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Por que a saúde brasileira não é como a do Afeganistão ou do Alasca

Médicos e agentes de saúde vão até os pacientes, na tentativa de prevenir doenças e impedir que eles percam tempo, dinheiro e até a vida se deslocando

Mike Wagner, especialista do The Advisory Board Company (Divulgação/Divulgação)
NF

Natália Flach

Publicado em 13 de dezembro de 2018 às 19h10.

São Paulo — Mudar o sistema de saúde, passando de um modelo reativo, em que o paciente procura o pronto-socorro quando não se sente bem, para um modelo proativo, em que médicos visitam família por família para detectar possíveis problemas, pode ser a solução para gastos cada vez maiores e ineficientes com saúde.

Essa é a proposta de Mike Wagner, especialista do The Advisory Board Company, empresa que usa uma combinação de pesquisa, tecnologia e consultoria para melhorar o desempenho das organizações de saúde. Ele veio recentemente ao Brasil a convite da J&J Medical Devices, para um encontro com alguns dos principais gestores de hospitais e planos de saúde e conversou com EXAME.

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Veja a seguir os principais trechos da entrevista.

EXAME: Como o senhor avalia a situação da saúde no Brasil?

Mike Wagner: Eu não sou especialista no sistema de saúde brasileiro, mas acredito que o investimento tradicional [contratação de mais médicos e abertura de novos leitos] deveria ser o último recurso a ser adotado, porque é incrivelmente caro e ineficiente. Isso só perpetua o modelo que não tem tido sucesso em nenhum lugar do mundo. Não adianta fazer a mesma coisa sempre e esperar um resultado diferente.

Mas como mudar isso?

Precisamos reduzir os custos e aumentar a segurança dos cuidados. Uma forma de fazer isso é criando “pools” de dinheiro [espécie de fundos] que permitem transferir recursos de modo a resolver problemas específicos. Digamos que o objetivo seja dar atenção especial aos diabéticos. A partir dessa definição, o bloco de dinheiro pode ser destinado para a contratação de médicos ou de agentes de saúde, para a compra de equipamentos ou de remédios, construção de hospitais ou acordos com empresas de telemedicina. Isso acaba com uma lógica ultrapassada. Também é necessário ter um acompanhamento dos resultados obtidos de modo a poder realocar o dinheiro conforme a necessidade. Nesse sentido, por esse modelo, não há necessariamente mais gastos, mas com certeza exigirá mais empenho das partes interessadas.

Essa flexibilidade para alocação de recursos traria alguma nova fonte do dinheiro?

Não, o dinheiro vem do mesmo lugar: dos governos e das empresas. No caso da iniciativa privada, uma companhia de seguros pode propor ao (hospital Albert) Einstein um bom dinheiro em troca do cuidado de seus segurados, por exemplo. Os resultados do desempenho são monitorados e, se não forem satisfatórios, a companhia pode procurar outro hospital.

Poderia dar exemplos no caso dos governos?

Primeiramente, vamos falar da Inglaterra que se orgulha de ter o National Health Service (NHS). Eles pagam os médicos pelo volume de atendimentos, então, por essa lógica, se eles fizerem mais cirurgias, receberão mais dinheiro. Por sua vez, Israel provê saúde básica a todos os cidadãos segundo outro modelo. Foi criada uma série de organizações de apoio de saúde e cada cidadão pode escolher em qual delas quer se inscrever para ser atendido. Então, se eu me inscrever no provedor A, o dinheiro do governo que é destinado a mim vai ser alocado no provedor A. O lado bom desse sistema é que há uma escolha envolvida e há um grau de competitividade. Nesse sentido, se o provedor B estiver fazendo um trabalho muito ruim, os cidadãos inscritos passarão para outro local, como o provedor C. Esse modelo incentiva a todos a fazerem o melhor trabalho possível.

No sentido de ver a saúde por um prisma mais inovador, qual é o papel da tecnologia?

Todo mundo tem falado sobre telessaúde, mas acho que temos que pensar de uma forma mais ampla. Na minha opinião, em vez de construir vários centros de excelência, é melhor concentrar os esforços em poucos locais e usar a telesaúde para ter acesso aos principais cardiologista ou especialistas em diabetes. Além disso, sai mais barato comprar passagens aéreas para os pacientes se deslocarem até os centros de excelência do que construi-los em todos os cantos do país. A ideia, então, é ter centros de apoio básico e pequenos hospitais interligados ao sistema de atendimentos mais especializado. No Afeganistão, por exemplo, o orçamento de saúde por pessoa é de 8 dólares por ano. A saída foi contratar o serviço da Aga Khan que atua no sudoeste da Ásia (eles fornecem cuidados com a saúde, no Afeganistão, Tajiquistão e Paquistão, lugares onde quase não há médicos por não ser seguro).

Como funciona?

Eles usam telessaúde. Os médicos ficam no Paquistão e tratam os pacientes no Afeganistão e no Tadjiquistão com ajuda de câmeras acopladas nos óculos dos agentes que trabalham nas zonas de conflito. Os agentes vão até as casas das pessoas, de modo que elas não tenham que se deslocar até um determinado local. Isso é importante, porque a economia lá é essencialmente de subsistência e sempre que alguém sai de sua casa para ir ao médico deixa de ganhar dinheiro, pois parou de produzir. Já no Alasca, o foco é um programa de saúde da família. Como lá há residências com mais de 1 mil quilômetros de distância, a saída foi realizar um check up anual dos moradores da região sem que eles precisem sair de suas casas. Cada uma das famílias tem um compromisso anual e metas a serem cumpridas, como exercitar-se ou administrar o diabetes. Nos dois exemplos, há um elemento proativo: em vez de construir um sistema em que os pacientes vão até os hospitais, os médicos ou agentes de saúde vão até as pessoas.

Esse modelo proativo faz parte de um plano nacional ou também pode existir na esfera municipal e estadual?

Depende. No Canadá, por exemplo, alguns atendimentos são fornecidos pelo governo federal, enquanto os cuidados primários são fornecidos pelo governo provincial. Não há dinheiro extra, tudo foi estritamente desenhado para prover o melhor cuidado a todos os cidadãos. O resultado é que caiu o número de internações e consequentemente o gasto com os hospitais. No fim, a conta sai mais barata.

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