está.

Mesmo que a vara permita uma tramitação mais célere do que no Supremo?
Aí nós vamos manter dois tipos de cidadãos: os cidadãos a serem julgados pela primeira instância e os cidadãos de uma casta privilegiada, que são julgados por uma corte privilegiada, seja qual for. Não importa que o nome dessa corte seja Supremo Tribunal Federal ou Vara Especializada, é um foro privilegiado que não se justifica. É um resquício aristocrático que não tem cabimento para o Brasil.

A justificativa de parte dos juristas é de que o foro é necessário para manter a atividade parlamentar, impedindo que o parlamentar seja acionado a todo momento na Justiça pelas decisões. Isso não cabe, não foi pensado?
Todo respeito a quem assim pensa, mas, se fosse por esse princípio, a república americana seria inviável, porque lá não existe foro privilegiado. O mesmo vale para a república francesa, a república alemã, porque lá também não existe foro privilegiado. Foro privilegiado é um resquício aristocrático, somente isso.

Qual o modelo ideal? Todo mundo na Justiça comum?
É o modelo adotado em todo o mundo democrático. Até em Portugal só existe foro privilegiado para o presidente, para o presidente da Assembleia Nacional e para o primeiro-ministro. Por isso que meu relatório é no mesmo sentido da PEC do senador Alvaro Dias (PV), de acabar o foro para todos, do Ministro do Supremo ao juiz de direito, do Procurador-Geral da República ao promotor de justiça, do senador ao vereador, do Presidente da República ao prefeito.

Há muitos paralelos ali entre a questão do foto privilegiado e o abuso de autoridade. Como o senhor vê esse contato e como esses projetos se conversam?
Foi criada artificialmente uma relação que não existe. Abuso de autoridade existe desde sempre no Brasil. E quem padece dele são principalmente os pretos e pobres, ninguém nunca se levanta quando aqueles que estão na periferia sofrem abusos todos os dias. Quando as algemas começaram a chegar perto de bacanas, políticos e empreiteiros, aí se levanta um projeto de abuso de autoridade. Não tem razoabilidade. Esse projeto de abuso de autoridade surgiu em 2009, depois que colaram a algema em um banqueiro, chamado Daniel Dantas. Não foi para proteger o mais pobre, o trabalhador que é violentado pela polícia. Interessa que o abuso de autoridade seja aprovado para limitar a atuação principalmente no que tange as operações Lava Jato, Zelotes e tantas outras. Não tem ponto de contato entre um e outro. Existe o casuísmo.

Na questão do abuso de autoridade o senhor teve alguns embates com o senador Requião.
Eu tive. Setores da esquerda brasileira tem que deixar de ser de esquerda de ocasião, né? São de esquerda até determinado momento. Criticam Gilmar Mendes, PMDB, mas fazem aliança quando é conveniente. Em torno desse projeto estão todos juntos: PT, PSDB, PMDB.

O senhor é relator da reforma política no Senado. O que o senhor pensa sobre a reforma política que está em tramitação na Câmara?
O projeto que está sendo debatido na Câmara não está em debate aqui. Em princípio, tem um tema sobre o qual nós já temos uma opinião, que é o da lista fechada. Ela está surgindo também como subterfúgio para proteger alguns que são citados na Operação Lava-Jato. A lista fechada era debatida há muito tempo, e nunca foi consenso. O Brasil não é a Europa. Nós temos uma tradição partidária frágil. Lista fechada, foro privilegiado, abuso de autoridade. Todos esses temas fazem parte de uma aliança do sistema político para se defender das investigações. As diferenças entre governo e oposição foram superadas; o que está em jogo é a sobrevivência.

A cláusula de desempenho [norma que impede ou restringe a participação de partidos que não alcançarem determinado percentual de votos] preocupa a Rede de alguma forma?
Não temos oposição à cláusula de desempenho, achamos que é necessário, importante ter isso. Mas defendemos uma transição. Já imaginou se, do dia para a noite, algumas alternativas políticas praticamente desaparecessem? Tirar do cenário a Rede, partido criado por uma candidata à presidência da República que, em duas eleições presidenciais, foi a terceira colocada com mais de 20 milhões de votos? Seria uma violência. O processo político estaria atrofiado se isso acontecesse. Nós temos divergências com o PSOL, mas, se de fato a cláusula de barreira como foi aprovada triunfar, o partido será excluído, é uma violência que não tem cabimento. Os partidos que estão no cenário político brasileiro não representam um espectro de pensamento de centenas de lideranças políticas no Brasil. Nem eu e nem ninguém da Rede nos sentimos representados no PSDB, no PT e muito menos no PMDB. Defendemos que haja alguns cortes em 2018, para assegurar uma representação mínima, e que os partidos possam se organizar para o momento seguinte.

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