Política limpa de Marina conflita com agenda de crescimento
Candidata propôs uma série de medidas para limitar o poder de partidos, mas corre o risco de perder todo o seu capital político
Da Redação
Publicado em 10 de setembro de 2014 às 14h47.
Brasília - A promessa de Marina Silva de limpar a política é tão popular entre os eleitores brasileiros que poderá torná-la presidente na eleição de outubro. E também tornar seu governo mais difícil.
A ex-ministra do Meio Ambiente de 56 anos de idade, que subiu nas pesquisas eleitorais do segundo turno nas últimas duas semanas e superou a presidente Dilma Rousseff, propôs uma série de medidas para limitar o poder dos partidos políticos.
Ela promete acabar com a prática de distribuir cargos em troca de apoio do Congresso, redesenhar o mapa eleitoral, impor o limite de um mandato para presidentes e reforçar as regras de financiamento de campanhas.
O risco para Marina é que seu capital político seja consumido pela resistência profundamente enraizada a essas medidas, destinadas a domar uma cultura política caracterizada por trocas de favores e feudos arraigados.
Isso pode colocar em perigo suas propostas econômicas, que incluem a independência do Banco Central, uma maior disciplina fiscal e a simplificação de um sistema tributário de difícil controle.
“Aferrar-se rigorosamente à superioridade moral dará a ela um governo de minoria e abandonar isso frustrará a maior parte de sua base de apoio”, disse Rafael Cortez, analista da Tendências Consultores, com sede em São Paulo, que tem como clientes o Banco Santander SA, a Odebrecht SA e o HSBC Holdings Plc, por telefone.
“Sua agenda pessoal trata muito mais de política do que de economia”.
Acidente de avião
Marina Silva entrou na corrida presidencial no mês passado depois que Eduardo Campos, o candidato original de seu partido, morreu em um acidente de avião no dia 13 de agosto.
Ela ficou atrás de Dilma, com 33,5 por cento contra 38,1 por cento, em uma pesquisa da MDA realizada entre 5 e 7 de setembro, que incluiu os 11 candidatos que disputam a eleição de 5 de outubro.
A pesquisa mostrou Marina Silva 2,8 pontos porcentuais à frente de Dilma em uma eventual disputa ombro a ombro, se elas se enfrentarem no segundo turno, no dia 26 de outubro.
Além de garantir a autonomia formal do Banco Central para conduzir a política monetária, Marina prometeu frear os gastos públicos e reduzir as taxas de inflação em mais da metade, para 3 por cento.
A imagem anti-establishment de Marina se beneficia do descontentamento com governo e políticos, mostram as pesquisas.
Marina Silva passou sua infância extraindo látex de seringueiras na Amazônia e depois lavou pratos, trabalhando como empregada doméstica, antes de se tornar uma ativista e senadora que defende a floresta amazônica.
Em uma pesquisa do Datafolha dos dias 28 e 29 de agosto, 79 por cento dos entrevistados disseram que estão a favor de uma mudança nas políticas de governo.
A desconfiança em relação aos legisladores é particularmente profunda, com apenas 13 por cento da população aprovando o Congresso, segundo uma pesquisa do Datafolha realizada em agosto de 2013.
Marina Silva diz que o descontentamento levará os eleitores a escolherem “bons” candidatos de todos os partidos políticos para que se unam à causa dela e a ajudem a formar uma maioria no Congresso.
Ela disse que prefere não trabalhar com políticos veteranos como Renan Calheiros, atual presidente do Senado, e o ex-presidente da República, José Sarney, que domina a política interna há meio século e apoia a administração de Dilma Rousseff.
“Existem pessoas boas em todos os partidos”, disse Marina Silva em um debate no dia 26 de agosto na TV Band.
“O problema é que essas pessoas, a maioria delas, estão no banco de reserva. A sociedade brasileira, que se mobilizou em junho do ano passado, vai escalar uma nova seleção”.
Maior desafio
O maior desafio de Marina reside no fato de que ela pode ter dificuldades para construir uma coalizão parlamentar suficientemente forte para aprovar emendas constitucionais, como a que concede autonomia ao Banco Central e a que limita os presidentes a um único mandato, segundo Antonio Queiroz, analista político da Diap, um grupo de assessoria parlamentar com sede em Brasília ligado a sindicatos de trabalhadores.
“É claro que ela pode conseguir a maioria no Congresso, mas não necessariamente para os projetos que ela quer aprovar”, disse Queiroz. “A chance de conseguir aprovar sua reforma política dessa maneira é zero”.
A alternativa para Marina é atenuar sua meta “quase utópica” de tornar a política brasileira mais limpa e representativa, decepcionando assim alguns de seus apoiadores, disse Fernando Lattman-Weltman, professor de Ciência Política da Fundação Getúlio Vargas, no Rio de Janeiro.
“O eleitor que a vê como alguém de fora capaz de cumprir sua agenda de ética está condenado à frustração”, disse Lattman-Weltman, em entrevista por telefone.