Na cidade da Embraer, um aeroporto padece
Aeroporto de São José dos Campos (SP) não consegue receber dois vôos simultâneos; prefeitura que tomar o local e concedê-lo à iniciativa privada
Da Redação
Publicado em 1 de abril de 2012 às 11h37.
São José dos Campos, a menos de 100 quilômetros de São Paulo, figura na lista das vinte cidades mais ricas do país, com um Produto Interno Bruto (PIB) de 22 bilhões de reais. Lá estão 26 mil empresas, algumas do porte da Embraer, General Motors e Ericsson, e os mais importantes centros de pesquisa da América Latina nas áreas espacial, energética e aeronáutica. O município conta ainda com pujantes polos de defesa e petroquímico. Na cidade que domina a tecnologia de voar, no entanto, o aeroporto é uma lástima. Operado há oito anos pela Empresa Brasileira de Infraestrutura Aeroportuária (Infraero), o terminal Professor Urbano Ernesto Stumpf é um exemplo completo do descaso e incompetência da estatal.
Desde que a Infraero assumiu o controle do aeroporto, o fluxo anual de passageiros saltou de 50 mil em 2003 para 240 mil em 2011 (o limite é de 90 mil), sem que fosse feita sequer uma reforma nas instalações. Houve apenas o recapeamento das pistas. Passageiros que partem da cidade para estadias de curta duração não podem deixar seus carros em garagens – simplesmente porque só há uma com capacidade para apenas 50 veículos. Serviços simples e indispensáveis, como banheiro, causam vergonha nas empresas que recepcionam empresários vindos de outros locais e que são obrigados a descer em São José dos Campos pela falta de opção em Guarulhos. “Muitos chegam a pedir para desembarcar Guarulhos, apesar da distância, devido à falta de estrutura aqui”, afirma um executivo de uma empresa da cidade que pediu para não ter seu nome citado.
Ineficiência estatal
Em ano de revisão do sistema aeroportuário brasileiro, em que o governo arrecadou 24 bilhões de reais nas concessões à iniciativa privada dos aeroportos de Guarulhos, Viracopos e Brasília, o de São José dos Campos é um retrato da vergonhosa ineficiência que impera no setor aéreo nacional – sobretudo nos terminais de cidades de porte médio. No aeroporto que fica a poucos metros da sede da Embraer – empresa que é referência internacional em tecnologia aeronáutica –, dois voos não conseguem ser desembarcados ao mesmo tempo por falta de terminal, esteiras e espaço físico. Para lá, voam apenas as empresas Trip e Azul. Para se ter ideia, na também paulista Ribeirão Preto, que tem praticamente o mesmo número de habitantes de São José (pouco mais de 600 mil), o aeroporto – operado pelo governo do estado de São Paulo – teve um fluxo de um 1,4 milhão de passageiros no ano passado e conta com os serviços de cinco companhias aéreas.
Para tentar reverter esse quadro e transformar o local em um centro lucrativo, o prefeito da cidade, Eduardo Cury (PSDB/SP), enviou em 2011 um ofício ao ministro da Secretaria de Aviação Civil (SAC), Wagner Bittencourt, em que pedia a municipalização do aeroporto. Em um plano de negócios de quase 40 páginas, elaborado em parceria com uma consultoria privada, a prefeitura expõe a intenção de tomar para si a gestão do local e, posteriormente, concedê-la à iniciativa privada – tal como ocorreu com as três “joias” da aviação nacional.
O projeto
A ideia de Cury é transformar o aeroporto de São José em um centro de negócios com uma área para comportar indústrias, outra para um novo terminal de passageiros, um centro de eventos empresariais, um terminal para aviação executiva e outro para cargas. Na argumentação do prefeito consta não só a presença maciça de empresas na cidade, mas também a existência de mão de obra especializada formada nas diversas instituições de ensino locais, como o Instituto Tecnológico da Aeronáutica (ITA), e centros de treinamento de pilotos. “São mais de dois milhões de metros quadrados de área disponível. Dá para fazer muita coisa respeitando o plano diretor do aeroporto – sobretudo porque temos um complexo viário muito desenvolvido que vem até São José”, afirma o prefeito.
Não será tarefa fácil convencer o governo federal e a Infraero a ceder o terminal. A estatal não está nada disposta a engolir uma 'nova derrota', após perder o controle dos três principais aeroportos do Brasil. Teoricamente, ela prevê investir os recursos das outorgas de Guarulhos, Viracopos e Brasília – que serão depositados no Fundo Nacional de Aviação Civil (FNAC) – nos aeroportos menores e assim fomentar a aviação regional. Além disso, São José dos Campos está no centro estratégico e industrial do estado de São Paulo, com um potencial de negócios que desperta cobiça.
Especialistas ouvidos por VEJA apontam que o aeroporto Professor Urbano é um dos que maior potencial guarda mesmo com a ‘concorrência’ de Guarulhos, a apenas 73 quilômetros de distância dali, e de Viracopos – ambos terão sua capacidade ampliada significativamente pelas concessionárias privadas. “Há uma demanda reprimida muito grande na região para voos domésticos e que pode ser suprida por São José, sem afetar Guarulhos”, afirma um técnico da Agência Nacional de Aviação Civil (Anac). “Contudo, é preciso saber que um aeroporto melhor não irá trazer mais progresso para a cidade. Isso porque, até hoje, São José mostrou ser capaz de atrair empresas sem contar com essa estrutura”, afirma a fonte.
Em estudo
Procurada pelo site de VEJA, a Secretaria de Aviação Civil (SAC) afirmou, por meio de sua assessoria de imprensa, que está estudando o projeto apresentado pela prefeitura e deverá emitir um parecer ainda neste semestre. Três cenários são possíveis: municipalização, concessão ou a manutenção do terminal nas mãos da Infraero.
O ministro Bittencourt, conforme apurou a reportagem, já mandou um recado “aos apressadinhos”. Ele disse que estudará o projeto e que, para isso, levará o ano inteiro. Até lá, não tomará qualquer decisão. Ante a demora já anunciada, o secretário teria se comprometido a trabalhar para que a Infraero construa um Módulo Operacional Provisório (MOP) – o famoso “puxadinho” – para tentar aumentar a capacidade de pousos e decolagens simultâneas do local. Por ora, apenas promessas.