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"Nova York proibiu os patinetes e não é comunista", diz Bruno Covas

Em entrevista exclusiva para EXAME em meio à tensão com empresas de patinetes, prefeito de São Paulo diz que reclamação confunde "liberalismo com anarquia"

Bruno Covas, prefeito de São Paulo (Germano Lüders/Exame)

Bruno Covas, prefeito de São Paulo (Germano Lüders/Exame)

João Pedro Caleiro

João Pedro Caleiro

Publicado em 6 de junho de 2019 às 06h00.

Última atualização em 6 de junho de 2019 às 09h14.

São Paulo — O recolhimento dos patinetes de empresas não cadastradas pela prefeitura de São Paulo, alvo de críticas de grupos liberais na semana passada, é defendido sem reservas por Bruno Covas (PSDB).

"Grande parte das reclamações confunde liberalismo com anarquia", diz o prefeito, próximo de completar um ano e dois meses no cargo após a saída de João Doria para concorrer ao governo do Estado.

Em meio a uma reorientação do discurso do partido, consagrada em uma Executiva também no final da semana passada, Covas ainda prefere não confirmar a tentativa de reeleição em 2020.

Enquanto isso, vem capitaneando iniciativas que o aproximam tanto da esquerda, como o Parque Minhocão, quanto da direita, como um amplo programa de desestatização.

Veja os principais trechos da entrevista com EXAME, realizada na manhã da última quarta-feira (04) no seu gabinete no centro de São Paulo:

Na sua participação no EXAME Fórum na quarta-feira passada, o senhor reclamou muito dos atores com poder de bloquear processos na cidade, os veto players...

Eles agiram de novo (risos).

Sim, dessa vez no caso do Zona Azul. Qual é a estratégia para lidar com estes bloqueios?

Primeiro compreender que está dentro do processo democrático construído no Brasil. Não acho que é algo contra essa administração, que lida com isso com naturalidade e como parte da regra do jogo, mas lamentando sempre porque o prejudicado não é o prefeito ou a administração, é a população.

A concorrência do Zona Azul tem uma previsão de arrecadar pelo menos 800 milhões, valor que deixa de se investir na cidade. Talvez isso afugente possíveis interessados, desconfiados em relação à segurança jurídica do negócio.

A administração sempre responde na maior rapidez possível e leva os técnicos para discutir com tribunal de contas, MP e Câmara, mas nem todos os prazos estão na mão do prefeito.

Há uma incompreensão, por serem processos novos?

Não tem a menor dúvida. Toda novidade paga o seu preço, e parte dele é a dificuldade de lidar com os órgãos de controle. A cidade nunca teve um programa tão audacioso de desestatização.

Não foi entregue nenhum corredor de ônibus novo da cidade desde 2016, e na última década a média foi de 1 quilômetro por ano. Eles continuam sendo uma politica da sua administração?

Se eu tivesse recursos faria mais, infelizmente não vou ter. Vamos entregar Itaquera, com 9 quilômetros de corredor, e requalificar 40 quilômetros de corredores feitos no passado simplesmente pintando faixas exclusivas, o que acabou danificando o viário porque elas não estavam preparadas para o peso dos ônibus.

A questão dos patinetes virou uma guerra pública. Há grupos reclamando que o excesso de inovação pode sufocar a inovação no transporte. Por que exigir capacete para patinete e não para bike, por exemplo?

Porque bike não é motorizada como patinete. Grande parte das reclamações confunde liberalismo com anarquia; uma coisa não tem nada a ver com a outra. Nova York proibiu os patinetes e não é comunista.

Cabe ao poder público verificar quando há disputa pelo uso do viário. Se essa disputa fosse auto-regulamentada era fácil, mas não é. No primeiro acidente o culpado é o prefeito porque não regulamentou.

A gente resolveu enfrentar a discussão. No Rio de Janeiro, por exemplo, a empresa que oferece esse serviço já disse que vai parar se a prefeitura não regulamentar. Ingerência na atividade econômica é entrar na relação entre a empresa e o cliente, estabelecer preço, minutos de utilização... Não é isso que a prefeitura quer fazer, e sim estabelecer as regras do mercado.

Todo modal precisa de regulação com o objetivo de diminuir acidentes, já que partimos da premissa de não aceitar nenhum tipo de morte.

Há meses vínhamos discutindo com as empresas que não queriam se credenciar na prefeitura. Precisou baixar uma regulamentação provisória para que outras fizessem; na semana passada foram outras duas (Scoo e FlipOn) e recentemente a própria Grow, que não queria, acabou se credenciando.

Já houve manifestações a favor da sua reeleição nas executivas do DEM e do PSDB. O que falta para a sua decisão? E qual seria a marca da sua gestão?

Falta chegar o momento apropriado. Não tem porque antecipar o cronograma e começar a fatiar a administração por apoios partidários, deixar de fazer essa ou aquela intervenção porque tem uma repercussão negativa de popularidade. Só os políticos e jornalistas estão afobados para saber.

Acabamos de relançar um programa com 71 metas e a maior marca é entregar o prometido. O que vão valorar vem depois: não sei se vão achar mais importante o Parque Augusta ou 85 mil vagas em creches.

O PSDB teve uma Executiva em que assumiu uma identidade mais liberal. Como parte da família Covas, ligada às origens social-democratas, sente algum desconforto com esse rumo?

Em 1989 o primeiro candidato à Presidência do PSDB, Mario Covas, propôs em seu projeto de governo um choque de capitalismo. Não há incompatibilidade entre o que se diz agora e o que sempre defendeu o PSDB: apoio e parceria com o setor privado.

Foi por isso que o PSDB fez a privatização da telefonia no governo FHC, a concessão das estradas no governo Covas, a administração de hospitais por Organizações Sociais no estado.

O que nos diferencia do liberalismo e da direita tradicional é entender que o poder público não deve se preocupar apenas com segurança, mas também com educação, saúde, transporte, cultura e esporte.

Em relação à esquerda, é apostar que você pode ter serviços públicos providos pela iniciativa privada. O que o PSDB precisa não é diferente do que sempre defendeu.

Nessa área social, uma meta é reduzir em 80% o número de usuários de drogas na Luz. O programa tem um lado de continuidade da gestão Doria e uma complementação de renda que é comparada ao Braços Abertos da gestão Haddad. Qual o elemento novo que permite uma meta tão ambiciosa?

A grande diferença é que na gestão Haddad, a bolsa-trabalho era vista como parte do tratamento; qualquer um entrava e os números da Secretaria Municipal de Desenvolvimento Econômico e Trabalho são de 50% de falta no trabalho.

Nessa segunda etapa, ela é porta de saída para aqueles que já passaram pelo tratamento. É feita uma avaliação se a pessoa já esta em condições de voltar para o mercado de trabalho.

O programa agora foi diversificado. Quando ele foi implementado, era calcado na internação compulsória, que foi proibida pela Justiça, o que deixou o programa capenga.

Agora o grande diferencial é a singularidade, com um leque de opções de tratamento que vão das comunidades terapêuticas à abstinência. O governo federal, por exemplo, só está discutindo a abstinência.

Bruno Covas, prefeito de São Paulo

A cidade pode ser prejudicada pelas mudanças na Lei Rouanet, como o novo limite de captação que acaba excluindo a maior parte dos musicais?

Pode sim, não apenas pelas pessoas que trabalham diretamente nos musicais mas também pela quantidade de turistas que vem aqui por isso. SP já é a quarta cidade do mundo em número de musicais, uma atividade econômica que gera empregos diretos e indiretos.

Tive uma conversa com o ministro [da Cidadania] Osmar Terra, que ficou de analisar a importância para a cidade, e esperamos que o governo federal reveja essa posição.

Outras instituições também podem ser afetadas pelas mudanças federais no apoio à cultura?

A gente tem tentado fazer uma articulação entre esses produtores e o governo federal para encontrar um meio-termo – como só poder usar a Rouanet para esse ou aquele custo, por exemplo.

Estamos procurando saídas para a demanda federal de democratizar e universalizar o acesso, mas a empresa que investe em um musical em SP não vai doar para um outro local sem tanta visibilidade. A tendencia não é ter uma redistribuição do recurso, é ter uma diminuição.

Um dos principais anúncios da sua gestão foi o primeiro trecho do Parque Minhocão. Há resistência dos veto players e de grupos que querem outro destino para o viaduto? A meta de inauguração em novembro de 2020 está mantida?

A preocupação com órgãos de controle se dá em qualquer projeto. É claro que ele enfrenta resistências, mas é importante lembrar que há uma lei municipal que, a partir de 2024, o Minhocão deixa de ser usado como viário. Essa decisão já foi feita pelos representantes do povo, que são os vereadores. O que cabe agora à Prefeitura é definir se será utilizado como parque ou demolido.

Nós entendemos que esse primeiro trecho, da Consolação ao Largo Santa Cecília, tem vocação muito maior para parque do que para ser demolido. Não só para criar um área verde, mas para ser um fator de mobilidade a pé integrando o Largo do Arouche, a Praça Roosevelt e o novo Parque Augusta. A segunda etapa, do Largo Santa Cecília até a Barra Funda, quem me suceder pode discutir se transforma em parque ou demole parcial ou totalmente.

O que nós estamos enfrentando agora são as adaptações que precisam ser feitas no viário para receber esse trânsito que vai deixar de passar pelo Minhocão, e também as ações para evitar a saída das pessoas que ali moram e controlar a especulação imobiliária. Esses são os dois grandes desafios.

No momento do plano de metas, o senhor disse que era melhor pôr para funcionar o que já existe do que colocar coisa nova. Isso é um norte da sua gestão ou algum tipo de marca política?

Pode ser também, é fazer a população entender que gestão pública não é 100 metros raros, é corrida de revezamento. Tem que ter continuidade e por isso resolvemos terminar todas as obras de CEUs, embora quisesse investir em creches. A pior obra é a parada; terminar o que já foi iniciado é obrigação.

Isso ficou evidente com a queda do prédio no Largo Paissandú. Montamos uma equipe que visitou todos os prédios invadidos do centro, desocupamos dois em iminência de cair e capacitamos as pessoas para responder.

Meses depois, ainda no ano passado, uma invasão pegou fogo e todo mundo saiu sem nenhum ferido. Nós aprendemos com o erro de não se preocupar com os erros da cidade. A mesma coisa em relação ao viaduto que cedeu na marginal Pinheiros. 

Uma das mudanças da sua gestão foi nas regras do Bilhete Único. Qual foi o objetivo? Há a alguma proposta de privatização?

A mudança não foi no Bilhete Único, foi no Vale Transporte, que por lei é obrigação das empresas e não tem sentido a prefeitura subsidiar.

Só essa redução do número de pernas é uma economia de R$ 650 milhões. O sistema custa R$ 8 bilhões - você arrecada 5 bilhões com passagem e 3 bilhões são repassados dos cofres [públicos] para as empresas concessionadas. Toda economia são recursos que podem ir para a educação, saúde, etc.

Para quem ganha até 3 mil reais, que é 90% dos usuários do VT, não há nenhuma diferença na cobrança porque há o limite de cobrança de 6% no salário. É questão de justiça; não dá para privatizar lucro e socializar custo.

A licitação dos ônibus também está arrastada há muito tempo, mas é um sistema tão complexo que há poucos atores que podem operar. Há alguma perspectiva de resolução?

Depois de cinco anos em contrato emergencial, a gente estava prestes a assinar os novos contratos quando o Tribunal de Justiça declara inconstitucional um artigo de uma lei que embasava o edital. O que a gente está discutindo com eles é se essa decisão torna o edital nulo ou não. Se ele torna, teremos que começar do zero. Se não, é possível que só vá afetar o próximo edital.

Embora você tenha uma manutenção dos prestadores de serviço, a nova concessão tem novas regras; a partir de uma pesquisa de satisfação dos usuários você pode reduzir o valor que é pago às concessionárias. E você tem uma mudança da lógica do sistema, ampliando e racionalizando o número de linhas, até por conta das novas estações de trem e metrô, para reduzir o tempo.

E com um um prazo de 20 anos para ter receita, você consegue exigir investimento das empresas. Quando assumimos, dos 14.500 ônibus da cidade, apenas 1.500 eram novos, ou seja padrão EuroV de poluição do ar, ar condicionado, tomada USB e acessibilidade.

Já entregamos 3.500; ou seja, já temos 5 mil. Poderíamos ter muito mais se tivéssemos assinado esse contrato de concessão, porque cada um a empresa investe R$ 1 milhão. Mais uma vez, um grande prejuízo para a cidade.

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