“Não vai ter segundo turno entre Lula e Bolsonaro”, diz Eduardo Leite
Em entrevista exclusiva à EXAME, o governador do Rio Grande do Sul analisa a crise institucional do país, as eleições de 2022 e a repercussão de falar sobre sua sexualidade
Gilson Garrett Jr
Publicado em 31 de agosto de 2021 às 06h30.
Última atualização em 31 de agosto de 2021 às 10h48.
A história de Eduardo Leite , governador do Rio Grande do Sul, corre em paralelo com o período da reabertura democrática do Brasil. Nasceu em março de 1985, poucos meses após a eleição de Tancredo Neves a presidente da República, o primeiro civil no cargo depois de 21 anos de ditadura militar.
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Leite tomou posse como um dos mais jovens governadores, em 2018. Há dois meses, foi o assunto da vez ao falar abertamente sobre a sua sexualidade. A escolha do momento para dizer que era “um governador gay” teve um ponto importante: está em campanha para disputar as prévias do PSDB, seu partido, para concorrer à presidência da República em 2022.
Seu principal oponente é o governador de São Paulo, João Doria, que carrega junto ao seu nome o fato de ter sido o responsável por trazer ao Brasil a primeira vacina contra a covid-19 aplicada no país.
O gaúcho, de 36 anos, percorre o Brasil para conseguir votos e mostrar que representa a nova política e que é uma voz da chamada terceira via, de oposição ao presidente Jair Bolsonaro e ao ex-presidente Luiz Inácio Lula da Silva na disputa ao Palácio do Planalto.
O desafio é grande. A mais recente pesquisa EXAME/IDEIA mostra Lula vencendo todos os cenários de segundo turno. Os números apontam ainda que, por enquanto, nenhum candidato consegue tirar de Bolsonaro um segundo lugar no primeiro turno e a chance de ir ao segundo turno.
Leite diz que já viu este filme. Quando disputou a prefeitura de Pelotas, em 2012, estava em quarto lugar, com 8% das intenções de voto. Terminou eleito, em segundo turno, com 58% dos votos válidos.
Em entrevista exclusiva à EXAME, o governador do Rio Grande do Sul analisa a crise institucional entre os Poderes, os desafios da economia brasileira, e como pretende resolver os problemas do país, caso eleito presidente.
Neste momento estamos passando por uma das maiores crises institucionais entre os três poderes da história recente do Brasil. Na sua avaliação, os poderes estão funcionando de maneira adequada?
Os poderes, individualmente, têm funcionado de maneira adequada. O ideal é que nem houvesse o estressamento nas relações entre eles, mas o sistema do ponto de vista institucional, até aqui, está funcionando na medida em que pressupõe a divisão entre responsabilidades e poderes, o famoso sistema de freios e contrapesos.
O Judiciário está apresentando o seu papel como contrapeso aos arroubos autoritários do presidente da República, e o Congresso Nacional tem na sua mão ferramentas. Diante de algum tipo de sinalização ainda mais grave, pode tomar medidas em relação ao Executivo. O problema vem do presidente da República. E esse tensionamento gera um efeito nos bolsos dos cidadãos.
O problema dos combustíveis é consequência disso. Os estados não alteraram as alíquotas de ICMS. Tem um fator externo de inflação, pressionado por conta da pandemia, e a elevação do preço do dólar, com a desvalorização do real. Isso é causado pelos riscos que o presidente da República impõe com a sua forma de agir. Todo o risco vira custo. Como o barril do petróleo é cotado em dólar, pagamos a conta por causa deste desajuste e desse tensionamento político. E tem um culpado, que é Jair Bolsonaro.
Os protestos marcados para o dia 7 de setembro são, sobretudo, marcados pelo apoio das polícias militares. Há um aumento na tensão, e ameaças de invasão ao Congresso e ao STF. Como o senhor, chefe da Brigada Militar, vê este movimento e lida com a questão no Rio Grande do Sul?
No Rio Grande do Sul eu tenho absoluta confiança na Brigada Militar, de mais de 180 anos. Tem uma tradição, com capacidade institucional, com quadro técnico qualificado. Não tenho nenhuma razão para acreditar em um atendimento a qualquer tentativa de insuflar insubordinações, até porque ao longo do nosso próprio mandato nós tivemos que discutir temas sensíveis, como as carreiras da Polícia Militar, da previdência, e sempre fizemos isso com muito diálogo.
Claro que houve oposição, discussões divergentes, mas sempre dentro das regras do jogo, sem qualquer tipo de tentativa de motim, de provocações de desordem. Então a nossa Brigada Militar já deu muitas demonstrações do seu papel institucional no estado do Rio Grande do Sul.
Que Brasil o futuro presidente, seja o senhor ou qualquer outro candidato, vai encontrar em 2023, diante do momento pós-pandemia, que impactou a economia?
A gente tem a situação, infelizmente, de mais uma década perdida. Fala-se da década de 1980, também entre 2010 a 2020, que é outra década perdida. Os empresários perguntam quando é que finalmente o Brasil vai ter uma década ganha? Chega de década perdida. Precisamos reconquistar a confiança no Brasil.
A imagem do país está afetada, também pelo o que o PT deixou, de descompromisso com o equilíbrio fiscal. Eu não estou falando nem da corrupção, que é outro problema de questão moral. Estou falando aqui da política econômica, com subsídios, com artificialismos, a contabilidade criativa.
Bolsonaro, por sua vez, gera tensões de todas as ordens, também sobre a política fiscal, porque são constantes as ameaças de ultrapassar com teto de gastos, e as possíveis rupturas institucionais, que também impactam a economia.
O papel do presidente vai ser trazer o país para a sensatez, a sobriedade, para o equilíbrio. Precisamos demonstrar claramente para o mundo que temos uma responsabilidade fiscal, que o governo vai trabalhar na lógica de buscar reduzir esse déficit nas contas públicas.
Tem que demonstrar clareza e buscar o equilíbrio, que vai ter política de respeito ao meio-ambiente, de enfrentamento ao desmatamento, de redução de emissão de carbono, para reconquistar a confiança no tema da sustentabilidade. Trazer o tema para o centro do governo, coloca o Brasil no centro do mundo e atrai investimentos que vão ajudar na retomada da economia.
A última pesquisa EXAME/IDEIA mostra o ex-presidente Luiz Inácio Lula da Silva vencendo todos os cenários de segundo turno. Mostra ainda que o presidente Jair Bolsonaro é o nome que deve disputar o segundo turno. O senhor representa a terceira via, mas que ainda não decolou nas pesquisas. Para o senhor, o que representa termos Lula e Bolsonaro em um eventual segundo turno em 2022?
Uma tragédia, que deve ser evitada. Eu tenho convicção que vai ser evitada porque um dos mais importantes fatores que precisa ser analisado na pesquisa é a rejeição. É tempo de entender mais o que o eleitor não quer do que ele está demonstrando querer.
A preocupação do eleitor nesse momento não é com eleição, é se a vacina vai chegar a tempo no seu braço, se vai manter o emprego, se vai conseguir botar comida na mesa. Os sentimentos que se expressam nas pesquisas me deixam muito convicto de que não vai ter segundo turno entre Lula e Bolsonaro.
No momento em que as pessoas conhecerem as alternativas, vai operar em favor do surgimento de uma terceira via. Eu mesmo comecei a minha carreira política, no Executivo correndo a prefeito, e claro que é um microcosmos, mas eu estava lá no quarto lugar a quatro meses da eleição, com 8% nas pesquisas. Aí tinha outro candidato, que era um ex-prefeito, por conta da rejeição do atual, estava turbinado com 40%.
Eu tinha a certeza de que se a população tivesse um outro caminho, ela escolheria. E foi o que aconteceu. Mas também há necessidade de ter conversas entre os partidos para não dar chance para o azar.
O senhor apoiou o presidente Bolsonaro nas eleições de 2018. O senhor se arrepende dessa decisão?
Eu diferencio o apoio. Apoiar é pedir votos, fazer propaganda junto e defender. Eu não fiz isso. Eu era um candidato no segundo turno ao governo do meu estado e as pessoas tinham a curiosidade de saber o que eu iria fazer. E naquele momento eu disse que votaria em Bolsonaro, porque do outro lado estava do PT, com um problema moral muito sério, com um ex-presidente da República que estava preso.
Claro que Bolsonaro não foi a resposta para os problemas econômicos, e isso está muito claro agora. No primeiro turno meu candidato era Geraldo Alckmin [ PSDB, mesmo partido de Leite ]. No segundo turno, eu fiz questão de externalizar as minhas posições, com todas as minhas diferenças em relação ao Bolsonaro e isso colocou a minha eleição em risco, porque no estado ele teve a maioria dos votos no primeiro turno.
Por conta disso, a minha intenção de voto nas pesquisas caiu de 60% e terminei eleito com 53%. Mesmo com todo esse disclaimer, eu me arrependo porque eu tinha uma expectativa de que pelo menos pudesse ser algo de diferente na presidência da República.
O presidente questiona muito o processo eleitoral e há dúvidas, caso perca, de que Bolsonaro reconheça o resultado e permitirá uma transição de poder. O senhor teme que não tenha eleição? Que o processo seja invalidado de alguma forma?
O preço da liberdade é a eterna vigilância. Temer sempre e estarmos atentos sempre. Especialmente quando há claras demonstrações de que Bolsonaro segue a mesma cartilha de Donald Trump. Mesmo uma democracia consolidada, como a americana, sofreu uma tentativa de romper com os resultados das eleições.
Mas eu confio que nas instituições, que as pessoas e os cidadãos farão valer a lei, a constituição, para que haja eleição e a devida transição de poder. Vamos estar atentos a isso. Antes de institucional ou político, o meu papel é de cidadão para que a Constituição seja defendida e a vontade da população seja respeitada.
Independentemente de quem assumir o Palácio do Planalto em 2023, vai encontrar um país com uma crise fiscal muito grande. Se no começo do ano a previsão do PIB para 2022 era muito otimista, agora, os analistas reveem as projeções para baixo. O senhor quando assumiu no Rio Grande do Sul pegou o estado em uma situação muito caótica, com salários atrasados e rombo fiscal. O que o senhor faria caso fosse eleito presidente?
O país vai precisar fazer reformas para dentro da máquina pública, para reduzir mais fortemente possível as despesas primárias, o custo da própria máquina da operação. E isso você não consegue resolver rapidamente. Eu não resolvi todos os problemas do Rio Grande do Sul, mas nós conseguimos avançar rapidamente sobre pautas que ajudaram a resolver no curto prazo parte do problema.
O Brasil tem que dar demonstrações claras neste sentido. Se você faz algumas medidas, como por exemplo a Reforma Administrativa, um avanço no programa de privatizações, já dá o recado do governo. E parar de ter briga institucional. Precisa também criar um ambiente mais sereno, de bom senso, e de equilíbrio. Previsibilidade é o que todo mundo quer.
Não só o mercado gosta de previsibilidade, mas é bom para todo mundo porque gera a maior possibilidade de injeção de recursos no país. A deficiência em infraestrutura é um grande problema por um lado, e uma grande oportunidade por outro. Gera a possibilidade de investimento privado de grande monta, que pode ser buscado através de parcerias e concessões e até de privatizações que ajudem a promover investimentos. Só que esse dinheiro só vem se o cenário for minimamente positivo no curto, médio e longo prazo .
O senhor sempre defendeu a não reeleição, tanto que não disputou a prefeitura de Pelotas e já disse que não pretende disputar um novo mandato como governador. Caso o senhor não passe nas prévias do PSDB em novembro, a reeleição está no radar? Tentaria Senado ou Câmara? Aceitaria ser vice?
Eu tenho muita confiança de que vamos ganhar as prévias do PSDB, se elas forem feitas de uma forma limpa. Há denúncias de uma tentativa de interferências econômicas para votos dentro do partido, e que precisa ser apurado. Mas eu confio nas medidas que garantam prévias limpas dentro do dentro do partido.
Respeitarei a decisão que as prévias vierem a tomar. Já disse que não concorrerei à reeleição como governador, mantenho essa posição. Ter deixado isso claro desde o início foi fundamental para que eu pudesse ter o ambiente político na Assembleia Legislativa, com uma parceria de partidos que têm legitimidade de aspiração de protagonismo político.
O Rio Grande do Sul tem grandes partidos políticos, como MDB e o PP, para citar exemplos, que aspiram ser protagonistas. Eu não vou deixar de cumprir a minha palavra em relação à reeleição. Se não for candidato a presidente da República, pretendo concluir meu mandato como governador. Nem deverei concorrer a outro cargo porque exigiria a renúncia do mandato lá no início de abril e não faz sentido para mim no ano, que virá a ser o melhor do governo. Vou tomar o meu caminho em qualquer outro rumo, com tranquilidade.
Se de um lado a gente tem essa tensão entre os poderes, um momento mais fechado institucionalmente, por outro, é um marco político o senhor ter assumido a sua sexualidade, mostrando uma abertura maior das pessoas em receber este tipo de informação. Como o senhor avalia esses dois meses que se passaram após ter falado publicamente sobre ser gay?
Como tudo aquilo que acontece nesse tempo de redes sociais: nas primeiras 48 horas uma avalanche de informação, não se falava de outra coisa. Depois veio a naturalidade e o assunto passou a ser outro. Eu nunca tinha falado a respeito da minha orientação sexual porque achava que não deveria ser um assunto.
Acho que o Brasil deve aprender que isso não importa. Mas no momento em que há agressões, em que há ataques, e tendo conquistado a posição que conquistei, se tornou relevante falar a respeito. Eu já tinha tomado a decisão de falar, tinha conversado com o meu namorado, que antes do final do mandato para que ele se preparasse.
A candidatura à presidência da República trouxe essa discussão antecipada. Algumas pessoas inclusive me abordaram dizendo que já sabiam, mas não se importavam. Me perguntam se o Brasil está preparado para ter um presidente gay, e eu acho que sim. Eu fui prefeito sem falar sobre assunto, mas sem negar. Fui eleito governador sem falar, mas também sem negar.