Grupos rivais na Câmara ajustam discurso de olho em votos da oposição
Sucessão da Câmara vai impactar a agenda de reformas e os planos de recuperação econômica, fatos decisivos para uma eventual reeleição de Bolsonaro em 2022
Reuters
Publicado em 10 de dezembro de 2020 às 06h58.
Em busca do apoio da oposição, que com mais de 100 votos é encarada como o fiel da balança na eleição pelo comando da Câmara , os grupos do atual presidente da Casa, Rodrigo Maia (DEM-RJ), e do candidato rival, Arthur Lira (PP-AL), ajustaram nesta quarta-feira seus discursos e movimentações.
Pouco antes do anúncio oficial da candidatura de Lira, Maia adotou um tom mais duro em entrevista coletiva e disse que o governo está "desesperado" para colocar um aliado na presidência da Casa.
Ao reforçar o mote da independência, mais de uma vez ele afirmou que Lira era apoiado pelo governo do presidente Jair Bolsonaro.
"Se todos os candidatos colocados defendem a pauta econômica, para que o governo quer interferir no processo? Porque ele quer as outras pautas, ele quer a pauta contra o meio ambiente, ele quer a pauta das armas", disse Maia.
"Ele quer essas pautas que ele defende, de forma legítima, defendeu na eleição, e precisa de um presidente da Câmara patrocinado por ele possa avançar nessas pautas", afirmou, acrescentando defender a pauta da modernização do Estado e redução das desiguladades.
Maia argumentou que a oposição à pauta de costumes e a crença no dialogo e no respeito às minorias são temas que aproximam o seu grupo dos partidos de esquerda, apesar das discordâncias no campo econômico.
Insinuou, ainda, que eventual interferência do governo a favor de determinado candidato limita qualquer promessa de independência que o apoiado possa fazer.
A expectativa é que o grupo de Maia anuncie um nome ainda nesta semana. Os favoritos são o líder da Maioria, Aguinaldo Ribeiro (PP-PB); o líder do MDB, Baleia Rossi (SP); o vice-presidente da Câmara Marcos Pereira (PRB-SP), além dos deputados Elmar Nascimento (DEM-BA) e Luciano Bivar (PSL-PE), que orbitam o presidente da Casa.
Mas, enquanto esse campo permanece indefinido, no lado adversário, Lira não perdeu tempo e anunciou sua candidatura, tendo como vice em sua chapa o deputado Marcelo Ramos (PL-AM).
Sem citar o apoio do governo, o líder do PP exaltou a força "moderadora" dos partidos de centro contra os "extremos", e defendeu o diálogo, além do respeito às minorias e à oposição. Também apontou que é a maioria quem tem a prerrogativa de definir as pautas a serem levadas à discussão e votação.
O candidato do PP tem grandes chances de fechar o apoio de um grande partido de esquerda, relatou uma fonte, daí o endurecimento do discurso de Maia e a leve guinada à esquerda nos discursos de ambos, Lira e Maia.
Uma fonte que acompanha as conversas informou que Lira largou na frente e joga sozinho, por ora. Mas a indefinicação sobre o nome a concorrer contra o deputado do PP não deve perdurar. O grupo de Maia formalizou, no fim do dia, um pedido para a formação de um bloco parlamentar que contará com seis partidos: PSL, MDB, Cidadania, PSDB, DEM e PV. Os blocos orientam a indicação de candidaturas à Mesa da Câmara.
Pesa, ainda, como ingrediente a acelerar as definições nos próximos dias o fato de a oposição ter reunião marcada para a próxima terça-feira, quando deve decidir quem apoiar. Segundo a fonte, ainda que seja praticamente incompatível o vínculo a um candidato de Bolsonaro, partidos como PSB, PT, Rede e PCdoB avaliam o cenário para bater o martelo na próxima semana.
A CNN Brasil chegou a anunciar que o PSB teria decidido aprovar um indicativo inicial de apoio a Lira, mas, em nota, o líder do partido, Alessandro Molon (RJ), negou que a bancada tenha decidido apoiar qualquer das candidaturas.
"Não houve qualquer deliberação sobre qual candidato será apoiado para presidir a Câmara dos Deputados no biênio 2021-2022", afirmou.
Uma fonte forneceu à Reuters documento que circulou entre os integrantes da bancada do PSB, uma "carta compromisso" a ser entregue aos postulantes ao comando da Câmara.
Nela, o partido afirma que definirá seu posicionamento a partir de critérios programáticos e cita como pilares o diálogo, a independência entre os Poderes e a elaboração de uma agenda estratégia de deliberações na Câmara dos Deputados, levando em conta a necessidade da retomada da economia, o combate às desigualdades sociais, e a proteção ao meio ambiente, entre outros temas.
Também ressalta a importância de respeito ao papel da oposição e da continuidade dos trabalhos do Congresso, mesmo enquanto persistir a pandemia do novo coronavírus.
A sucessão tanto da Câmara quanto do Senado terão impacto na agenda de reformas e nos planos de recuperação econômica durante e após a pandemia do novo coronavírus que o governo pode levar adiante a partir de 2021, fatos decisivos para uma eventual reeleição do presidente Jair Bolsonaro em 2022.
Há ainda outro ponto sensível na definição do comando da Câmara. É o presidente da Casa quem define a pauta, mas também é sua prerrogativa decidir, por exemplo, sobre pedidos de impeachment do presidente da República.