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O grande teatro político de Brasília

A salvação de Aécio e o provável sepultamento da denúncia contra Temer mostram que os deputados e senadores só pensam em 2018

O SENADOR JADER BARBALHO E A CONSTITUIÇÃO: os motivos alegados para salvar o colega Aécio Neves foram os mais nobres possível / Wilson Dias/Agência Brasil

Raphael Martins

Publicado em 21 de outubro de 2017 às 08h51.

Última atualização em 9 de abril de 2018 às 19h26.

Que o Congresso vive de costas para o Brasil é fato conhecido e há gerações e relembrado aos brasileiros a cada semana. Ainda assim, é fundamental manter as aparências. Os últimos dias hão de entrar para a história como um destes momentos de ficção rasteira. Estavam na mesa as cabeças do senador Aécio Neves (PSDB-MG) e do presidente Michel Temer (PMDB). Para salvá-las, deputados e senadores citaram a recuperação econômicas, as reformas em curso, a constituição, o respeito a seus eleitores, e por aí vai. Tão verdadeiro quanto uma nota de três reais. Aécio já se salvou, Temer deve se salvar na próxima semana. Tudo graças ao fisiologismo que impera em Brasília, de olho não nos interesses do Brasil, mas nas eleições de 2018.

Aécio Neves, candidato a presidente nas últimas eleições, foi afastado de seu mandato pelo Supremo Tribunal Federal e decidia-se no Congresso se a determinação seria confirmada. Acusado de pedir 2 milhões de reais em propina da J&F — ação registrada em ações controladas da Polícia Federal —, foi liberado a voltar ao Parlamento por seus colegas. Foram 44 sim e 26 não, placar adiantado por seu aliado Cássio Cunha Lima (PSDB-PB), mostrando que a sessão não passava de cena.

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Aécio deu instruções de como defendê-lo aos mais chegados via WhatsApp, como mostra a revista VEJA. “No caso concreto do senador Aécio Neves, nós estamos diante de um processo em que já há denúncia aceita e em que a defesa está completa, no âmbito do processo? Em que todo o processo penal está já concluído, em andamento, e já com a defesa formalizada? Ainda não”, disse o também tucano Antonio Anastasia (PSDB-MG). “Também não posso deixar de acrescer a minha qualidade de testemunha, senhor presidente, do grande desempenho administrativo que teve o governador, à época, Aécio Neves à frente do governo e, de fato, o reconhecimento que os mineiros lhe deram, tanto que o trouxeram, com votação muito expressiva, ao Senado da República”. O roteiro da fala foi encomendado por Aécio, que requisitou por mensagens de texto que o parceiro discursasse sobre o “direito de defesa” e fizesse “uma defesa mesmo que rápida da minha trajetória. Se puder, rs”.

Na Câmara dos Deputados, o presidente Michel Temer teve a segunda denúncia da Procuradoria-Geral da República, desta vez por obstrução de Justiça e organização criminosa, apreciada pela Comissão de Constituição e Justiça. Deputados decidem na semana que vem se a acusação deve ir a julgamento no Supremo. Antes, contudo, a denúncia deveria passar pela comissão para escolher um relatório pedindo arquivamento ou prosseguimento do processo. Depois de trocas de titulares para garantir votação favorável, liberação de emendas aos indecisos e decretos em favor das grandes bancadas — como o afrouxamento do combate ao trabalho escravo, o governo desenhou vitória na CCJ de 39 a 41 votos favoráveis. Mais uma vez, governistas cantaram o resultado de 39 a 26 pelo arquivamento da denúncia.

Em vez de uma batalha de forças, discursos contundentes e defesas convincentes, o Congresso assistiu o desenrolar de peças teatrais. Foram dois acordões, entrelaçados entre si, para salvar o senador Aécio Neves e o presidente Michel Temer. O senador mobilizou deputados mineiros para poupar o presidente. O peemedebista liberou verbas para senadores “transformarem” seus votos negativos em positivos para o senador. Algo parecido deve acontecer na próxima quarta-feira, quando a denúncia contra Temer vai ao Plenário da Câmara e deve ser arquivada, como aconteceu com a primeira, por corrupção passiva. Todos saem felizes. A dúvida é como esse toma lá dá cá repercutirá nas urnas em 2018.

De olho nas eleições

Em levantamentos recentes, a figura de Aécio e Temer aparecem com intenso desgaste. Em abril, uma pesquisa Datafolha que mostrava rejeição de políticos colocava o presidente Michel Temer como líder, com 64%, seguido de Luiz Inácio Lula da Silva, com 45%, e Aécio Neves, com 44%. Na última pesquisa de governo do instituto, divulgada no início do mês, Temer tem 3% de aprovação e marca 73% de ruim e péssimo, recorde de rejeição na era democrática. Aécio nem aparece na sondagem. Lula, que tem grandes chances de ser proibido de concorrer pela Justiça, lidera todos os cenários e reduziu para 42% os que não votariam nele de jeito nenhum. Mas vê a aproximação de nomes como do deputado Jair Bolsonaro, que já lidera a corrida em ao menos um estado, Santa Catarina, conforme pesquisa do instituto Paraná Pesquisas divulgada nesta sexta-feira.

O ex-presidente, cada vez mais encurralado pela Lava-Jato, e o deputado pródigo em polêmicas beneficiam-se por estarem afastados deste teatro dos horrores de Brasília. Lula tem recall de bons tempos econômicos e, agora com as evidências contra Temer e Aécio, ganha pontos aos olhos dos eleitores porque o governo pós-impeachment não se diferencia do antecessor quando o assunto é escândalo de corrupção. Para arrematar o bolo de descrença, a decisão do Supremo de jogar a decisão sobre Aécio para o Congresso, orientação que o beneficiou e foi oposta à tomada no caso do ex-presidente da Câmara Eduardo Cunha, retoma as suspeitas de que há um “grande acordo nacional” de ataque às investigações.

“Eventos como estes mostram que a eleição não será simplesmente avaliação do governo na condução econômica. Outras variáveis terão peso relevante na escolha do voto, como a saída para corrupção e a percepção de que a política tradicional está falida para esse fim”, afirma Rafael Cortez, cientista político da Tendências Consultoria. “Foi o que aconteceu na Itália, com a Operação Mãos Limpas. A classe política que emergiu do escândalo não conseguiu criar um cenário político estável. Houve uma destruição da classe política sem gerar uma nova, com capacidade de gerar equilíbrio”.

Dos candidatos postos para 2018, o que mais falta é equilíbrio. Entre os presidenciáveis, Lula ameaça uma guinada à esquerda. Jair Bolsonaro, Ciro Gomes e João Doria disputam o cargo de candidato midiático, apelando aos eleitores mais extremistas dos dois lados do jogo político. Marina Silva e Geraldo Alckmin andam nas sombras e vão apelar ao bom senso dos eleitores. Há ainda um enorme espaço para surgimento de forasteiros.

Para Juliano Griebeler, cientista político da Barral M Jorge, essa falta de agendas claras de partidos tradicionais e nomes consolidados pode resultar em uma renovação política que pende para o conservadorismo, que geralmente sai em defesa de soluções fáceis para os problemas do país. “Há um maior cuidado com quem o eleitor vota para cargos no executivo, mas essas intenções de voto no Bolsonaro, caso não se reflitam em votos de fato para o cargo de presidente, podem significar votos em deputados e senadores apoiados pelo candidato”, diz.

Há, ainda, boa chance de aparecer ninguém que agregue o eleitorado fora da agenda tradicional. Conforme se aproximam as eleições, fecha-se a janela para o surgimento de novos nomes. Para concorrer a cargo eletivo, é preciso estar filiado ao partido seis meses antes da data das eleições — abril de 2018. Não havendo um nome de consenso, o país volta a correr riscos de uma paralisia decisória.

“O eleitor está na pior posição possível. Deve escolher alguém para comandar uma mudança, mas as alternativas são incertas e têm agendas confusas. Nenhum dos nomes deu ideia de que projeto de país tem na cabeça caso seja eleito”, diz José Álvaro Moisés, cientista político e coordenador do Núcleo de Pesquisa de Políticas Públicas da USP. “Sociedades complexas e desiguais, como o Brasil, precisam ter um debate de ideias sendo feito com muita antecedência, para que se esclareça em que direção irão os candidatos. As primárias nos Estados Unidos começam mais de um ano antes e há dezenas de opções, de várias regiões do país apresentando o que pensam”.

Nos Estados Unidos, o sistema de prévias funciona desde o século XIX, quando membros do Congresso se reuniam para escolher o nome do partido que disputaria as eleições presidenciais.

No Brasil, os partidos empurram os nomes goela abaixo dos eleitores. No PT, partido que tenta voltar à Presidência, o nome de Lula foi imposto de cima para baixo — não que ele fosse perder uma prévia, mas não houve até o momento qualquer indicativo que outros nomes podem se aventurar a divulgar suas ideias e concorrer ao cargo. Nenhum dos outros presidenciáveis também passou por esse tipo de sabatina. O PSDB caminha para isso em meio à batalha entre o criador Geraldo Alckmin e a criatura João Doria pela indicação. Será, contudo, mais um jogo de influência que um debate de ideias.

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