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Perto dos 100 dias, governo Lula segue em busca de uma agenda

Em 20 dias, governo Lula será escrutinado publicamente. Desencontros na gestão dificultam a comunicação de medidas concretas

Lula discursa em reunião ministerial na terça-feira, 14. (Joédson Alves/Agência Brasil)
Luciano Pádua

Editor de Macroeconomia

Publicado em 21 de março de 2023 às 11h44.

Última atualização em 21 de março de 2023 às 11h55.

Os sinais trocados do governo nas últimas duas semanas, especialmente em anúncios de novos programas, como a redução da taxa de juros do consignado para aposentados e um projeto para passagens aéreas a R$ 200, levantaram dúvidas sobre a organização interna do Executivo. Afinal, que governo é esse?

Aos 80 dias, a gestão do petista busca entregar projetos – e acusa o governo anterior de não deixar um “backlog” de propostas viáveis. A preocupação se espraiou pela Esplanada, levando a movimentos descoordenados. A bronca pública do presidente Luiz Inácio Lula da Silva foi uma tentativa de repactuação dessa organização interna.

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Em conversas com membros do governo, de diversos ministérios, alguns pontos ficam claros:

Uma coisa é importante: mercado e analistas políticos terão de se acostumar com embates públicos entre integrantes do governo. Essas disputas fazem parte da natureza do PT. “Isso é o PT, é normal. PT é uma coisa, o governo, outra coisa”, diz um membro do governo a EXAME.

Esse entendimento será extremamente valioso para selecionar o que importa para a agenda econômica. Nesse raciocínio, a presidente do PT, Gleisi Hoffmann, atua de maneira partidária – e seguirá mobilizando as bases do partido. O objetivo é manter o engajamento entre os filiados. O fato de ela não estar entre os ministros da Esplanada é simbólico. Embora tenha acesso a Lula, não formula programas. Exerce mais um ponto de pressão dentro do governo, bem como o presidente do BNDES, Aloizio Mercadante.

Some-se a isso o fato de que, dentro do PT, credita-se em alguma medida a Hoffmann o mérito de manter o partido unido desde 2016, nos piores momentos vividos pela sigla.

Essas fontes avaliam que vale prestar atenção ao entrosamento entre Casa Civil e os ministérios da Fazenda, Planejamento e Gestão. Nesse grupo, dizem, não há estresse. “Nenhuma dessas manifestações [de integrantes do PT] atrapalharam a manufatura do arcabouço fiscal. Quem estava envolvido, continuou fazendo isso do mesmo jeito, independentemente de um tuíte aqui e acolá”, diz um técnico envolvido na confecção das regras.

Assim, espere-se mais investidas ao Banco Central. No seio petista, o presidente da entidade é visto como um emissário do bolsonarismo e cuja política monetária simplesmente desmonta a capacidade de crescimento do país. Essas críticas virão também do presidente, que precisa acenar ao partido – e criticar Campos Neto é a saída mais fácil para essa sinalização.

Talvez o fato que mais tenha incomodado o presidente Lula, segundo interlocutores, foi o anúncio de novos programas – ainda incompletos – no momento em que o governo se prepara para anunciar o novo arcabouço fiscal. Nas palavras de um integrante do Palácio do Planalto, os anúncios, que ainda não haviam sido escrutinados pela Casa Civil, “atravessaram o samba”.

A leitura é de que, sem o arcabouço fiscal, não é possível governar. E propostas como as recentes, em matéria econômica, geram ruídos com o Congresso e com o mercado. Fontes alegam que a estratégia do presidente é conversar com todas as áreas envolvidas e alinhavar para chegar a um texto final que tenha apoio coeso. Com a proposta gestada, Lula enviou Haddad para conversar com os presidentes da Câmara e do Senado.

Já na manhã desta terça-feira, 21, em entrevista ao site Brasil 247, Lula adiou a apresentação do novo marco fiscal. Segundo ele, a projeto está “maduro”, mas não há condições de apresentá-lo e viajar para a visita oficial à China, no final da semana. Para bom entendedor, sinal de que a interlocução com o Congresso ainda precisa de ajustes.

Para os integrantes da Esplanada, o grande desafio será no parlamento – e a atenção deveria ser colocada nessa etapa do processo. Em algum momento, o texto gestado por Haddad e trabalhado na Presidência da República será uma proposta no Congresso. Então virão os ruídos. Eles avaliam também que os parlamentares podem ter de olhar para o novo arcabouço em conjunto com a reforma tributária, dividindo a articulação entre duas frentes custosas politicamente.

Para um membro do Palácio do Planalto, a fala de Lula sintetiza a necessidade de fazer os projetos passarem pela Casa Civil antes de divulgação. No entanto, a pressa para entregar resultado -- desleal, pois está tudo desmontado, em sua opinião -- complica a articulação.

Alguns ministros, no afã de mostrar serviço, acabaram atropelando procedimentos técnicos, como estudos de viabilidade. Tome-se como exemplo uma obra parada. Se precisar de relicitação, por exemplo, o edital não ficaria pronto antes do segundo semestre. Nessa visão, os ministros acabam se "empolgando" e buscando protagonismo, algo que integrantes do governo tentam classificar como comum.

“É um governo em construção”, diz um integrante de um ministério da área econômica. Ainda falta entrosamento, e a definição de um modus operandi claro.

Nos últimos 45 dias o governo intensificou anúncios de medidas -- especialmente promessas de campanha. Foram divulgados: o aumento do salário mínimo em maio, reajuste de bolsas da Capes e dos servidores federais, o primeiro pagamento do novo bolsa família (turbinado), a retomada do Minha Casa Minha Vida, entre outros.

Nas próximas semanas, a gestão Lula corre para promover novos programas, como o "Água para Todos" e um plano de investimentos na área de infraestrutura, entre outros. Segundo um técnico do Planalto, o governo terá um portfólio de "entregas diversificadas que poderão ser visibilizadas" nos 100 dias.

Apesar de membros da tecnocracia federal minimizarem os ruídos gerados nas últimas semanas, o tempo urge. Em 20 dias, o governo será manchete de todos os jornais, que destrincharão as entregas feitas nos 100 primeiros dias. Uma coisa é certa: antes de enfrentar o enorme desafio de composição no Congresso, o governo precisa se organizar internamente e agir em bloco.

A pressão não diminuirá.

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