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Murillo de Aragão: Legado de soberba

Para o cientista político, o estilo de Dilma, que deu pouco espaço a aliados e não soube criar alianças no Legislativo, paga seu preço com o impeachment

MURILLO DE ARAGÃO: Dilma demonstrou até aqui uma postura antipolítica, evidenciada por mais de 14 anos de atuação /

MURILLO DE ARAGÃO: Dilma demonstrou até aqui uma postura antipolítica, evidenciada por mais de 14 anos de atuação /

Raphael Martins

Raphael Martins

Publicado em 29 de agosto de 2016 às 19h14.

Última atualização em 22 de junho de 2017 às 18h03.

Dilma Rousseff passou a manhã e a tarde desta segunda-feira na Mesa Diretora do Senado. De lá, ouviu ataques, acusações, aplausos e apoios. Reagiu a todos com serenidade surpreendente a quem já foi acusada de explosiva. Não perdeu, no entanto, a chance de chamar o processo de impeachment de “golpe parlamentar”, reforçar o discurso de que é inocente e que não desistirá do cargo.

A estratégia nada tem de novo em relação à defesa apresentada em quase oito meses de rito. Cientistas políticos declaram há tempos que a chance de reversão dos votos favoráveis ao impedimento é mínima e a tática de desqualificar o processo deixa ainda mais difícil fazer novas alianças.

Murillo de Aragão, cientista político e presidente da Arko Advice, faz coro a esse time. Para ele, o estilo de Dilma, que deu pouco espaço a aliados e não soube criar fortes alianças no Legislativo, paga seu preço agora. O analista acredita que o discurso do golpe afronta a moral de indecisos e a saída proposta, de plebiscito e novas eleições, não gera confiança. Em entrevista a EXAME Hoje, Aragão colocou em dúvida até a estratégia de Dilma aproveitar o Senado para construir seu legado.

Qual a estratégia da presidente Dilma com o discurso e a postura na sessão desta segunda-feira?
São vários os objetivos. O principal é que Dilma tenta construir uma narrativa visando a resguardar um legado da sua época, para constituir um legado. Ao se dizer de viés popular, como Getúlio Vargas e Juscelino Kubitschek, tenta dizer que está sendo apeada por oligarquias. É uma narrativa que atende a um público específico e tenta apelar para emoção e converter indecisos, sendo que, a essa altura, indecisos nem devem existir mais. É uma estratégia falha, porque as pessoas conhecem a Dilma desde 2003, quando passou pelo ministério de Minas e Energia, pela Casa Civil e e depois pela presidência. Os políticos sabem qual o comportamento dela, sua postura no dia a dia da política. E ninguém quer isso hoje. Talvez, com voto secreto, haveria votos do próprio PT contra ela. Ela demonstrou até aqui uma postura antipolítica, evidenciada por mais de 14 anos de atuação. Não estamos falando de alguém simpático que virou antipático, mas de toda uma trajetória em que ela não aprendeu nada.

Dilma está preocupada com sua biografia ou em reverter votos?
Até está preocupada em reverter votos, mas a estratégia é confusa. Quando ela tenta “desinstitucionalizar” o processo de impeachment, chamando de golpe, ela ataca de frente os poderes envolvidos. Atacou a Câmara e o Senado, que votam a admissibilidade. Ataca até o Supremo Tribunal Federal, que foi chamado a interferir no processo. Dilma deveria partir para um debate mais técnico, para que pudesse se defender criando base política. Um governo que termina com 21 ou 22 senadores mostra falta de capacidade política, com resultados trágicos e soberba.

O fato de o embasamento jurídico ainda ser discutido no final do processo enfraquece o processo?
As mágicas contábeis começaram em 2011 e vieram por todos os anos. Não é uma prática nova, mas o Tribunal de Contas da União decidiu ter uma postura diferente na fiscalização. A lei não vale porque não foi aplicada? A lei existe. O argumento de fraqueza jurídica existe porque determinados setores da sociedade gostam da linha ideológica de Dilma. O cara de esquerda que é simpático a essas políticas quer que ela continue mesmo destruindo Petrobras, setor alcooleiro, o equilíbrio fiscal, endividando o país de forma brutal. O problema é que ela nunca teve “anticorpos políticos”, porque nunca deu espaço para os aliados. Achava que bastava fazer acertos para ter apoio.

A repetição insistente de argumentos, tanto de acusação como de defesa, nas sessões prejudica ou favorece o impeachment?
Há algum tempo, os parlamentares estão cumprindo tabela, constituindo o rito. O que importa é o final, em que, tudo indica, os votos serão a favor do impedimento. Alguém lembra o rito do Collor? Isso cai no esquecimento, ainda mais para o brasileiro que é pouco interessado nos detalhes.

Há condições para um retorno de Dilma?
Em política tudo é possível, mas é muito difícil. Dilma não criou nada que justificasse voltar ao poder e todos temem o caos político que se instauraria. Seria um governo sem maioria, sem narrativa e com as ideias fora do lugar. Sem força para tranquilizar a população. Como vai pautar a agenda e fazer o plebiscito que não é defendido nem pelo PT? O próprio caminho proposto é enfraquecedor da posição como presidente. Ela teria força para passar esse processo?

Temer se apresentou ao público para assumir o cargo de forma satisfatória? O que precisa para legitimar o governo que será atacado constantemente?
Temer tem o dobro da confiança da Dilma. Daqui quatro, cinco meses, se ele for bem, garantirá mais popularidade. Temos que ter cuidado ao associar popularidade com legitimidade. Pode não ser popular, mas o governo é absolutamente legítimo. O impeachment transcorreu de acordo com as regras constitucionais, sancionado pelo Supremo e as duas Casas legislativas. Ilegítimo seria se o Congresso escolhesse um presidente aleatório para colocar à força. A regra é clara. Está tudo previsto.

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