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Flexibilizar posse vai piorar ainda mais a segurança, dizem especialistas

Estudiosos criticam a flexibilização da posse de armas feita pelo governo Bolsonaro via decreto, nesta terça-feira

Bolsonaro: presidente eleito assinou decreto nesta terça-feira, em cerimônia no Palácio do Planalto (Helvio Romero/Estadão Conteúdo)

Bolsonaro: presidente eleito assinou decreto nesta terça-feira, em cerimônia no Palácio do Planalto (Helvio Romero/Estadão Conteúdo)

João Pedro Caleiro

João Pedro Caleiro

Publicado em 15 de janeiro de 2019 às 15h30.

Última atualização em 1 de março de 2019 às 15h54.

São Paulo – Especialistas em segurança pública ouvidos por EXAME criticaram a flexibilização da posse de armas feita via decreto assinado nesta terça-feira (15) pelo presidente Jair Bolsonaro.

Todos apontam que a literatura internacional mostra uma relação consistente entre o aumento na circulação de armas de fogo e o crescimento no índice de homicídios por armas de fogo.

“Mais uma vez, é como se o governo federal se eximisse de responsabilidade pelo caos da segurança publica. É de uma hipocrisia absoluta defender uma medida que comprovadamente não vai contribuir para reduzir a violência, pelo contrário”, diz Julita Lemgruber, diretora do sistema penitenciário do Rio de Janeiro de 1991 a 1994 e ex-ouvidora de polícia do Estado.

Ela vê o decreto como uma distração para a falta de um plano articulado na área de segurança, visão compartilhada por Ilona Szabó, fundadora do Instituto Igarapé e especialista em políticas públicas de combate à criminalidade.

"Estamos vendo o governo abrir brechas ao invés de melhorar os controles. Armas têm vida longa e, a maioria das que são usadas hoje para crimes foram adquiridas de forma legal”, diz Ilona.

Segundo ela, o governo está perdendo a chance de usar a tecnologia a seu favor em medidas de fato efetivas, como a criação de um inventário das armas legais usadas no país ou a obrigatoriedade de uso de chips e marcação de munições.

Lacunas

Renato Sérgio de Lima, professor do Departamento de Gestão Pública da FGV e presidente do Fórum Brasileiro de Segurança Pública, destaca a falta de base técnica para os critérios usados no decreto.

A posse foi flexibilizada, por exemplo, para áreas rurais e para pessoas que residam em estados onde houve ao menos 10 homicídios por 100 mil habitantes em 2016.

O número circula no país como uma suposta referência de “violência epidêmica” utilizada pela Organização Mundial de Saúde, o que Renato classifica de “lenda urbana” sem qualquer base em documentos oficiais do órgão.

A taxa de 10 homicídios por 100 mil habitantes é cerca de um terço da média nacional e há estados, como Santa Catarina e São Paulo, que estão próximos da “nota de corte”.

Fica criada assim uma "zona de insegurança": não fica claro se essas populações perderiam (ou ganhariam) o direito da posse caso cruzem a linha e em qual janela de tempo.

O decreto também fala na obrigatoriedade de um cofre ou armazenamento seguro em residências onde há crianças, adolescentes ou pessoas com deficiência mental.

No entanto, essa deficiência não é definida e o decreto conta com a autodeclaração do requerente, sem definir equipes ou regras de fiscalização e mantendo a pena prevista hoje, que é de um a dois anos de prisão e multa.

Futuro

Os especialistas temem que a flexibilização cause aumento nas taxas de acidentes e suicídios com armas de fogo, além de alta nos furtos de residência e acirramento de conflitos no campo.

Um possível boom da compra de armas esbarraria, em um primeiro momento, no alto custo tanto do objeto em si quanto do processo regulatório, apesar de ambos tenderem a cair.

Isso porque com a abertura do mercado para empresas estrangeiras, como afirmou o presidente em seu discurso, contribuirá para a queda nos preços.

“Vai abaixar o preço da arma no mercado ilegal, por conta da lei da oferta e procura. Mais armas serão extraviadas, mais armas serão furtadas. Quem tem dinheiro compra no mercado legal, quem não tem compra no ilegal”, diz Túlio Kahn, ex-secretário de segurança do Estado de São Paulo.

Levantamento realizado pela reportagem em lojas de São Paulo, Mato Grosso e Rio de Janeiro mostra que para adquirir uma arma, o comprador desembolsaria no mínimo 4 mil reais, considerando os artefatos mais baratos.

O valor não condiz, no entanto, com a renda dos brasileiros. De acordo com dados do Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística (IBGE), de 2017, metade da população ganha em média 754 reais por mês.

No mercado, os preços de arma de fogo variam dependo do modelo e do calibre. Há opções que custam 2.490 reais e outras que chegam no patamar de 8 mil reais, sem incluir o preço da munição, que custa, em média, 100 reais uma caixa com dez projéteis.

Além do preço da arma, ainda é necessário passar pelos testes psicológico e técnico. O primeiro deve ser feito com um profissional credenciado pela Polícia Federal, cujo valor cobrado é, em média, de 230 reais.

Já o teste técnico, que também deve ser feito com um instrutor de armamento e tiro credenciado pela PF, varia de 80 a 400 reais, de acordo com a arma que o solicitante tem, mais o preço da munição utilizada na prova.

A maioria dos técnicos exige que o aluno leve seu próprio abafador de ruído e óculos de proteção, que custam, em média, 50 reais o kit com os dois utensílios.

Se o interessado precisar ainda realizar um curso de tiro, para conseguir passar no teste prático, é necessário procurar um espaço que ofereça esse serviço. Nas cidades citadas, há opções para iniciantes que custam de 500 a 1.000 reais.

Porte

Apesar de o decreto não liberar o porte de armas, que é a possibilidade de circular com a arma fora de casa, o presidente citou no discurso desta terça, que essa pauta deve ser discutida nos próximos meses, apesar de resistências da própria “bancada da bala”.

“Se antes quem tinha arma era só o criminoso, agora será também o 'cidadão de bem', trazendo dificuldade para o trabalho da polícia”, afirma Renato, do Fórum de Segurança Pública.

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