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Nenhuma força política deterá a extrema-direita no Brasil, diz historiador

Em entrevista, Boris Fausto diz que a candidatura de Jair Bolsonaro (PSL) é a ascensão de uma extrema-direita que "aceita regras fora do jogo democrático"

O candidato à presidência, Jair Bolsonaro (PSL) (Ueslei Marcelino/Reuters)

Gabriela Ruic

Publicado em 26 de agosto de 2018 às 11h31.

Última atualização em 27 de agosto de 2018 às 08h28.

O historiador e cientista político Boris Fausto, de 87 anos, vê com preocupação o atual quadro eleitoral. Em entrevista, ele disse que a candidatura à Presidência do deputado Jair Bolsonaro (PSL) representa a ascensão de uma extrema-direita que "aceita regras fora do jogo democrático". E nenhuma outra força política ao centro ou à esquerda, tem hoje força para se contrapor a esse avanço, dado o descrédito dos partidos tradicionais. A seguir, os principais trechos da entrevista:

Qual o retrato do País às vésperas de uma eleição presidencial?

Estamos à beira do abismo, em uma situação muito complicada. Há uma crise institucional muito grave. Há uma incerteza com o resultado da eleição. E existem candidatos que são, ao menos um candidato notadamente, muito preocupantes.

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O sr. se refere ao deputado Jair Bolsonaro?

(Rindo) Você é quem falou...

O que faz dele alguém tão bem colocado nas pesquisas?

Ele vem de uma coisa inegável, que não chegamos a perceber, que foi o avanço da extrema-direita. O Bolsonaro vem nessa onda. Ele é, nitidamente, um candidato que hoje entrou no jogo, mas que também aceita regras fora do jogo democrático.

Como se deu o fortalecimento dessa extrema-direita?

O que levou a isso foi a corrosão do jogo democrático. Corrupção descrença nos candidatos e nos partidos, seja à esquerda ou à direita. Isso proporcionou o avanço da extrema-direita e o crescimento da ideia de um regime forte. Essa ideia vem sempre associada aos militares, porque, na cabeça de alguns, se alguém tiver de implantar um regime forte são eles, os militares. Tem também muita gente jovem que apoia o Bolsonaro e não conheceu a ditadura. E mais grave: gente que conheceu a ditadura e diz que é isso mesmo. É um eleitorado que diz que cansou dos políticos de centro, dos bem comportadinhos, dessa esquerda que é muito demagógica. Quando você vota por ódio ou por raiva, os riscos são muito altos. Se estoura tudo, o caos é instalado e as consequências tendem a ser autoritárias. Ainda assim, mesmo que chegue ao segundo turno, parece difícil que o Bolsonaro ganhe a eleição. Na França, as pessoas se assustaram quando Marine Le Pen (candidata da extrema-direita ao governo francês) chegou ao segundo turno (em 2017) e se juntaram nas candidaturas enquadradas dentro da normalidade.

Uma união entre partidos para enfrentar Bolsonaro num segundo turno será automática?

PT e PSDB não vão se dar as mãos. Vão, no máximo, fazer uma aliança pragmática.

Derrotado, Bolsonaro será um fenômeno efêmero?

Diria que Bolsonaro é uma má personificação, é muito caricatural. Isso pode agradar a um setor, mas, para articular um movimento, esse homem é muito tosco. Uma corrente de extrema-direita vai persistir, mas outro alguém vai encarnar essa corrente, alguém que não ensine uma criança de 5 anos a atirar.

Existe algum partido que se contraponha à extrema-direita?

Não e esse é o drama do País. Nem ao centro nem à esquerda. Agora, se tem uma figura que ganhou pontos, foi a Marina Silva, que, inteligentemente, peitou o Bolsonaro. Coisa que o (Geraldo) Alckmin não faz. Ele fica fazendo suas considerações aritméticas e um joguinho que, a meu ver, não funciona mais.

A Marina tem força para se impor e com chances eleitorais?

Com chances eleitorais, sim. Se ela vai para o segundo turno, ganha de qualquer um. Mas daí começariam problemas de toda ordem. A força de articulação dela é muito baixa. Vejo pouca capacidade dela no jogo institucional.

Considera haver riscos para a democracia no País?

O risco de intervenção militar, acho menor do que em 1964. Mas o risco de uma descida aos infernos por uma via autoritária que seja, até certo ponto, formalmente democrática tem chance de ocorrer como nunca.

Como explicar a força do ex-presidente Lula mesmo preso?

Ele combina o martírio com a habilidade política. Ele não está se valendo do sofrimento da cadeia. Ele é forte e está vivo, é um quase semideus, e ainda consegue dar um trança-pé do naipe que ele deu no Ciro Gomes. Fundamentalmente, eu não acho que o PT seja um partido democrático. Existe uma corrente autoritária forte no interior do PT. O PT está integrado no jogo democrático porque lhe convém muito bem. Na medida em que a figura salvadora do Lula permanece, algum tipo de homogeneidade interna sobrevive no PT. Enquanto isso, o PSDB se arrebenta, com as acusações de corrupção e a desfiguração de seus quadros. Além disso, toda política do PSDB desde a primeira vitória do Lula foi errada. Em vez de combater na oposição, e apostar no futuro, passou por posições oportunistas.

Como vê a ideia dos outsiders?

Tenho dúvidas em relação a outsiders. Eles aparecem com uma marca antipolítica. Se você se aproveita da crise da política, do sistema, é um indício negativo.

A eleição vai pacificar o País?

Vai continuar dividido e polarizado. Vamos dizer que o Bolsonaro seja eleito. Como se estabiliza isso com as características desse homem? Quem vai governar, o Posto Ipiranga? É crise mesmo. O Alckmin é o que tem mais condições de levar a política para frente, mas é muito a velha política. Não é nada muito animador.

Boris Fausto, historiador e cientista político, é membro da Academia Brasileira de Ciências. Em 1970, edita o livro A Revolução de 1930 - Historiografia e História, que contesta as versões em defesa de São Paulo no período.

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