Laudo autentica provas em caso de terreno do Instituto Lula
Documento marca uma das etapas finais da segunda ação penal em que o ex-presidente Lula será julgado pelo juiz federal Sérgio Moro
Estadão Conteúdo
Publicado em 25 de fevereiro de 2018 às 12h31.
Curitiba - O laudo de perícia nos arquivos do Drousys e do MyWebDay, os sistemas de comunicação e o de contabilidade do setor de propinas, da Odebrecht apresentado pela Polícia Federal na sexta-feira, 23, à Justiça Federal confirma a autenticidade das provas entregues da mega delação da empreiteira, no processo em que o ex-presidente Luiz Inácio Lula da Silva é acusado de receber R$ 12,2 milhões na compra de um terreno que serviria de sede para o Instituto Lula, em São Paulo.
O documento, de 325 páginas, marca uma das etapas finais da segunda ação penal em que o ex-presidente Lula será julgado pelo juiz federal Sérgio Moro por corrupção e lavagem de dinheiro na Operação Lava Jato.
O laudo 335/2018, do Setor Técnico-Científico da PF do Paraná, pode encerrar a fase de diligências - que antecede a sentença de Moro - e, na avaliação de advogados e investigadores ouvidos em reservado pela reportagem, aprofunda os elementos que indicam o setor de propinas da Odebrecht como origem de parte dos recursos da compra - depois desfeita - do terreno da Rua Haberbeck Brandão, 178.
O documento afasta ainda a tese que buscava invalidar o material entregue pela Odebrecht e seus delatores no acordo de colaboração fechado com o Ministério Público Federal sob o argumento de que ele havia sido violado, segundo apurou a reportagem.
Lula é acusado nesse segundo processo da Lava Jato de Curitiba de corrupção passiva e lavagem de dinheiro por ter sido supostamente beneficiado no esquema de cartel e corrupção da Petrobrás com o acerto de R$ 12,4 milhões em propinas da Odebrecht. A maior parte na compra no terreno e R$ 504 mil na compra do apartamento ocupado por ele vizinho ao seu, no Edifício Hill House, em São Bernardo do Campo.
O imóvel, adquirido em 2010, em nome de Glaucos da Costamarques Bumlai, que também atuou na compra do terreno, mas foi substituído pela construtora do amigo de Marcelo Odebrecht DAG Construtora, é usado pelo ex-presidente desde 2003, pelo menos. Para Lava Jato, Glaucos, primo do amigo de Lula José Carlos Bumlai, é "laranja" e nunca recebeu aluguel pelo imóvel.
O laudo pericial entregue à Justiça confirma que os dados que constam no processo sobre a origem dos R$ 12 milhões usados pela DAG para compra do terreno e dos R$ 500 mil usados por Glaucos para adquirir o apartamento tiveram origem na Odebrecht, parte dele no Setor de Operações Estruturadas - a máquina de fazer propinas do grupo, que em dez anos movimentou R$ 10 bilhões, segundo confessaram os delatores.
A perícia foi feita nos arquivos fornecidos pela Odebrecht à Lava Jato do Drousys e o MyWebDay. Eles são sistemas de informática distintos, mas relacionados. A denúncia contra Lula explica que o primeiro "funcionava para alimentar e controlar os dados financeiros relativos à contabilidade paralela" e o segundo para a comunicação entre o setor de propinas, executivos e doleiros e controladores de contas.
"O sistema Drousys consistia em máquinas virtuais, inicialmente abrigado em data center localizado na Suíça e depois migrado para a Suécia, que proporcionava e-mail e bate-papo, o que, como referido, era usado para a finalidade de comunicação pela equipe do Setor de Operações Estruturadas."
O laudo feito na fase final do processo confirma que são autênticos os documentos entregues na delação premiada da Odebrecht e constantes na denúncia do MPF que indicam a origem dos recursos da compra, no setor de propinas, passando pela DAG, até chegar à offshore Beluga Holdings LTD, pertencente a Mateus Claudio Gravina Baldassarri, um dos proprietários do imóvel , por intermédio da empresa ASA - Agência Sul Americana de Publicidade.
Confirmou ainda a autenticidade do repasse de R$ 1,034 milhão, via DAG Construtora, a Glaucos da Costamarques e ao escritório Teixeira, Martins Advogados, do compadre de Lula Roberto Teixeira, réu também no processo que atuou na negociação, acusado de lavagem de dinheiro.
"O montante de R$ 1.034.000,00 é compatível com a soma de dois valores repassados pela empresa DAG Construtora para Glaucos da Costamarques (R$ 800.000,00) e Teixeira, Martins Advogados (R$ 234.000,00). Estes valores foram corroborados com a movimentação bancária da DAG Construtora", informa o laudo.
A defesa de Lula afirma que a cobertura usada pelo ex-presidente é alugada de Glaucos Costamarques. Glaucos, no entanto, disse em depoimento que nunca recebeu aluguel. O Instituto Lula nunca usou o prédio comprado pela Odebrecht em nome da DAG e, em depoimento, Lula afirmou que chegou a visitar o imóvel, mas considerou a localização inadequada e, por isso, não aceitou.
O documento entregue à Justiça servirá para o juiz federal Sérgio Moro analisar a acusação do Ministério Público Federal contra Lula. Já a Odebrecht confirmou em sua delação que comprou o terreno por acerto feito com o ex-ministro Antonio Palocci, que era o "gerente" da conta que a empresa tinha com o PT e Lula por seus negócios com o governo. Identificado como "Italiano", foi ele quem deu aval para a compra pela empreiteira.
O ex-presidente aparece nas planilhas do setor de propinas como "Amigo", referência à sua amizade com o patriarca do grupo, Emílio Odebrecht.
Foi Moro quem pediu que os peritos avaliassem seu os arquivos continham "documentos ou lançamentos que possam estar relacionados com o objeto" da ação penal.
Um dos elementos descobertos na triagem feita nos arquivos entregues pela Odebrecht está a descoberta da origem de R$ 150 mil determinados para serem pagos da última parcela de três de R$ 1,057 milhão, que saíram do Setor de Operações Estruturadas, que foram repassados para a DAG - do total de R$ 12 milhões.
Um e-mail encontrado nos arquivos foi destacado pelo laudo, há referência a um valor de R$ 150 mil no sistema Drousys. A mensagem é de 14 de janeiro de 2011 e foi encaminhada pelo codinome Waterloo (ex-executivo da Odebrecht Fernando Miglicaccio) para Tumaine (a secretaria do setor de propinas Angela Palmeira) e Tulia (secretaria do setor Maria Lucia Tavares), com cópia para Vinho (possivelmente, o doleiro Alvaro Novis). Assunto: "Crédito Paulistinha".
"É necessário apontar três detalhes, no referido e-mail, que poderiam indicar que os R$ 150.000,00 seriam parte dos R$ 1.057.920,00", informa o laudo.
"Em primeiro lugar, a proximidade temporal com os demais pagamentos. O segundo indício seria o envolvimento da pessoa de João Lovera, o mesmo apontado no manuscrito e diversas vezes citado com papel ativo na negociação de um dos imóveis objeto da Ação Penal e a citação a MO (Marcelo Odebrecht). Finalmente, há referência à palavra 'TERRENO', conforme pode ser atestado no e-mail."
Essa descoberta do laudo completa outra perícia feita pelo setor da PF, que havia descoberto uma fórmula matemática no setor de propinas da Odebrecht vinculada à "Planilha Italiano", codinome de Palocci, que chegou a ter R$ 200 milhões em créditos de propinas ao PT, segundo Marcelo Odebrecht e Emílio Odebrecht.
Intactos
A perícia foi requisitada após a defesa questionar sua validade e problemas no material. Moro determinou em 2017 os peritos fizessem uma descrição geral dos sistemas Drousys e do MyWebDay usados pela Odebrecht e disponibilizados ao MPF. Questionou ainda que fosse analisada a autenticidade dos arquivos eletrônicos e buscadas informações sobre eventuais alterações. Os advogados de Lula chegaram a pedir a suspensão da perícia no início do ano, mas o juiz negou e informou que o pedido não 'fazia o menor sentido'.
A perícia constatou que o material está intacto do ponto de vista das provas relevantes para o processo. "Foram identificados 842 arquivos, de um total de 1.912.667 arquivos, correspondendo a 0,043%, que apresentam não conformidades", diz a perícia. As alterações não atingem dados questionados, no entanto.
O laudo tem 321 páginas e foi feito nos 11 HDs e 2 pen drives entregues pela Odebrecht. Sete peritos criminais federais das áreas de contabilidade e informática trabalharam no documento: Rodrigo Lange, Edmar Edilton da Silva, Roberto Brunori Junior, Ronaldo Rosenau da Costa, Aldemar Maia Neto, Ivan Roberto Ferreira Pinto e Ricardo Reveco Hurtado. O material, sob coordenação do chefe do setor, Fábio Augusto da Silva Salvador, foi concluído na quinta-feira, 22, e anexado ao processo na sexta-feira, 23.
O juiz Sergio Moro deu prazo de 15 dias para a defesa de Lula e para o MPF analisarem os arquivos periciados.
Com a palavra, o advogado Cristiano Zanin Martins, que defende Lula
"A perícia realizada pela Polícia Federal nos autos da Ação Penal nº 5063130-17.2016.4.04.7000/PR, não estabeleceu qualquer vínculo entre contratos da Petrobrás com os imóveis indicados na denúncia e muito menos apontou o pagamento de qualquer vantagem indevida a Lula, como sempre foi afirmado pela defesa do ex-presidente.
Lula jamais solicitou ou recebeu da Odebrecht ou de qualquer outra empresa imóvel destinado ao Instituto Lula, que funciona no mesmo local desde 1991. Tampouco solicitou ou recebeu a propriedade do apartamento que é locado pela família, mediante o pagamento de aluguéis.
Lula jamais praticou qualquer ato para favorecer a Odebrecht ou qualquer outra empresa no cargo de Presidente da República, tampouco pediu ou solicitou vantagens indevidas.
A mesma perícia destacou que não conseguiu 'colocar em funcionamento o sistema MyWebDay' e que a análise foi realizada com base 'fragmentos de relatórios financeiros, todos em formato PDF' entregues pela Odebrecht, que não servem para fazer prova de qualquer fato. Reforça esse entendimento os peritos da Polícia Federal terem identificado arquivos que foram modificados após o MPF ter recebido o material da Odebrecht (página 82 do laudo)".